quarta-feira, 1 de maio de 2013

Uma perda de tempo

José António Saraiva
O Presidente da República e muitos comentadores têm apelado ao diálogo entre o Governo e o Partido Socialista.
Ora, creio que é uma perda de tempo.
Nem o Governo pode ceder às pretensões do PS (pois está amarrado a um Memorando que tem metas para cumprir e do qual os socialistas se afastaram), nem o PS quer verdadeiramente dialogar com o Governo.
É certo que só teria a ganhar se o fizesse.
Defendo há muitos anos a ideia de que a oposição (seja do PS ou do PSD) teria toda a vantagem em manter com o Governo um diálogo construtivo, em vez de passar a vida de altifalante na mão a funcionar como grupo de protesto.
Há vários exemplos que provam isso.
A atitude que mais ajudou a credibilizar Passos Coelho perante o país, antes de ganhar as eleições e ser primeiro-ministro, foi a viabilização do último Orçamento de José Sócrates.
Passos fê-lo contra a opinião de boa parte do PSD, que queria derrubar o Governo e saltar imediatamente para o poder.
Mas ele resistiu, deu luz verde ao Orçamento – e com isso surgiu aos olhos dos portugueses como um ‘líder responsável’.
Como alguém que era capaz de pôr o interesse do país à frente dos interesses do seu partido.
Mais tarde, chumbaria o PEC IV, fazendo cair Sócrates.
E terá sido esse o seu grande erro.
Se o tivesse aprovado, credibilizava-se ainda mais – e poria a nu o beco sem saída em que o Governo estava metido.
José Sócrates beberia o seu veneno até ao fim.
Votando contra o PEC IV, Passos Coelho herdou cedo de mais a batata quente – e ficou na situação incómoda de aplicar o Memorando da troika negociado pelo seu antecessor.
Isto são águas passadas – mas deveriam servir de lição ao PS.
No estado crítico em que o país se encontra, o PS não tem o mínimo interesse em provocar a queda do Governo.
E só se faria respeitar se participasse construtivamente na tentativa de tirar Portugal do buraco, envolvendo-se no diálogo com o Executivo e com os credores.
O PS só ganharia em colaborar numa reforma do Estado que diminuísse corajosamente a despesa pública – por forma a reduzir o défice crónico que nos vulnerabiliza muito perante o exterior.
Mas os socialistas acham o contrário.
Entendem que o partido beneficia com a estratégia de confronto com o Governo e com a troika.
Ora este ambiente de conflitualidade exacerbada, de histeria colectiva, não beneficia ninguém.
Acontece que António José Seguro, mesmo que quisesse negociar com o Governo, não teria força nem ambiente no seu partido para o fazer.
O Partido Socialista está fragmentado, e o líder encontra-se permanentemente sob pressão.
A ala soarista é muito radical e advoga a «conspiração» para derrubar o Governo.
Os socratistas espreitam todas as ‘fraquezas’ de Seguro para lhe caírem em cima.
E só os moderados, como Luís Amado ou Vital Moreira, percebem o buraco em que Portugal está metido e advogariam uma aproximação ao Governo e aos credores – mas esses são em número muito reduzido.
Seguro não tem, pois, margem de manobra para negociar com Passos Coelho.
Anacronicamente, quanto mais fraco é um líder mais forte precisa de se mostrar.
Foi este, aliás, o motivo da apresentação da moção de censura.
Resumindo, estamos num impasse.
Daí que me pareçam inúteis os apelos ao diálogo por parte do PR.
Eu vejo, mesmo, a questão ao contrário: em democracia, quem ganha a maioria tem toda a legitimidade para governar – e deve fazê-lo com coragem e sem hesitações.
Os consensos, as tentativas de compromisso, só paralisam o Estado e protelam a tomada de decisões.
Pensemos no seguinte: se a coligação PSD-CDS já tem tanta dificuldade em tomar medidas, o que seria se fosse necessário obter ainda o acordo do PS?
Se uma relação a dois já é tão difícil, como seria uma relação a três?
Seria de loucos.
Sejamos práticos: Portugal tem a sorte de ter um Governo que dispõe de maioria absoluta no Parlamento.
A obrigação do Governo é governar.
Estar à espera de consensos com a oposição para tomar medidas é o caminho mais directo para não fazer nada.
Consensos são necessários para mudar a Constituição – e não para governar.
Estranho que Cavaco Silva, que sempre foi um primeiro-ministro decidido, activo e ousado, não perceba esta evidência, e passe a vida a apelar para um compromisso impossível.
Título e Texto: José António Saraiva, SOL, 30-04-2013

Grifos: JP

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