terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Cláusula Democrática

Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quam diu etiam furor iste tuus nos eludet?
“Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura?” 
In Primeiro discurso contra Catilina (ORATIO IN L. CATILINAM PRIMA) de Marco Túlio Cícero (106 a.C. - 43 a.C.), cônsul de Roma, recitado no Templo de Júpiter em 8 de novembro de 63 a.C., local para onde tinha sido convocado o Senado de Roma.

Rivadávia Rosa
Os cínicos, demagogos, hipócritas, mentirosos e canalhas; populistas e assistencialistas; assim como os fanáticos nem sempre são contidos a tempo nas sociedades democráticas. A história registra à exaustão a ação dessas mentalidades sociopolítica patológica e criminosas.

O Brasil, no âmbito da proteção dos direitos humanos – é signatário de acordos e tratados internacionais, que obrigam as autoridades públicas a cumpri-los mesmo que não tenham sido ‘incorporados’ ao direito interno.

Porém, sob o manto hipócrita do "respeito à autodeterminação dos povos” auto justifica as relações carnais do (des)governo brasileiro com regimes autoritários/democidas, de viés comunista, como Cuba, Irã, Coréia do Norte que desrespeitam sistematicamente os direitos humanos.

É de se reiterar: na América Latina sob a “hegemonia” criminosa do Foro de São Paulo  - as normas que definem as liberdades públicas para viver em liberdade e democracia estão inscritas nas Constituições, porém os que estão destruindo o sistema democrático são justamente as autoridades públicas (ou da ‘vida pública’) que não as respeitam nem as fazem cumprir.

O fato é que a Carta Democrática Interamericanaaprovada na primeira sessão plenária, da Organização dos Estados Americanos – OEA - realizada em 11 de setembro de 2001 com o objetivo de preservar e manter a democracia nas Américas estabeleceu o que denomina de “cláusula democrática”.

Assim, a missão da OEA não se limita à defesa da democracia nos casos de rompimento de seus valores e princípios fundamentais, por isso instituiu corretamente mecanismo de ação coletiva para o caso em que ocorra uma interrupção abrupta ou irregular do processo político institucional democrático ou do legítimo exercício do poder por um governo democraticamente eleito em qualquer dos Estados membros da Organização.

Nesse sentido e objetivo figuram entre seus preceitos numa clareza insofismável e meridiana (Carta):

“Artigo 3
São elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, o acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao Estado de Direito, a celebração de eleições periódicas, livres, justas e baseadas no sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo, o regime pluralista de partidos e organizações políticas, e a separação e independência dos poderes públicos.

Artigo 4
São componentes fundamentais do exercício da democracia a transparência das atividades governamentais, a probidade, a responsabilidade dos governos na gestão pública, o respeito dos direitos sociais e a liberdade de expressão e de imprensa.
A subordinação constitucional de todas as instituições do Estado à autoridade civil legalmente constituída e o respeito ao Estado de Direito por todas as instituições e setores da sociedade são igualmente fundamentais para a democracia.
...
Artigo 7
A democracia é indispensável para o exercício efetivo das liberdades fundamentais e dos direitos humanos, em seu caráter universal, indivisível e interdependente, consagrados nas respectivas constituições dos Estados e nos instrumentos interamericanos e internacionais de direitos humanos.”

Assim, os elementos – democracia, respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais e Estado de Direito – por serem imperativos de ordem constitucional de todos os Estados civilizados - constituem requisitos e condições essenciais não só para a permanência na Organização (OEA), mas também no Mercado Comum do Sul - MERCOSUL (Protocolo de Ushuaia).

Nesse sentido, as cláusulas democráticas constituem e buscam impor limites aos Estados-membros, para assegurar a vontade popular e conter ataques e ações tresloucadas aos governos legitimamente eleitos, como golpes de estado ou movimentos que atentem contra o regime democrático, aos direitos humanos e ao Estado de Direito.

Até na União das Nações Sul Americanas/Unión de Naciones Suramericanas – UNASUL/UNASUR, constituída em 23 de maio de 2008, gestada e ‘refundada’ no âmbito do Foro de São Paulo, tipicamente como “OEA do B”, foi aprovada a ‘cláusula democrática’ em sua XX Cúpula Ibero-americana de Presidentes, realizada em Mar de Plata, Argentina – e prevê sua aplicação em benefício dos países da América do Sul nas hipóteses em que haja qualquer interrupção do rito constitucional do sistema democrático de governo.

Ainda, no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – essa exigência implica na ausência de golpes de Estado, a salvaguarda dos direitos humanos, a vigência do Estado de Direito, a pluralidade política, as eleições livres e secretas, a alternância no poder, a tolerância, a não discriminação, a justiça, a solidariedade...

O fato é que governantes com legitimidade de origem podem perdê-lo no exercício do poder, como foi o caso de Honduras e do Paraguai, justamente por afrontarem (descaradamente) a claúsula democrática.

Pero, afinal qual o objetivo e a eficácia da ‘cláusula democrática’ diante do quadro de violação das normas constitucionais dos países sob a órbita do Foro de São Paulo, sobretudo a República Bolivariana da Venezuela, da Bolívia, Equador, Nicarágua, com explícitos arreganhos no Brasil, cujos presidentes reiteradamente alegam que sofrem tentativas de golpe de Estado (‘contra revolução’, ‘oligarquia’, ‘direita internacional’, ‘fascismo’, mesmo eles próprios mantendo milícias com recurso públicos), enquanto eles golpeiam cotidianamente as instituições, os princípios e os valores democráticos?

A aplicabilidade da ‘cláusula’ depende obviamente, não só de considerações jurídica formal constante de instrumento normativo, mas também de considerações políticas e do princípio fundamental que prevalece nas relações internacionais, o denominado princípio da não-intervenção ou da soberania dos povos de decidir seu próprio destino. As cláusulas democráticas devem respeitar esse princípio, mas ao mesmo tempo a defesa da democracia como direito subjetivo dos povos.

A ameaça de alteração ou ruptura da ordem democrática e constitucional – se materializa não só quando se intenta um ‘golpe de Estado’, mas também quando qualquer dos poderes públicos, sob o regime democrático, altera a institucionalidade de um dos poderes, violando diretamente à lei ou a própria Constituição.

Os golpes à Constituição por parte de poderes e autoridades públicas tem-se reconfigurado cotidianamente e seria motivo de aplicação, não só da cláusula democrática constante da Carta Democrática Interamericana (Art. 19), mas também é de se pensar na aprovação de uma futura cláusula que normatize o sistema jurídico dos países das Américas, em que a cláusula democrática seja aplicada como uma sanção aos governantes de Estados quando se comprovar que aqueles regimes que tem legitimidade de origem são inconsequentes com sua legitimidade de exercício, e que deixem de respeitar a Constituição que ‘juram cumprir e defender’, que no exercício de seus poderes, traem a soberania popular fraudando os resultados das urnas.

Por último, a cláusula democrática para a (s) Américas deveria instituir o princípio da vigilância dos Estados frente às inconsequências de não se respeitar o sistema jurídico em sua totalidade, sem que constitua intromissão ao princípio da não-intervenção. O sistema de liberdade e de direitos humanos implica numa revisão desse conceito, sobretudo com relação aos que se utilizam do próprio sistema democrático para degradar a democracia.

Não se pode, em pleno século XXI admitir que o chefe do executivo anule os demais poderes e a sociedade, aniquilando a cidadania e a democracia.
Uma excelente semana.
Título e Texto: Rivadávia Rosa, 25-02-2014

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