quinta-feira, 6 de junho de 2013

Sou tão fascista que até tenho boas notícias


Henrique Raposo
A atmosfera mediática da pátria nunca prestou atenção às causas da crise. Aliás, ainda não presta. Não é de admirar, portanto, que a dita atmosfera despreze agora os sinais de reconversão da sociedade portuguesa, até porque boa parte destes sinais positivos ocorrem longe da mediática "Lesboa". Mas esta orfandade mediática até seria suportável se não existisse uma orfandade política. O país real que está a mudar as coisas também não tem tido grandes ajudas do governo passista. Passos aumentou todos os impostos, ainda não mostrou um plano de redução estrutural da despesa e não atacou de frente a burocracia estatal e judicial, a hidra que cerca as empresas.
Apesar desta dupla orfandade, uma grande parcela da sociedade portuguesa está a empilhar factos positivos que permitem pensar num futuro menos mau. Que factos são esses? Comecemos por algo que teria feito manchetes no tempo do socratismo e do "ó Luís, vê lá como é que fico!": entre Janeiro e Abril, o número das empresas que abriram portas foi mais do dobro do número das empresas que fecharam portas. Não se criavam tantas empresas em Portugal desde o fatídico ano de 2008. Ainda mais interessante: este ímpeto está centrado na agricultura/pecuária (49%) e indústria transformadora (27%), os sectores produtivos que podem retirar Portugal do vício dos serviços. Não por acaso, as nossas exportações, com maiores ou menores picos de crescimento, continuam a aguentar o barco. Para a China, por exemplo, subiram quase 100%.
O tal vício dos serviços estava relacionado com a ausência de poupança e com o recurso doentio ao crédito. Neste campo, a sociedade portuguesa também está a mudar. O endividamento das famílias baixou mais de 9 mil milhões desde 2011 e os números da poupança continuam a aumentar em prejuízo do consumo: os depósitos captados pelos bancos estão num patamar histórico há cerca de um ano (130 mil milhões); em 2012, venderam-se 95 mil carros ligeiros, menos 118 mil do que em 2008. Menos endividamento, menos consumo, mais poupança. Lamento, mas não podia haver melhor conjunto de notícias para o nosso futuro. Sem uma cultura afastada do consumismo alimentado pelo crédito e sem uma poupança interna que nos liberte minimamente da dependência dos mercados externos, voltaremos sempre ao terreno que originou a atual intervenção da troika. Portanto, é bom saber que o ciclo vicioso (endividamento, consumismo, poupança zero) está a morrer. É uma mudança dura (sei do que falo) e longa, mas é o único caminho que me parece válido, sobretudo se pensarmos numa coisa: que país queremos deixar aos nossos filhos?
Título e Texto: Henrique Raposo, Expresso, 06-06-2013

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