terça-feira, 12 de novembro de 2013

Morreu o eduquês. Viva o sociolês!

Helena Matos
Milhões e milhões de euros depois, a que há que juntar os milhares de técnicos, funcionários, edifícios, infra-estruturas, estudos, teses, investigações, políticas, programas e reformas vêm dizer-nos que a culpa dos maus resultados escolares é do contexto socio-económico?

Mas não foi precisamente para que os jovens se libertassem dos constrangimentos do seu contexto socio-económico que o país investe há largos anos na educação o que tem e o que pede emprestado?

Não recordo maior insulto aos pobres, desempregados e famílias com fracas habilitações escolares do que o rol de justificações apresentadas anualmente pelos paladinos da "escola pública" para explicar o insucesso óbvio não dos alunos mas sim dessa escola que dizem defender apesar de raramente lá colocarem os seus filhos. A cada divulgação dos ‘rankings' constatamos que, após décadas de teorias pedagógicas de igualitarismo, a escola se tornou numa grotesca caixa-de-ressonância do contexto socio-económico dos alunos, com as vantagens e as desvantagens dos respectivos agregados familiares a serem amplificadas até à caricatura e servindo de explicação oficial e consensual para os resultados obtidos. Assim, recorrendo a um aterrador determinismo social, dá-se como adquirido que as escolas privadas conseguem bons resultados porque os seus alunos vêm de meios privilegiados enquanto as públicas recebem os filhos dos pobres e como tal estão condenadas ao insucesso.

Esta espécie de fatalismo social isenta todos os protagonistas de responsabilidades e sobretudo leva a que automaticamente se baixem as expectativas em relação aos alunos provenientes de meios menos favorecidos. E isso é mais do que meio caminho andado para o insucesso desses alunos pois como a maioria de nós tem uma inteligência mediana e a vida das famílias, como se percebe à evidência lendo os jornais das últimas semanas, tem momentos patetas e patéticos em todos os níveis sociais e culturais, aquilo que somos depende muito das expectativas e da exigência que a escola e a sociedade têm para connosco. Ora o que este "sociolês" do contexto veio instituir é que os filhos dos pobres e dos menos cultos estão condenados a ser maus alunos logo em nome da igualdade de oportunidades há que nivelar por baixo, exigir menos deles, tolerar-lhes o mau comportamento porque vivem no sítio A ou B, mantê-los acantonados nas escolas da aérea de residência e se possível evitar que os rankings sejam divulgados para que não se perceba a dimensão do desastre a que a desautorização dos professores e a pedagogia transformada numa secção dos activismos ideológicos conduziu o ensino.

Para cúmulo do embuste as corporações do ensino conseguiram apropriar-se do discurso sobre a escola apesar de há muito a terem deixado: há quantos anos não dão uma aula os líderes sindicais dos professores como Mário Nogueira ou não enfrentam uma turma de adolescentes reais, aqueles que trabalham na formação de professores? E sobretudo mantém-se o logro que identifica escolaridade obrigatória com o dever de frequência da escola pública que para maior ilusionismo ainda é apresentada como gratuita (só é gratuita para quem não paga impostos!)
Deixemo-nos de ‘sociolês': não é o dinheiro das famílias - essa eterna obsessão dos ditos defensores da escola pública - que distingue as escolas boas das más. (Já ouviram falar dos resultados escolares obtidos na Índia? Já reflectiram sobre as notas conseguidas pelos filhos dos imigrantes ucranianos em Portugal?) É sim a organização e sobretudo a vocação: nas escolas boas os alunos vão aprender com tudo o que isso implica de disciplina e trabalho, nas escolas más os alunos vão repetir anos e os trajectos das suas famílias sobretudo se estes forem marcados pela pobreza e pela exclusão.
Título e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 12-11-2013

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