Começou há poucos dias o 40º
ano da nossa democracia. O 25 de Abril é um sucesso estrondoso, que devemos
celebrar com alegria. Nunca na história de Portugal uma revolução democrática
atingiu tal longevidade, caindo sempre rapidamente no caos ou na podridão. Após
séculos de lutas, desorientação ou ditadura, Portugal é desde 1974 um país
livre, seguro e equilibrado.
Apesar da evidência, muita
gente duvida. Esses, segundo parece, só se contentam com o regime perfeito, sem
crises ou dificuldades. Quando estas surgem, como em todo o lado, deduzem que o
sistema está errado e querem mudar.Esta tolice é aquela que arruinou Portugal
durante 150 anos, na busca incessante do sistema ideal, que gerou dor e
sofrimento para todos.
É preciso dizer que, apesar
dos disparates, o regime está sólido e celebrará ainda muitos anos. O povo
português lembra-se dos terríveis erros antigos e está grato por finalmente os
termos vencido. A população resmunga, mas ajusta-se e encontra solução.O
problema, hoje como sempre, está nas elites e intelectuais, que capitanearam o
longo delírio político de 1820 a 1974.
A nossa elite é intimamente
avessa aos princípios básicos da democracia. Mesmo se ultimamente adoptou a
versão oficial, exteriormente democrática, que por vezes até parecia sincera, a
crise actual veio revelar as suas reais tendências. As origens da atitude são
velhas, profundas e estruturais, manifestando-se claramente em todas as épocas.
A essência da democracia, na
política como na economia, é competição, alternativa, desportivismo. Que todos
tenham oportunidade de se apresentarem e ganhe, não o melhor, que ninguém sabe
quem é, mas aquele que a sociedade preferir. Ora, os nossos pensadores e
dirigentes há séculos que são eminentemente proteccionistas, corporativos,
clientelares. A sua visão é aristocrática, egoísta, manipuladora. Consideram-se
geniais e desprezam as massas ignaras e o País, que nunca os mereceu.
Visceralmente avessos à incerteza das eleições e mercados, preferem arranjinhos
de bastidores, batota do árbitro comprado, garantia de progra- mas de apoio.
Esta atitude de fundo sempre
se manifestou no campo económico com uma posição abertamente anticapitalista. Do
jacobinismo republicano ao corporativismo salazarista e à social-democracia do
PS e do PSD, a elite nacional repudia sem rebuço a incerta economia de mercado,
preferindo a versão dirigista e regulamentar. No campo político, pelo
contrário, o discurso tem sido mais diversificado. Aí é preciso ir ajustando as
expressões, para não chocar as conveniências de cada época.
É verdade que mesmo após Abril
permaneceu viva, sobretudo na extrema-esquerda, uma doutrina claramente
antidemocrática. A corrente principal da elite, no entanto, dizia-se
nominalmente defensora de um regime aberto e europeu. Isso não impediu,
naturalmente, a captura corporativa do sistema que alimentou a dívida
galopante.Agora que os resultados da loucura rebentaram, vemos as
personalidades mais insuspeitas apregoarem propostas perversas, sem a menor
vergonha de negarem aquilo que sempre disseram defender.
As actuais imprecações
antidemocráticas partem sempre do repúdio do Governo, alegadamente povoado de
mentecaptos perversos empenhados na demolição nacional. O facto de essas
políticas virem não do arbítrio de ministros tolos, mas da orientação de instituições
internacionais reputadas, a quem os críticos sempre proclamaram uma adesão
incondicional, não parece fazer a menor diferença. A única solução, segundo
eles, é subverter as instituições, derrubar a maioria legítima, convocar
eleições subversivas.Nem sequer entendem que essa mesma proposta minaria a
legitimidade do Governo daí resultante, o qual, aliás, não teria outro remédio
senão continuar na mesma linha de austeridade.
As nossas elites são
profundamente antidemocráticas. É por isso que durante séculos esse regime
nunca vingou por cá. Desta vez talvez haja esperança. O povo, que sempre teve
uma saudável desconfiança das elites, já vive o 40º ano depois de Abril.
Título e Texto: João César das Neves, Diário de Notícias, 13-05-2013
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