quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Reformados brasileiros revoltados após dez anos de perdas

Limite máximo das reformas do regime geral do setor privado está a gerar revolta.
Domingos Grilo Serrinha
Dez anos depois de o então presidente Lula da Silva, em dezembro de 2003, ter tomado uma série de medidas que dificultaram o acesso às reformas e reduziram o valor delas, reformados brasileiros ainda hoje não conseguem esconder a decepção e a revolta com a atuação de Lula, eleito um ano antes com a promessa de melhorar a vida dos mais desfavorecidos, entre eles os idosos.

Em conversas com reformados da iniciativa privada, os que têm benefícios menores, e da função pública, que auferem as maiores reformas, o Correio da Manhã constatou que, independentemente da situação de cada um, todos os que falaram com o nosso jornal têm uma raiva incontida contra Lula e estenderam essa revolta à sucessora dele, Dilma Rousseff, que manteve a mesma política desfavorável aos idosos.

Para os ex-funcionários públicos, a medida que mais os atingiu foi a Emenda Constitucional 41-2003, promulgada por Lula em 19 de Dezembro de 2003, que limitou o valor máximo das reformas do regime geral do setor privado (atualmente cerca de 1303 euros) o montante máximo que poderia ser auferido pelo funcionário público que se reformasse a partir dalí, e criou um novo imposto para os funcionários públicos já reformados que ganhavam mais do que isso, passando a ter que descontar 11% sobre o valor que ultrapassasse o referido limite máximo.

No caso dos reformados do chamado regime geral, os assalariados da iniciativa privada, Lula decepcionou, entre outras coisas, ao recusar anular uma lei polémica até hoje e criticada por ele quando era oposição, o chamado fator previdenciário. Criado em 1999 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o fator previdenciário mudou e dificultou os cálculos para se aceder à reforma. A partir dessa lei, homens e mulheres foram obrigados a trabalhar mais anos para acederem à reforma e esta, ao longo do tempo, perde valor pois, como Dilma tem feito desde que assumiu, em 2011, os benefícios dos reformados não recebem os mesmos reajustes anuais dos salários dos trabalhadores na ativa. Isso faz com que, quem se reformou com o equivalente a um determinado número de ordenados mínimos, e descontou a vida toda para isso, em muitos casos hoje recebe metade do que recebia quando deixou de trabalhar.

E pelo tal Fator Previdenciário, atualizado ano a ano de acordo com a esperança oficial de vida divulgada pelo IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, como aconteceu no passado dia 2 deste mês, a cada nova atualização as pessoas têm que trabalhar ainda mais tempo para se reformarem e o valor da reforma inicial também já vai diminuindo, porque o governo calcula que lhe vai ter que pagar por mais tempo.

Roubalheira indecente

"Isso é uma indecência, uma roubalheira. Eu tenho amigos que não reclamam, mas eu reclamo sim, porque estão a meter a mão no meu bolso e eu tenho que dizer que estamos a ser roubados. É um assalto, um confisco, e a Constituição brasileira não permite tipo algum de confisco."- Afirmou indignado ao "cm" o advogado e ex-auditor do fisco do Rio de Janeiro, Newton Faro Guimarães, leitor do nosso jornal no Brasil e que nos escreveu para expressar a sua revolta com a cobrança dos tais 11% sobre a sua reforma, depois de ter descontado para a segurança social desde 1945, quando começou a trabalhar:"A gente trabalha a vida inteira, paga todos os impostos e depois vem um indivíduo como o Lula e mete a mão no nosso bolso?"

O senhor Newton, que se reformou por um regime especial de segurança social do estado do Rio, faz parte do grupo dos que recebem reformas bem acima das da maioria dos outros reformados e até dos ordenados da maioria dos trabalhadores da ativa, mas avança que trabalhou desde criança, estudou, cresceu na profissão e por isso tem direito ao seu benefício integral, não tem que ser punido por ter tido sucesso na carreira. E diz que decidiu denunciar o que chama novamente a "roubalheira" de que ele e milhares de outras pessoas na sua situação estão a ser alvo porque, se, todos se calarem, independentemente de quanto cada um recebe, o governo "dos mensaleiros" (numa alusão a José Dirceu, José Genoíno e outros líderes do Partido dos Trabalhadores, de Dilma e Lula, presos em Nobembro por participação na mega-fraude conhecida como "Mensalão"), poderão tomar outras medidas que reduzam ainda mais os benefícios dos reformados.

O Governo é o inimigo
Na base da pirâmide dos reformados brasileiros, onde está a grande maioria dos reformados e onde o valor das reformas é bem inferior ao das dos funcionários públicos como senhor Newton, a insatisfação é a mesma, até mais acentuada, pois quem recebe reforma de um, dois ou três salários mínimos, ainda mais numa idade já avançada, tem que fazer verdadeiros malabarismos para sobreviver. E, para os que representam essa imensa maioria dos reformados do setor privado, o governo também é o grande algoz e a decepção com Dilma e Lula é igualmente patente."Para os reformados e pensionistas, todos os governos são inimigos.

O governo dito social-democrata do Fernando Henrique Cardoso massacrou os reformados e pensionistas, o governo dito dos trabalhadores, de Lula, também massacrou, e atualmente continuamos a ser massacrados. Nos últimos 11 anos, as reformas só foram reajustadas acima da inflacção uma vez, e apenas em 1%, salvo erro, no último ano do governo Lula, 2010, que era ano eleitoral." -Desabafa ao nosso jornal Daniel Osório, diretor da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas, denunciando: "Qualquer dificuldade que o país passe, o primeiro dinheiro que eles (os governos) tomam é o dos reformados e pensionistas, reduzindo benefícios para equilibrarem as contas, até porque nós não temos o poder de fazer greve, de parar nada para evitar."

Para Nelson Osório, o regime de segurança social brasileiro é extremamente injusto e ficou ainda mais depois das medidas governamentais da última década, década e meia. O trabalhador desconta ao longo da vida de acordo com o que ganha e para, ao reformar-se, ficar com um benefício similar, mas não é isso que acontece.

"Um trabalhador que ganhava, por exemplo, seis salários mínimos e descontava sobre isso, assim que se reforma já perde, pelo menos, meio salário, devido ao fator previdenciário e outras medidas. Depois, a cada ano, vai perdendo mais e mais."- Refere Nelson Osório, explicitando a fórmula, que fica ainda mais cruel à medida que a idade avança: "Enquanto existe uma política de valorização do salário mínimo, que é reajustado anualmente pelo índice de inflação mais a variação do PIB do país nos últimos dois anos, as reformas e pensões são reajustadas apenas pela inflação.

Então, a cada ano, as pessoas que recebem reformas acima de um salário mínimo (atualmente cerca de 226 euros) vão perdendo poder aquisitivo. "Por isso, acrescenta Nelson Osório, é cada vez maior o número de reformados brasileiros que voltam a trabalhar para complementar a renda, às vezes até no mesmo emprego que tinham deixado. E, numa outra situação de injustiça, voltam a fazer os descontos normais para a segurança social, sem que daí reverta para eles qualquer outro benefício quando voltarem a deixar de trabalhar, pois não podem ter uma nova reforma.

Alguns reformados em várias regiões do Brasil conseguiram na justiça que esse novo tempo de contribuição fosse contado e que o valor da reforma anterior fosse aumentado, mas os órgãos do governo recorreram dessas decisões, que aguardam julgamento no Supremo Tribunal Federal.

No Congresso, também tramitam leis que permitem exatamente que um reformado que volte a trabalhar tenha o novo tempo contado para efeitos de valor do benefício, mas a base parlamentar do governo de Dilma Rousseff não tem permitido que essas medidas avancem, alegando que os cofres públicos não suportariam mais esse gasto.

Conta não fecha
A conta da segurança social brasileira é uma daquelas que não fecham nunca, o valor do que os milhões de trabalhadores descontam todos os meses não chega nem perto do que o governo tem que desembolsar para pagar reformas e pensões. E isto levando em conta apenas o chamado regime geral, o dos reformados do setor privado pagos pelo governo central através do INSS, Instituto Nacional de Segurança Social, pois no Brasil não existe apenas um regime de segurança social e sim largas dezenas, tendo cada estado e cada município o seu, além de outros, particulares, todos com as suas regras próprias.

De acordo com os dados fornecidos ao "Correio da Manhã" pelo Ministério da Previdência (segurança social), no Brasil existem hoje 17,4 milhões de reformados e pensionistas do setor privado e 2,09 milhões de reformados da função pública federal, além de um número que talvez ninguém saiba ao certo de reformados e pensionistas pagos por municípios, estados e grandes autarquias. Tanto para os do setor privado quanto para os do setor público do regime geral, os que são pagos pelo INSS, o limite máximo da reforma são os já referidos 1303 euros, mas há excepções, pois 5302 ex-funcionários públicos, como ex-combatentes ou pessoas que foram beneficiadas por indemnizações ou outros benefícios que não poderiam ser alterados pelas novas regras e que são situações cada vez mais raras, ganham acima desse tecto.

Nesse número não estão incluídos os reformados dos estados, como o senhor Newton, que recebe pelo Rio de Janeiro, nem dos municípios, que auferem benefícios bem acima da média, pagos pelos cofres dos governos regionais ou locais. Mesmo assim, o ministério prevê para este ano de 2013 um assombroso défice de até 13,4 mil milhões de euros, situação que se repete ano após ano, mesmo com as medidas restritivas adoptadas por Lula e Dilma.
Título e Texto: Domingos Grilo Serrinha, Correspondente no Brasil - Correio da Manhã, 10-12-2013
Via José Manuel da Rocha

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2 comentários:

  1. Cão que fuma: também sou da iniciativa privada e fiz um trabalho comparativo entre o que os trabalhadores e seus empregadores pagam para a previdência e o que recebem de contribuição com os valores do setor público. E a conclusão a que cheguei é que para um salário de 20 SM contribuímos 2 vezes mais e recebemos um benéfico 3 vezes menos. Caso queira maiores detalhes vide link abaixo (em PDF textos e cálculos em Excel).

    http://aposentadosolteoverbo.org/2013/03/08/documento-dos-aposentados-do-inss-a-ser-entregue-ao-mpf/

    Artur Larangeira Filho - RJ - RJ (21) 2596-4732 ; (21) 9333-9266

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  2. Mudam-se os pés, mas os calos são os mesmos. É uma vergonha como os governos tratam seus aposentados e reformados.

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