quinta-feira, 21 de março de 2013

Le philosophe baillonné


José Meireles Graça
Nós, os que estamos sentados à cabeceira de Portugal, conhecemos bem o doente e julgamos saber interpretar os sintomas. Infelizmente, fazemos interpretações diferentes, donde decorrem diagnósticos também diferentes, e correlativamente as terapêuticas.
Sejamos claros: diagnósticos há seis (o do CDS, o do PSD, o do PS, o dos dois restantes partidos parlamentares, o do MRPP e o de Fernanda Câncio); terapêuticas igualmente seis, mas não exactamente as mesmas (os mesmos menos a Fernanda mais os anti-Euro); e prognósticos apenas um, que é o de que isto vai acabar mal.
Toda esta gente tem posições sobre a liberdade de expressão, e divide-se em dois, e apenas dois, grupos: a favor e contra. Sem ter isto presente, e sem entender este pano de fundo, não se consegue perceber nada. E, não percebendo nada, cometem-se erros de avaliação. Muitas pessoas da minha criação, e outras de famílias diferentes, espolinham-se hoje de indignação por causa de a "nossa" RTP ter contratado Sócrates para comentador político: que isto é abrir-lhe uma autoestrada para começar a campanha para herdar Belém; que é um palco para lavar um passado político que foi insuficientemente castigado, e um passado pessoal que apenas lhe deveria permitir entrevistas no parlatório do Tourel; que é uma jogada de Relvas para lançar a sizania no campo socialista, encravando Seguro, atrapalhando as contas de Costa, e de modo geral criando um clima favorável ao Governo, visto que os vitupérios de Sócrates, vindos de que vêm, funcionam como elogios para a maioria.
Será alguma coisa destas, uma mistura, ou ainda outra combinação qualquer: de teorias da conspiração vamos ter para cima de duas dúzias.
Sucede porém que, do ponto de vista dos interesses da RTP, o convite é uma boa jogada: Sócrates foi um dos melhores tribunos da plebe que a democracia engendrou; é um prodigioso vendedor de banha-de-cobra; seria perigoso se ainda não tivesse sido testado; e, por isto e se a lógica não for uma batata, o programa terá grandes audiências.
Não é isso que se espera de um canal bem gerido, que tenha grandes audiências? E  não podemos razoavelmente pensar que é também com iniciativas destas que os prejuízos que suportamos ano após ano podem ter algum alívio, mesmo que sem privatização seja ilusório pensar que a barca algum dia terá lucro?
Depois, ou se têm princípios ou não. Fossem as polícias, o Ministério Público e os tribunais mais eficientes e Sócrates estaria provavelmente na cadeia - é a minha convicção. Mas seja por falta de tradição, de meios ou porque o caminho está recheado de truques, minas e alçapões que o Poder Legislativo lá colocou, Sócrates não está acusado de nada. Ora, um cidadão que não está acusado de nada tem todo o direito de ser convidado para um programa de comentário político, assim como os responsáveis pelo programa devem ter a liberdade de convidar quem entendam.
Quem não gosta não vê. Eu, tal como, estou certo, os meus amigos, não gosto e verei. E espero ter ocasião de, da minha ignota tribuna, lhe desmontar as atoardas. Que é coisa muito diferente de lhe querer fechar a matraca.
Título e Texto: José Meireles Graça, Forte Apache, 21-03-2013

Leituras complementares:
“Sócrates na RTP? “É uma coisa normal”, diz Seguro”

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