sexta-feira, 28 de junho de 2013

As ruas estão um tanto destrambelhadas, mas Dilma e seus rapazes estão ainda mais. Ou: Sem safadeza e golpes na legitimidade e na legalidade, será impossível realizar o plebiscito

Reinaldo Azevedo
Estamos a dois dias do fim de junho. Assustada com as manifestações e o quebra-quebra das ruas, a presidente Dilma Rousseff resolveu chupar as resoluções do 3º Congresso do PT, ocorrido em 2007, e chamar a proposta de reforma política e “pacto” — aí evocando a triste memória do governo Sarney. Chegou a falar num plebiscito seguido de constituinte. Agora, contenta-se só com a consulta popular. Encontrou-se nesta quinta com presidentes dos partidos da base aliada. Eles toparam. Toparam sabe-se lá o quê. Ninguém tem noção de como as coisas funcionariam.

A presidente diz querer uma consulta sucinta, restrita a alguns pontos. Quem aparece como chefe das operações é seu homem de superconfiança, Aloizio Mercadante — a Soberana parece surda à voz de seus sacerdotes. Ela quer que parte das mudanças já valha para a disputa de 2014. Seria preciso, pois, aprovar antes de outubro. Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado — principal alvo dos protestos em Brasília —, anda mais assanhado que lambari na sanga. O homem que quer instituir o Passe Livre Estudantil (e os prefeitos que se virem) teve outra ideia genial: indagar no plebiscito se a população quer que a mudança ocorra já no ano que vem, ainda que aprovada fora do prazo. É um espetáculo! Nesse caso, seria preciso falar com os russos do STF. Tentarei ser rápido como Renan: se existe uma lei que impede mudanças no processo eleitoral a menos de um ano do pleito, mesmo a revogação dessa lei tem de ser feita um ano antes do pleito. Por que ele não propõe isso ao Congresso para ver se passa? Pelo visto, Renan acha que um plebiscito é tão legítimo que poderia até dizer “sim” a um golpe…

Mercadante fala pelos cotovelos, com ares de Marco Antônio dando ordem aos egípcios. Fala o que lhe dá na telha, o que sempre é um problema. A consulta ao povo se restringiria ao financiamento de campanha, ao sistema de eleição de parlamentares e ao voto em lista. Já houve voto distrital no Brasil, mas se perdeu na memória. Para o eleitor comum — 99% —, tudo isso é charada grega. Mais: mesmo essas três questões não se resumem a um “sim” ou a “não”. Cada uma delas comporta pelo menos três alternativas: voto distrital, distrital misto e proporcional; financiamento público; financiamento misto; financiamento com doações privadas; voto nominal; voto em lista, mistura dos dois critérios. Digamos que o financiamento continue privado: as atuais regras permanecem? Vão mudar? No caso do financiamento público, como se fará a distribuição dos recursos?
SEM PICARETAGEM, SEM SAFADEZA, SEM TRAPAÇA, SEM ESPÍRITO GOLPISTA, é simplesmente impossível resolver essa questão por plebiscito. Caso se realize, jamais a população terá sido chamada a votar em tal estado de  ignorância. Como se vai operacionalizar isso? A “vontade do povo” vai virar uma PEC ou Projeto de Lei? Poderão ser emendados pelos parlamentares ou não? Se não puderem, então seria preciso oferecer ao eleitor, na urna, a íntegra de cada texto votado, o que é impossível. Mais: quem disse que os parlamentares estariam obrigados a ser reverentes à vontade plebiscitária?

Aberta a reforma política, parlamentares estariam impedidos de tratar de outros temas que não foram submetidos ao plebiscito? As tolices vão se acumulando. Numa evidência de que anda dormindo pouco e mal, o que deixa lento o raciocínio, leio na Folha que a presidente rechaça o referendo — a consulta feita depois que o Congresso chega a um texto final — porque, disse, esse seria o pior dos mundos. Afirmou: “A população poderia rechaçar uma reforma política aprovada pelo Congresso. Ficaríamos sem mudanças, não é o que deseja a voz das ruas”.
Heeeinnn?
Como não há ninguém querendo reforma política nas ruas — alguém ouviu falar disso? —, a população pode muito bem decidir deixar tudo como está, ora essa! E aí? Mais: se o Congresso votasse uma coisa e a população rejeitasse — e isso implicaria que ela teria dito “não” à mudança, mantendo as leis atuais —, isso só provaria, então, que, nesse particular, não estaria querendo mudança!!! Se essa fala for verdadeira, isso só evidencia o estado de confusão mental em que está essa gente.

Organizar e executar um plebiscito dessa complexidade em três meses é coisa de República Bananeira. Eu não acho que governantes tenham de ser necessariamente submissos ao que se grita nas ruas. Mas, se é o caso, um dos gritos que se ouve é contra a corrupção e a ineficiência do estado. Dilma poderia começar cortando metade dos ministérios. Ficar com 20 já estaria bom. Tenho a certeza de que, cortando a metade, o governo já renderia o dobro. Seria muito pouco, claro!, mas melhor do que hoje.

Que coisa! O PT governava com razoável serenidade quando pesquisas indicavam a quase unanimidade. Bastaram algumas manifestações de insatisfação, e essa gente entrou em parafuso. Sei a quem estou apelando, mas é o que nos resta: os partidos da base aliada, exceção feita ao PT, deveriam demover a presidente dessa estupidez. Não conseguindo, espero que tenham o bom senso de ir empurrando esse negócio com a barriga. Dilma vive um momento meio aloprado, instruída por um mau conselheiro. José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, por ofício, seria a voz do bom senso. Mas quem dá bola ao Leporello?
Xiii, já fui lá pro Dom Giovanni. Melhor parar por aqui. 
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 28-06-2013

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