sábado, 23 de novembro de 2013

Você é teísta ou ateu? Em qualquer um dos casos é a lei moral que importa...

Valdemar Habitzreuter
 
Nós, seres humanos, homens e mulheres, temos o privilégio da razão que nenhum outro ser vivo tem. Esta razão tem sua importância capital para orientar-nos e agirmos na vida com propriedade. Pela razão tomamos consciência de que está ínsita em nossa natureza uma lei que nos conclama para o bem. Chamamos a essa lei de lei moral. A lei moral é prerrogativa do ser humano. Os animais irracionais não têm moralidade. Diz o filósofo Kant, em 'A Religião nos Limites da pura Razão', que ela precede qualquer religião. A prática de uma religião é mera conseqüência da lei moral. Portanto, é a moral que leva à religião e não esta à moral. (Por exemplo, podemos considerar Cristo como alguém de moral perfeita, pois sempre agia de conformidade com o espírito da lei moral. A partir daí originou-se a religião cristã que tem como cerne a moralidade de Cristo. Quem a pratica, diz-se, é um seguidor de Cristo, porque pratica a moral de Cristo na medida em que reconhece, pela razão, o princípio que o impulsiona: agir dentro da lei moral que lhe é inata). É a razão, pois, que nos assegura a consciência da lei moral como guia de nossas ações.

A observância dessa lei, que nos convida para o bem, é um motivo em si mesmo para o correto agir consigo mesmo ou em relação com os outros. Não há um fim a atingir com a observância da lei, basta que a cumpramos: dever pelo dever. Se isso resulta em ser bom, é mera consequência do dever cumprido, ou seja, anuímos ao princípio da lei moral. No entanto, como temos o livre arbítrio, podemos transgredir a lei moral. Neste caso desprezamos o motivo em si da lei e introduzimos motivos outros de não conformidade com o seu princípio bom, e nos desviamos dela, somos amorais.

A intenção é preponderante na observância da lei moral. Por exemplo, posso relacionar-me com o próximo de duas maneiras:
1) amá-lo porque amo o espírito da lei em si que me leva a isso; e 2) posso 'amá-lo' aparentemente, sem prejudicá-lo, nos ditames da letra, talvez unicamente para evitar sanções punitivas ou por outro motivo qualquer.
No primeiro caso sou um homem moralmente bom; no segundo caso não posso me considerar um homem moralmente bom, pois a lei moral não admite um desvio de seu princípio de universalidade do bem para todos ou seja, o lema da reciprocidade: faça ou deseje, de todo o coração, ao outro aquilo que você gostaria que ele fizesse ou desejasse a você. Isto é orientar-se pelo espírito da lei e não pela letra da lei. Em outras palavras, amar a lei e não obrigar-se a ela. Obrigar-se a ela não torna o ser humano moralmente bom (Paulo: "O espírito da lei vivifica, a letra mata").

Daí se segue que no nosso agir cotidiano podemos adotar máximas, ou escolhas, que nos colocam dentro ou fora da lei moral. Estas podem ser boas ou más. Quando temos máximas boas fazemos boas ações dentro do espírito da lei, e quando as máximas são más, as ações também são más e transgredimos a lei. Por exemplo, estabeleço como máxima para mim que mentir em certas circunstâncias evita prejuízos a mim ou a outrem. Em rigor esta não é uma máxima de conformidade com a lei moral, pois a lei moral rege-se pelo princípio da universalidade do bem para todos. Neste caso, eu não posso universalizar a mentira como sendo benfazeja a todos os homens. Ninguém gostaria de ser ludibriado. A mentira, em qualquer hipótese, é uma máxima má. Por outro lado, a máxima, por exemplo, de não se apropriar da propriedade alheia pode ser universalizada, pois ninguém gostaria de ser privado de seus bens. É uma máxima boa que serve para todos e todos podem adotá-la. E se podem, devem fazê-lo segundo a lei moral.

É preciso considerar os três elementos constitutivos do ser humano na avaliação da moralidade. O ser humano se caracteriza pela animalidade, humanidade e personalidade. A par disso tomamos melhor consciência de nosso agir moral. Na animalidade, a razão não tem interferência no agir do homem, uma vez que age segundo a sensibilidade de sua natureza animal. Já na humanidade, a razão tem a sua participação, mas mesmo aí ela se apresenta um tanto fraca e obnubilada, com mistura de motivos sensíveis da animalidade e vislumbres racionais mesclados de ignorância, e, portanto, subjugados pela força da natureza animal. Mas é na personalidade que a razão se manifesta com toda transparência onde o homem é autônomo e autor na formação de seu caráter e tem consciência de seus atos quanto ao agir bem ou mal. Assim, a personalidade é o acento mais forte da moralidade humana. É aí que se concretizam as ações boas ou más, segundo seu livre arbítrio.

Embora o ser humano tenha a disposição natural para o bem, é também propenso para o mal. Muitas vezes, ele deseja fazer o bem, mas acaba fazendo o mal. É o que o apóstolo Paulo nos adverte em suas cartas aos primeiros cristãos. Neste caso devemos considerar a fragilidade da personalidade humana, pois age nela o aspecto sensível da animalidade que é regido pelas leis determinantes da natureza, enquanto a razão abstém-se de enquadrá-lo na medida da lei moral. Por exemplo: Ter fome faz parte da natureza animal do homem. Para não morrer de fome somos obrigados a saciá-la. É um processo natural e arracional. Mas, esta fome também pode ensejar a transgressão da lei moral quando ultrapassamos a necessidade de matar a fome e nos entregamos a glutonaria. Neste caso, a razão é deixada de lado e a consciência, que nos acusa do excesso, é sufocada. Desse modo infringimos a lei moral.

De tudo isso podemos concluir que tanto uma pessoa praticante de uma religião ou um ateu podem ser homens de bem quando se deixam direcionar pela lei moral que lhes é inerente como seres humanos. O crente obedecerá à lei moral com o objetivo de estar ligado, ou religado (religião) ao bem supremo (Deus), e o ateu simplesmente quer ser bom para consigo e para com os outros porque a lei moral lhe insufla que isso é um dever que pode ser querido, e, se com isso obtém paz e harmonia em sua vida, é mera conseqüência. A lei moral não contém em si uma finalidade, seja em vista de agradar a Deus ou em vista de alcançar a felicidade. Ela é em si um reino dos fins: o dever pelo dever, mas um dever não imposto como obrigação, mas um dever que é desejado e querido acima de qualquer resultado beneficiente para quem o pratica.

Teus pensamentos, intenções e ações, caro leitor, deixam-se guiar pela lei moral que perpassa teu ser?
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 23-11-2013

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