Doutor José Nazar
Que grito é esse “das ruas”? O
que está por traz dele, o que desejam esses “jovens”?
Os especialistas não arriscam
a dar uma resposta. Eles acreditam que o tempo poderá explicar o motivo e a
razão desse movimento que, a meu ver, engatinha.
Sabe-se que o país encontra-se
mergulhado numa crise de valores morais, políticos e éticos. Há uma
insatisfação e uma desconfiança generalizadas. Elas se devem à uma perda da
legitimidade das instituições governantes.
Toda crise é sinal de
turbulência mas, também, de abertura. Pode levar ao pior mas, quando bem
conduzida e isso, tanto no plano pessoal quanto social, pode levar a melhoras
estruturais. Isso só ocorre quando os anseios de mudanças diagnosticados,
acolhidos, escutados e, quando possível, bem tratados. Há desejo de mudanças.
O diálogo é a verdadeira arte
de bem dizer o ato político. Ele cria as brechas necessárias para que se
insemine o assentimento à lei.
Mesmo que a mídia repita
incessantemente que os jovens brasileiros conseguiram arrastar consigo milhares
de famílias da classe média às ruas, unindo suas vozes numa reivindicação de
melhores serviços públicos, tais como: educação, saúde, segurança e
transportes, a pergunta insiste: que interpretação dar a esses movimentos?
Mas há um fator que chama a
atenção. Mesmo no auge do clamor das ruas, alguns homens públicos exacerbam uma
prática desavergonhada da corrupção. Há uma compulsão à transgressão que
tornou-se uma norma: “eu faço porque todos fazem”! E na medida em que,
historicamente, há a certeza da impunidade, esses políticos tomam a coisa
pública como um bem próprio. Trata-se de uma relação incestuosa, sem culpa, sem
lei, sem mediação paterna, uma atualização de questões patológicas da vida
privada, obscenamente atuada no público. Parece que esse mal está no sangue, e
tornou-se difícil de ser tratado e extirpado.
Os brasileiros não suportam
mais fingir que a corrupção não existe. Fatos evidenciam que essa praga, a
corrupção, tornou-se uma doença epidêmica, algo de difícil tratamento. É como
um câncer incurável, com metástases, invadindo os tecidos das instituições
nacionais, umas mais que outras.
O que está na base desse
distúrbio social, desse fenômeno que tem conseguido unir o povo, que se
constrói a partir de uma insatisfação generalizada? O que esses jovens desejam
em suas fortes movimentações?
É evidente que essas vozes que
tomaram as ruas não se dirigem apenas ao poder público. Os gritos são dirigidos
às autoridades mas, isso vai mais longe e as exigências convocam cada um dos
cidadãos, pais, professores, educadores, a um questionamento.
Por anda a lei, os pais, as
autenticidades dos atos? Onde está a legitimidade do ato de governar? Em nome
do quê está se governando?
Os jovens são sensíveis à
questão da legitimidade. Eles só aceitam limites quando estes partem de um
lugar reconhecido por seu compromisso com a verdade de uma dignidade daquele
que institui esses limites. Isso quer dizer que o discurso inconsciente,
vigorando nas entrelinhas do discurso enunciado, deixa transparecer o
verdadeiro e o falso. Todo jovem se apoia na verdade que recebeu dos adultos
para adentrar, com dignidade, ao mundo adulto.
O governo está infantilizando
o povo brasileiro, arrancando sua capacidade de fazer escolhas autênticas,
porque ele julga saber “o melhor para o povo”. Os jovens brasileiros estão numa
anorexia a um poder legítimo que abra caminhos dignos de seus desejos. Os que
ocupam o poder público esqueceram do vigor de suas próprias aspirações de
juventude.
O grito de cada jovem encontra
eco na voz que denuncia o desconforto com os atos desencontrados das
autoridades brasileiras, que dizem uma coisa e fazem outra!
A função que está sendo
profundamente interrogada nessas manifestações é a autoridade paterna. É desta
que advém o assentimento às leis que regem as relações humanas, de onde emergem
as condições de desejo. A educação é base que construiria valores mais
duradouros. É a estrada sólida para alguém trilhar seus sonhos e, no entanto,
encontra-se obstruída pela indiferença daqueles que dela deveriam zelar,
permitindo a construção de um futuro promissor.
O inconsciente da juventude
capta a não legitimidade daqueles que ocupam os lugares máximos da nação. Isso
quer dizer que não lhes passa despercebido o fato de que um governo só alcança
o reconhecimento verdadeiro do povo quando seu projeto visa ao bem desse povo,
e não ao poder pelo poder. Entenda-se, aqui, “o bem” como serviços básicos:
educação, saúde, transporte, emprego, segurança de qualidade.
Jovem manifeste-se, mas com
moderação!
Título e Texto: Dr. José Nazar, Psiquiatra e
psicanalista - Escola Lacaninana de Psicanálise/RJ e ES, 20-7-2013
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