Estamos a dois dias do fim de
junho. Assustada com as manifestações e o quebra-quebra das ruas, a presidente
Dilma Rousseff resolveu chupar as resoluções do 3º Congresso do PT,
ocorrido em 2007, e chamar a proposta de reforma política e “pacto” — aí
evocando a triste memória do governo Sarney. Chegou a falar num plebiscito
seguido de constituinte. Agora, contenta-se só com a consulta popular.
Encontrou-se nesta quinta com presidentes dos partidos da base aliada. Eles
toparam. Toparam sabe-se lá o quê. Ninguém tem noção de como as coisas
funcionariam.
A presidente diz querer uma
consulta sucinta, restrita a alguns pontos. Quem aparece como chefe das
operações é seu homem de superconfiança, Aloizio Mercadante — a Soberana parece
surda à voz de seus sacerdotes. Ela quer que parte das mudanças já valha para a
disputa de 2014. Seria preciso, pois, aprovar antes de outubro. Renan Calheiros
(PMDB-AL), presidente do Senado — principal alvo dos protestos em Brasília —,
anda mais assanhado que lambari na sanga. O homem que quer instituir o Passe
Livre Estudantil (e os prefeitos que se virem) teve outra ideia genial: indagar
no plebiscito se a população quer que a mudança ocorra já no ano que vem, ainda
que aprovada fora do prazo. É um espetáculo! Nesse caso, seria preciso falar
com os russos do STF. Tentarei ser rápido como Renan: se existe uma lei que
impede mudanças no processo eleitoral a menos de um ano do pleito, mesmo a
revogação dessa lei tem de ser feita um ano antes do pleito. Por que ele não
propõe isso ao Congresso para ver se passa? Pelo visto, Renan acha que um
plebiscito é tão legítimo que poderia até dizer “sim” a um golpe…
Mercadante fala pelos
cotovelos, com ares de Marco Antônio dando ordem aos egípcios. Fala o que lhe
dá na telha, o que sempre é um problema. A consulta ao povo se restringiria ao
financiamento de campanha, ao sistema de eleição de parlamentares e ao voto em
lista. Já houve voto distrital no Brasil, mas se perdeu na memória. Para o
eleitor comum — 99% —, tudo isso é charada grega. Mais: mesmo essas três
questões não se resumem a um “sim” ou a “não”. Cada uma delas comporta pelo
menos três alternativas: voto distrital, distrital misto e proporcional; financiamento
público; financiamento misto; financiamento com doações privadas; voto nominal;
voto em lista, mistura dos dois critérios. Digamos que o financiamento continue
privado: as atuais regras permanecem? Vão mudar? No caso do financiamento
público, como se fará a distribuição dos recursos?
SEM PICARETAGEM, SEM SAFADEZA,
SEM TRAPAÇA, SEM ESPÍRITO GOLPISTA, é simplesmente impossível resolver essa
questão por plebiscito. Caso se realize, jamais a população terá sido chamada a
votar em tal estado de ignorância. Como se vai operacionalizar isso? A
“vontade do povo” vai virar uma PEC ou Projeto de Lei? Poderão ser emendados
pelos parlamentares ou não? Se não puderem, então seria preciso oferecer ao
eleitor, na urna, a íntegra de cada texto votado, o que é impossível. Mais:
quem disse que os parlamentares estariam obrigados a ser reverentes à vontade
plebiscitária?
Aberta a reforma política,
parlamentares estariam impedidos de tratar de outros temas que não foram
submetidos ao plebiscito? As tolices vão se acumulando. Numa evidência de que
anda dormindo pouco e mal, o que deixa lento o raciocínio, leio na Folha que a
presidente rechaça o referendo — a consulta feita depois que o Congresso chega
a um texto final — porque, disse, esse seria o pior dos mundos. Afirmou: “A
população poderia rechaçar uma reforma política aprovada pelo Congresso.
Ficaríamos sem mudanças, não é o que deseja a voz das ruas”.
Heeeinnn?
Como não há ninguém querendo
reforma política nas ruas — alguém ouviu falar disso? —, a população pode muito
bem decidir deixar tudo como está, ora essa! E aí? Mais: se o Congresso votasse
uma coisa e a população rejeitasse — e isso implicaria que ela teria dito “não”
à mudança, mantendo as leis atuais —, isso só provaria, então, que, nesse
particular, não estaria querendo mudança!!! Se essa fala for verdadeira, isso
só evidencia o estado de confusão mental em que está essa gente.
Organizar e executar um
plebiscito dessa complexidade em três meses é coisa de República Bananeira. Eu
não acho que governantes tenham de ser necessariamente submissos ao que se
grita nas ruas. Mas, se é o caso, um dos gritos que se ouve é contra a
corrupção e a ineficiência do estado. Dilma poderia começar cortando metade dos
ministérios. Ficar com 20 já estaria bom. Tenho a certeza de que, cortando a
metade, o governo já renderia o dobro. Seria muito pouco, claro!, mas melhor do
que hoje.
Que coisa! O PT governava com
razoável serenidade quando pesquisas indicavam a quase unanimidade. Bastaram
algumas manifestações de insatisfação, e essa gente entrou em parafuso. Sei a
quem estou apelando, mas é o que nos resta: os partidos da base aliada, exceção
feita ao PT, deveriam demover a presidente dessa estupidez. Não conseguindo,
espero que tenham o bom senso de ir empurrando esse negócio com a barriga.
Dilma vive um momento meio aloprado, instruída por um mau conselheiro. José
Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, por ofício, seria a voz do bom senso. Mas
quem dá bola ao Leporello?
Xiii, já fui lá pro Dom
Giovanni. Melhor parar por aqui.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 28-06-2013
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