Nós, os que estamos sentados à
cabeceira de Portugal, conhecemos bem o doente e julgamos saber interpretar os
sintomas. Infelizmente, fazemos interpretações diferentes, donde decorrem
diagnósticos também diferentes, e correlativamente as terapêuticas.
Sejamos claros: diagnósticos
há seis (o do CDS, o do PSD, o do PS, o dos dois restantes partidos
parlamentares, o do MRPP e o de Fernanda Câncio); terapêuticas igualmente seis,
mas não exactamente as mesmas (os mesmos menos a Fernanda mais os anti-Euro); e
prognósticos apenas um, que é o de que isto vai acabar mal.
Toda esta gente tem posições
sobre a liberdade de expressão, e divide-se em dois, e apenas dois, grupos: a
favor e contra. Sem ter isto presente, e sem entender este pano de fundo, não
se consegue perceber nada. E, não percebendo nada, cometem-se erros de
avaliação. Muitas pessoas da minha criação, e outras de famílias diferentes,
espolinham-se hoje de indignação por causa de a "nossa" RTP ter
contratado Sócrates para comentador político: que isto é abrir-lhe uma
autoestrada para começar a campanha para herdar Belém; que é um palco para
lavar um passado político que foi insuficientemente castigado, e um passado
pessoal que apenas lhe deveria permitir entrevistas no parlatório do Tourel;
que é uma jogada de Relvas para lançar a sizania no campo socialista,
encravando Seguro, atrapalhando as contas de Costa, e de modo geral criando um
clima favorável ao Governo, visto que os vitupérios de Sócrates, vindos de que
vêm, funcionam como elogios para a maioria.
Será alguma coisa destas, uma
mistura, ou ainda outra combinação qualquer: de teorias da conspiração vamos
ter para cima de duas dúzias.
Sucede porém que, do ponto de
vista dos interesses da RTP, o convite é uma boa jogada: Sócrates foi um dos
melhores tribunos da plebe que a democracia engendrou; é um prodigioso vendedor
de banha-de-cobra; seria perigoso se ainda não tivesse sido testado; e, por
isto e se a lógica não for uma batata, o programa terá grandes audiências.
Não é isso que se espera de um
canal bem gerido, que tenha grandes audiências? E não podemos razoavelmente pensar que é também
com iniciativas destas que os prejuízos que suportamos ano após ano podem ter
algum alívio, mesmo que sem privatização seja ilusório pensar que a barca algum
dia terá lucro?
Depois, ou se têm princípios
ou não. Fossem as polícias, o Ministério Público e os tribunais mais eficientes
e Sócrates estaria provavelmente na cadeia - é a minha convicção. Mas seja por
falta de tradição, de meios ou porque o caminho está recheado de truques, minas
e alçapões que o Poder Legislativo lá colocou, Sócrates não está acusado de
nada. Ora, um cidadão que não está acusado de nada tem todo o direito de ser
convidado para um programa de comentário político, assim como os responsáveis
pelo programa devem ter a liberdade de convidar quem entendam.
Quem não gosta não vê. Eu, tal
como, estou certo, os meus amigos, não gosto e verei. E espero ter ocasião de,
da minha ignota tribuna, lhe desmontar as atoardas. Que é coisa muito diferente
de lhe querer fechar a matraca.
Título e Texto: José Meireles Graça, Forte Apache, 21-03-2013
Leituras complementares:
“Sócrates na RTP? “É uma coisa normal”, diz Seguro”
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