Henrique Raposo
A atmosfera mediática da
pátria nunca prestou atenção às causas da crise. Aliás, ainda não presta. Não é
de admirar, portanto, que a dita atmosfera despreze agora os sinais de
reconversão da sociedade portuguesa, até porque boa parte destes sinais
positivos ocorrem longe da mediática "Lesboa". Mas esta orfandade
mediática até seria suportável se não existisse uma orfandade política. O país
real que está a mudar as coisas também não tem tido grandes ajudas do governo
passista. Passos aumentou todos os impostos, ainda não mostrou um plano de
redução estrutural da despesa e não atacou de frente a burocracia estatal e
judicial, a hidra que cerca as empresas.
Apesar desta dupla orfandade,
uma grande parcela da sociedade portuguesa está a empilhar factos positivos que
permitem pensar num futuro menos mau. Que factos são esses? Comecemos por algo
que teria feito manchetes no tempo do socratismo e do "ó Luís, vê lá como
é que fico!": entre Janeiro e Abril, o número das empresas que abriram
portas foi mais do dobro do número das empresas que fecharam portas. Não se
criavam tantas empresas em Portugal desde o fatídico ano de 2008. Ainda mais
interessante: este ímpeto está centrado na agricultura/pecuária (49%) e
indústria transformadora (27%), os sectores produtivos que podem retirar
Portugal do vício dos serviços. Não por acaso, as nossas exportações, com
maiores ou menores picos de crescimento, continuam a aguentar o barco. Para a
China, por exemplo, subiram quase 100%.
O tal vício dos serviços
estava relacionado com a ausência de poupança e com o recurso doentio ao
crédito. Neste campo, a sociedade portuguesa também está a mudar. O endividamento
das famílias baixou mais de 9 mil milhões desde 2011 e os números da poupança
continuam a aumentar em prejuízo do consumo: os depósitos captados pelos bancos
estão num patamar histórico há cerca de um ano (130 mil milhões); em 2012,
venderam-se 95 mil carros ligeiros, menos 118 mil do que em 2008. Menos
endividamento, menos consumo, mais poupança. Lamento, mas não podia haver
melhor conjunto de notícias para o nosso futuro. Sem uma cultura afastada do consumismo alimentado pelo crédito e sem uma poupança interna que nos liberte minimamente da dependência dos mercados externos,
voltaremos sempre ao terreno que originou a atual intervenção da troika.
Portanto, é bom saber que o ciclo vicioso (endividamento, consumismo, poupança
zero) está a morrer. É uma mudança dura (sei do que falo) e longa,
mas é o único caminho que me parece válido, sobretudo se pensarmos numa coisa:
que país queremos deixar aos nossos filhos?
Título e Texto: Henrique Raposo, Expresso,
06-06-2013
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