domingo, 10 de novembro de 2013

A certidão de nascimento do Brasil

Na carta que dirigiu ao rei D. Manuel I, Pêro Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, descreve, deslumbrado, um mundo novo.
Luís Almeida Martins

Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500, óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva, 1902
Querem saber como eram os primitivos habitantes do Brasil, no momento em que este território foi pela primeira vez visitado por europeus, em abril de 1500? Então leiam esta passagem da carta, escrita por Pêro Vaz de Caminha e datada de Porto Seguro, que Cabral fez questão que fosse enviada ao rei:

“Andavam entre eles quatro ou cinco mulheres novas que, assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela pintura preta, e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma.
Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos.

Mostraram-lhes um papagaio pardo que o capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela e não lhe queriam pôr a mão. Depois pegaram-lhe, mas como que espantados.

Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, pastéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada dele, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água numa bilha, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora.

Viu um deles umas contas de rosário brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do capitão, como se dessem ouro por aquilo.”

A carta de Pêro Vaz Caminha seguiu para Lisboa num dos navios da frota, que para esse efeito voltou para trás. Os restantes continuaram rumo à Índia, que era o destino da armada.
O Brasil não começaria a ser povoado antes de meados do século XVI e apenas viria a conquistar o primeiro plano entre as colónias portuguesas nos dois séculos seguintes. Entretanto, era tempo dos sonhos e “fumos” do Oriente.

No conjunto dos chamados Descobrimentos portugueses, a bela carta de Pêro Vaz de Caminha é, infelizmente, uma das raras descrições literárias de uma terra e dos seus habitantes feita por alguém que participo nessa “descoberta”.
Título e Texto (e Grifos): Luís Almeida Martins, in “365 Dias com histórias da História de Portugal”, páginas 160/162

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