segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O estilo de Sócrates e o ódio

Henrique Monteiro

É verdade que muita gente odeia particularmente José Sócrates (alguns dirão que eu me conto nesse número, o que não concordo, mas não sou juiz de mim próprio - algo que me distancia muito, justamente, de José Sócrates). De qualquer modo, o meu ponto é o seguinte: sendo verdade que muita gente odeia o ex-primeiro-ministro, não é menos verdade que muita gente odiou (ou odeia) Soares, Sá Carneiro, Cunhal, Eanes, Cavaco, Freitas do Amaral e outros líderes e ex-líderes do país. Ou seja, o ódio a Sócrates não é uma novidade na política.

Por que motivo se fala, então - e tanto - no ódio a Sócrates? Eu só tenho uma resposta (que pode estar errada): é que o anterior líder do PS gosta desse estilo, prefere-o e vive bem assim. Gosta de ser odiado e de mostrar que ele próprio odeia e despreza várias pessoas. Há um problema mal resolvido na sua relação com os outros (não sei se com todos os outros).

Basta ver a frase que escolheu para declarar que não quer regressar à política (cito): "Não sinto nenhuma inclinação por voltar a depender do favor popular".

Não vou dissecar a frase em todas as suas implicações, mas tem algo de aristocrático (no sentido de não democrático) digno de Luís XIV ou, em versão esquerda, de Lenine. De alguém que se sente demasiado importante para depender do imprevisível (e talvez ingrato, ignaro e inconstante) "favor popular". Quando uma pessoa que foi líder do maior partido de esquerda diz que é o "chefe democrático" que a direita sempre quis, temos alguém que não necessita de "favores populares", apenas que os outros deixem de ser "estúpidos" ("idiotas", "pistoleiros", "estupores", "bandalhos" - tudo palavras que ele próprio utilizou) e sigam e concordem com as suas doutas opiniões.
No fundo, a reação a Sócrates é, precisamente, a que ele pretende.
Título e Texto: Henrique Monteiro, Expresso, 27-10-2013

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