Mercados a Oeste

Nem as chicotadas de areia trazida pelo vento, nem os protestos dos mais fracos de espírito, nada parece penetrar naquele rosto de pedra. E assim, a caravana tem vindo a avançar, devagar mas sem parar, seguida à distância pelos cães selvagens do deserto, esses carnívoros oportunistas, que se alimentam dos que caem por terra, dos irresolutos que ficam pelo caminho, por desespero ou desnorte.

A caravana avança em direcção ao grande nada, o deserto que se estende até ao horizonte. São já mais de vinte meses de viagem, desde o dia em que os poços secaram, quando não houve mais nada a fazer, que não partir. Partir, sem certezas, mas sem outro remédio. Foram muitas as vozes que se insurgiram. Dizia-se que os poços não estavam secos; que o que havia, era desperdício de água; que havia até quem a roubasse. Partir, não era a vida com que tinham sonhado. Tinham direito àquelas terras, a eles dadas e, como tal, suas por direito. Uma conquista de uma vida de luta, não podia ser deixada assim, para trás. Mais: as crianças não iriam aguentar até ao oásis mais próximo. Esse oásis que se sabia existir, embora não se soubesse onde, exactamente.

“Jedediah Smith’s party crossing the burning Mojave Desert” por Frederic Remington (1861–1909)

O líder da caravana – um tal Gaspar, novo na cidade, quem todos sempre olharam com desconfiança – estava convicto que a direcção era aquela. Isto porque sabia de quem tinha já feito aquele caminho. Mas à medida que as semanas e os meses passaram, a esperança esvaíu-se, como a areia do deserto, entre dedos de caminhante. As crianças, protegidas pela inocência da sua esperança, são as que menos se insurgem. Mas não faltam vozes de protesto. Houve até quem rompesse com a caravana, aventurando-se deserto fora, na certeza de que sabia melhor. Nunca mais ninguém os viu ou ouviu. Os cães selvagens que deambulam, famintos, por aquelas paragens, fazem temer o pior.

Título, Imagem e Texto: Antologia de Ideias, 23-01-2013

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