quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Reino Unido se afasta do projeto europeu

Adriano Bosoni
Se a Grã-Bretanha nunca chegou a se entusiasmar com a ideia da União Europeia, parece que, agora, as posições que o país está prestes a tomar representam uma pá de cal nas esperanças que alguns tinham de o “império do norte” vir a participar do bloco europeu e, muito menos, da formação de uma espécie de “Estados Unidos da Europa”, como querem alguns.

Foto: Oli Scraff/Getty Images
Hoje, 23 de janeiro, o Primeiro-ministro britânico, David Cameron, discursará em Londres e falará sobre o futuro das relações do Reino Unido com a União Europeia. Trechos desse discurso vazaram para a mídia e sugerem que a tônica do discurso será uma dura crítica ao bloco europeu, dando a entender que Cameron irá confirmar suas recentes assertivas a respeito da União Europeia.

Todavia, o mais importante é que, com base nesses trechos vazados, o Reino Unido sinaliza uma política de saída do bloco sem precedente e a renegociação do papel da Grã-Bretanha na União Europeia provavelmente será menor ainda. Londres tem negociado isenções que a permitem ficar de fora da abrangência de algumas políticas europeias no passado, conseguindo mesmo algumas concessões de Bruxelas, mas, desta vez, ao que parece, o Reino Unido estará dizendo que se tornará cada vez menos integrado ao bloco.

O primeiro-ministro Cameron tem alegado que fará realizar um referendo após 2015 para decidir o papel do Reino Unido com relação ao resto da Europa e em especial com a União Europeia. Também dirá, em seu discurso, que estará disposto a recuperar poderes os quais Londres abriu mão em favor da União Europeia. Não resta dúvida de que existem ansiedades semelhantes através de todo o Continente e tais afirmações constituem um anátema do projeto europeu. Ao levar seus planos adiante, Cameron poderá estar criando um precedente que, mais tarde, poderá levar até ao desaparecimento do bloco.

O COMPROMISSO DE CAMERON
Na verdade, o que Cameron está prestes a declarar faz parte de uma estratégia que resulta de uma reação às políticas britânicas domésticas. Há uma facção do Partido Conservador britânico, que está no poder, que acredita e deseja que o país deva abandonar inteiramente os seus vínculos e participação na União Europeia. Foi tal facção que pressionou Cameron a convocar um referendo sobre a participação britânica no bloco. Alguns membros também temem que o Partido da Independência do Reino Unido (PIRU), o partido tradicionalmente cético quanto a isso no país, esteja ganhando terreno junto ao eleitorado nacional. Tal receio pode estar bem fundamentado.

Conforme os resultados de diversas pesquisas de opinião, cerca de 8 a 14 por cento do país apoia esse partido, o PIRU, muito embora tenha recebido apenas 3,1 por cento do voto popular nas eleições de 2010. Tais níveis de apoio fazem do PIRU um sério adversário dos Democratas Liberais, o terceiro maior político do Reino Unido (abaixo do Partido Trabalhista e do Partido Conservador, os dois maiores). Algumas enquetes mostram que o PIRU já é o terceiro mais popular partido do país, ao passo que outras sugerem que o PIRU tem arregimentado ilegalmente, por baixo dos panos, membros do Partido Conservador, uma tendência preocupante tendo em vista as eleições para o Parlamento Europeu em 2014 e as eleições gerais britânicas em 2015.

A crescente popularidade do PIRU pode ser atribuída a outros fatores também. Além da sua retórica antiUnião Europeia, o PIRU está ganhando força como uma voz de oposição ao establishment no país, apoiado pelos que estão desapontados com os atuais principais partidos políticos britânicos. Situações parecidas estão surgindo em outros países da Europa, onde a crise em curso tem enfraquecido de modo considerável as tradicionais elites políticas.

Toda a celeuma sobre a participação da Grã-Bretanha na União Europeia também está causando atritos com a recente parceria da juventude Conservadora da coalizão, os Liberais Democratas. O líder dessa coalizão e vice-primeiro ministro, Nick Clegg, tem criticado constantemente a pressão dos Conservadores para a realização do citado referendo, argumentando que a proposta está gerando incerteza no país e, por conseguinte, ameaçando o crescimento econômico e a geração de empregos. Diversos empresários, entre os principais do país, têm a mesma crença. O Grupo Virgin de Richard Branson, o diretor da Bolsa de Valores de Londres, Chris Gibson-Smith, e oito outros líderes empresariais publicaram, no dia 9 deste mês, uma carta no jornal ‘Financial Times’ criticando o plano de Cameron de renegociar os termos de participação da Grã-Bretanha na União Europeia.

Da mesma forma, os cidadãos britânicos estão divididos em relação ao assunto. As enquetes, de um modo geral, têm mostrado que uma leve maioria de britânicos é a favor da saída do Reino Unido da União Europeia, mas recentes observações acham que tal opinião está nivelada com os que são contra. Os eleitores do Partido Conservador particularmente apoiam a saída do país da União Europeia.

Em função da sensitividade do tema, Cameron tem procurado agradar a todos, dizendo que o caminho certo é o referendo, mas que a finalidade é a de estabelecer as condições da participação britânica no bloco e não a retirada do país dele. Apesar de suas críticas ao bloco, Cameron tem dito que não deseja sair da União Europeia por hora; ao contrário, ele quer repatriar de Bruxelas o máximo de poderes possível que antes o país abriu mão em favor do bloco. Cameron por enquanto parece acreditar que o Reino Unido ainda necessita de um acesso direto ao Mercado Comum Europeu, mas parece convencido que Londres deveria reconquistar os citados poderes relativos, entre outras coisas, à legislação sobre empregos, e assuntos sociais e judiciais. Mais importante ainda, o referendo deve ocorrer após as eleições gerais de 2015.

OS CUSTOS DE LONDRES PARA PERMANECER NA UNIÃO EUROPEIA
Londres também crê que o Reino Unido tem por demais feito concessões de sua soberania nacional em favor de diversas instituições supranacionais da União Europeia (EU). A Grã-Bretanha é uma contribuinte líquida da UE, e Londres sente que os custos dessa contribuição estão muito além dos benefícios que recebe do bloco. A Política de Agricultura Comum, que subsidia setores agropecuários na Europa continental, na verdade, não beneficia em nada o Reino Unido, bem como a Política Comum da Indústria Pesqueira tem forçado a Grã-Bretanha a compartilhar suas águas pesqueiras com outros países membros da UE.

Concomitantemente, o Reino Unido é um defensor ferrenho de um mercado único. Quase a metade de suas exportações acaba sendo enviada para a UE, e metade de suas importações provem do bloco. Enquanto os EUA é o mercado único mais importante do Reino Unido, quatro dos cinco mercados-destinos estão na zona do euro: Alemanha, Holanda, França e Irlanda. A Alemanha é também a fonte de 12,6 por cento de todas as importações britânicas.

Alguns críticos sugerem que o Reino Unido poderia deixar a UE, mas permanecer como parte do Mercado Comum Europeu, o acordo comercial que inclui membros de fora da UE, tais como a Islândia e a Noruega. Entretanto, do país ainda seria exigido continuar contribuindo financeiramente com a Europa continental e adaptar a sua ordem legal aos padrões da UE, mas não votaria nas decisões do bloco. Segundo Cameron, o Reino Unido deve fazer parte do Mercado Comum Europeu e participar da adoção de suas políticas.

O assunto leva à consideração da grande estratégia da Grã-Bretanha. Apesar de sua aliança com os Estados Unidos da América, o país é essencialmente uma potência europeia e não pode se dar ao luxo de ser excluído dos assuntos continentais. Através da história, a principal preocupação de Londres tem sido a emergência de uma potência europeia unificada que pudesse ameaçar as Ilhas Britânicas, tanto econômica como militarmente. Manter o equilíbrio de poder no continente – especialmente naquilo em que Londres tem algum grau de influência – é um imperativo estratégico para o Reino Unido.

O DILEMA ESTRATÉGICO DA GRÃ-BRETANHA
A pressão da Inglaterra para renegociar seu status na UE ameaça o projeto europeu de unificação. No passado, o bloco garantia concessões especiais aos britânicos, tais como permitir que a Inglaterra mantivesse a libra esterlina como moeda nacional pelo Tratado de Maastricht, que deu origem ao bloco. Tais concessões inspiraram outros membros da UE a exigir tratamento similar e isonômico – mais notadamente a Dinamarca, que também conseguiu reter o poder de optar em se retirar da zona do euro.

Entretanto, esta é a primeira vez que Londres passa a exigir abertamente sua volta à situação anterior ao processo de integração europeia. Em nenhuma outra oportunidade um país tentou se dissociar do bloco nessa forma. A decisão não apenas desafia a visão franco-germânica de uma Europa nacionalmente unida e constituída, como também torna tal compromisso extremamente difícil e arriscado entre França, Alemanha, e Reino Unido.

E o mais importante, Cameron está estruturando suas propostas não em termos de soberania nacional, mas em termos de bem-estar social. Assim fazendo, ele fica ciente de que as implicações sociais da crise europeia não deverão atingir tanto o seu país. Cameron tem mesmo dito que a UE de hoje está prejudicando mais os seus cidadãos do que os ajudando. Segundo trechos vazados do próximo discurso, o primeiro-ministro inglês acredita que existe uma "crescente frustração pelo fato de que a UE é vista pelo que tem feito aos seus povos membros do que por agir em seu nome” e que os assuntos têm "intensificado essa frustração pelas próprias soluções necessárias à resolução dos problemas econômicos".

Os trechos do futuro discurso também citam Cameron como tendo dito que "as pessoas estão cada vez mais frustradas com decisões tomadas com cada vez mais atraso o que as obrigam a piores padrões de vida, o que representa um contragolpe a toda a austeridade exigida com relação aos impostos que pagam serem usados para ajudar a recuperação de governos do outro lado do continente (Grécia, por exemplo) ".

Tal retórica poderia se tornar altamente atrativa para a Europa, onde os povos da Alemanha à Finlândia acreditam que o dinheiro dos contribuintes está sendo usado para recuperar países periféricos ineficientes. E muitos cidadãos gregos, espanhóis e portugueses provavelmente simpatizariam com a noção de que a austeridade está piorando sua qualidade de vida. A retórica de Cameron sugere que ele se posiciona para fazer do Reino Unido o líder de uma contranarrativa que se oponha à visão germânica da crise financeira.

Mas tal estratégia não é isenta de riscos para o Reino Unido. Nos últimos anos, o poder de veto do país na UE tem sido reduzido drasticamente. Com cada reforma dos tratados europeus, decisões unânimes foram substituídas pelo uso da decisão via maioria qualificada. Mesmo nos casos em que a unanimidade é exigida, Berlim e Paris têm conseguido desbordar a posição de Londres quando têm que tomar as decisões. Por exemplo, Cameron se recusou a assinar o tratado fiscal compacto em 2011, mas a Alemanha e a França decidiram fazê-lo entrar em vigor assim mesmo, mesmo com apenas 25 dos 27 estados membros do bloco o terem aceitado.

Além do mais, o "mecanismo de fortalecimento da cooperação” – o sistema pelo qual os membros da UE podem tomar decisões sem a participação de outros membros – tem sido progressivamente usado para tocar adiante os projetos da UE. Hoje em dia, o chamado Imposto sobre as Transações Financeiras na UE está sendo negociado sob tal formato. Ultimamente, Londres tem sido capaz apenas de obter isenções sem ter, na verdade, qualquer poder de decisão dentro do bloco.

Enquanto isso, a crise financeira em vigor tem compelido a UE a priorizar os 17 membros da zona do euro em detrimento do resto do bloco. Isto tem criado uma Europa com duas velocidades de crescimento, onde o núcleo dos membros da EU integram-se mais além enquanto os demais são de certa forma negligenciados. Londres poderia estar tentando liderar os países que estão fora da zona do euro, mas esses países frequentemente têm agendas competitivas entre si, como ficou evidente pelas recentes negociações sobre o orçamento da EU. Nessas negociações, o Reino Unido pressionou por um orçamento menor para a UE para aliviar a carga financeira, mas países como a Polônia e a Romênia estavam interessados em manter os altos subsídios agropecuários como uma forte ajuda ao desenvolvimento.

Tal dilema é mais bem compreendido dentro do contexto da grande estratégia do Reino Unido. O desnecessário isolamento político em relação ao continente é uma ameaça real a Londres. Quanto mais a UE se focar na zona do euro, menor influência terá a Inglaterra sobre a Europa continental. A atual zona do euro se estende da Finlândia a Portugal, e a criação de uma espécie de sub-bloco continental mais ou menos unificado é o que Londres mais teme.

Para os britânicos, tal ameaça pode ser mitigada de diversas maneiras, a mais importante das quais é a sua aliança com os EUA. Enquanto Londres for o principal aliado militar dos americanos e um importante parceiro econômico e a única superpotência do mundo, a Europa continental não poderá se dar ao desfrute de ignorar a Grã-Bretanha. Além do mais, Londres também representa uma alternativa viável à liderança alemã da Europa, especialmente quando a França está fraca e absorta em seus próprios problemas domésticos. E mesmo que o Reino Unido escolha sair de vez da União Europeia, sua influência política e econômica continuará a ser fortemente sentida em todo o continente.

A grande estratégia do Reino Unido de há muito tem se caracterizado pelo equilíbrio entre a Europa e os EUA. Atualmente, Londres já não redefine tanto sua grande estratégia, na medida em que ela está a mudar o seu peso para longe da Europa sem, por outro lado, abandonar completamente o continente.

No fundo, conhecendo a mentalidade britânica, o que parece mover a “grande estratégia” londrina é o fato de não querer jogar nas costas (e nos bolsos) de seus cidadãos o imenso custo da recuperação financeira da zona do euro.
Título e Texto: Adriano Bosoni, Stratfor, 22-01-2013
Tradução: Francisco Vianna, 23-01-2013
NT - O último parágrafo, em negrito, foi acrescentado pelo tradutor a título de comentário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-