O presidente da Venezuela,
Nicolás Maduro, anunciou que vai pedir "poderes especiais" para
combater a corrupção no país. Se quisesse mesmo atacar esse mal, no entanto,
bastaria a Maduro cumprir a legislação já existente, como comentou a seção venezuelana
da Transparência Internacional.
Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters
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Em cadeia de rádio e TV, bem
ao estilo de seu padrinho, o falecido caudilho Hugo Chávez, Maduro disse que a
corrupção é o único delito pelo qual "mandaria fuzilar" alguém. Se o
presidente fosse mesmo levar a ameaça ao pé da letra, faltaria paredão na Venezuela.
A corrupção é uma epidemia no
país. Chávez elegeu-se em 1998 com a promessa de acabar com ela. No entanto, em
seus 14 anos no poder, o chavismo não apenas não eliminou a corrupção, como a
"democratizou". Em vez de apenas uma pequena elite se beneficiar do
saque do Estado, numerosos funcionários e sócios do governo puderam ficar com
bons nacos do butim, recheado com o dinheiro do petróleo. A classe média foi
substituída por uma classe corrupta jocosamente chamada de
"boligarquia", isto é, os oligarcas que, por meios escusos, tiram do
bolivarianismo seu milionário sustento.
Os programas sociais com os
quais o chavismo construiu grande parte de sua rede de poder são um dos
principais focos de desvio de recursos. A Transparência recentemente denunciou
"grandes vazios de informação e dados confusos e contraditórios" na
prestação de contas do programa de construção de casas populares. Considerou
que essa iniciativa está eivada de "informações enganosas", que são
usadas na propaganda oficial.
Como as contas públicas não
são transparentes na Venezuela, jamais se saberá exatamente a extensão desse
assalto aos cofres públicos em curso no paraíso bolivariano, mas é possível ter
uma ideia do tamanho do problema ao se consultar o ranking da Transparência: o
país é visto como o mais corrupto da América Latina.
No mais recente Barômetro
Global de Corrupção, compilado pela Transparência, nada menos que 57% dos
venezuelanos consideram que o governo nada faz para combater o problema, e a
percepção é de que a corrupção é generalizada no país - dos entrevistados, 79%
disseram que funcionários públicos e autoridades são corruptos ou extremamente
corruptos.
Apesar de tudo isso, Maduro
fala como se a corrupção não fosse um problema principalmente de seu próprio
governo e intrínseco ao chavismo. Ao contrário: quer fazer crer, como de
hábito, que a corrupção é instrumento dos "inimigos do Estado". Daí
sua disposição retórica de "fuzilá-los" e sua advertência de que, se
não forem combatidos com vigor, os corruptos irão "tragar a pátria".
Nada é gratuito aqui. Maduro
investe numa atmosfera de ruptura para justificar a adoção de medidas de
exceção, cuja utilidade é calar os críticos de um governo cada vez mais
enredado na crise criada pelo brutal estatismo. Na Venezuela, de cada 100 produtos
considerados básicos, 20 estão em falta. Além dessa escassez, que obriga os
venezuelanos mais pobres a vagar diariamente de supermercado em supermercado em
busca de artigos básicos como papel higiênico e frango, os preços desses
produtos, que afetam os mais pobres, subiram mais de 60% em um ano.
É isso o que explica a
ascensão da oposição, a erosão da popularidade do governo e o consequente
endurecimento do regime. Não basta mais calar jornais e jornalistas críticos
nem controlar o Legislativo e o Judiciário. Diante da crise que carcome a
fantasia bolivariana, resta o recurso da ditadura de fato. Pois é disso que se
trata quando, em seu discurso, Maduro anunciou que pretende declarar estado de
"emergência nacional" e promover um "processo de reforma das
leis e de mudança institucional", a título de combater um problema que foi
criado pelo próprio regime que ele controla.
Título e Texto: Editorial, Estado de S. Paulo, 19-8-2013
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