A filha do presidente José
Eduardo dos Santos, a bilionária Isabel dos Santos, é a maior beneficiária da
comercialização de diamantes em Angola.
Em Angola, o esquema é básico,
no estrangeiro, é sofisticado.
Recentemente, a revista Forbes publicou um artigo de investigação do
autor, no qual é desvendada a parceria estabelecida entre Isabel dos Santos,
por via do seu marido, Sindika Dokolo, e o Estado angolano para a aquisição da
joalharia suíça De Grisogono. Esta marca é conhecida por adornar grandes
estrelas mundiais do cinema e da moda, como Sharon Stone e Heidi Klum.
Maka Angola expande e contextualiza agora a referida investigação
A 27 de Fevereiro de 2012, uma
empresa registada em Malta, Victoria Limited, adquiriu 72,5 por cento da De
Grisogono Holding S.A.. Em pouco tempo, a participação elevou-se a 75 por
cento. Em comunicado de imprensa emitido na altura da venda das acções, a De
Grisogono, na voz de Fawaz Gruosi, anunciou que a transacção foi superior a US
$100 milhões.
No mesmo dia, a Victoria
Holding Limited adquiriu 17,2 por cento da De Grisogono Holding S.A., tendo
cedido em troca 20,87 por cento da sua subsidiária Victoria Limited ao então
fundador, sócio majoritário e gestor da De Grisogono, Fawaz Gruosi.
Como parte da transacção, no
mesmo dia, a Victoria Holding comprou a dívida no valor de CHF63 milhões
(francos suíços) que a De Grisogono Holding S.A. detinha junto dos bancos
suíços UBS, Banque Cantonale Vaudoise e Banque Cantonale de Genebra. Mais 2,5
por cento da De Grisogono passaram para a titularidade da Victoria Holding.
Em 2010, Sindika Dokolo,
marido de Isabel dos Santos, criou a Victoria Holding Limited através de uma
empresa sua registada na Holanda – a Melbourne Investments B.V. – em parceria
com a empresa estatal angolana Sodiam (Sociedade de Comercialização de
Diamantes de Angola).
Segundo documentos a que Maka
Angola teve acesso, a Melbourne Investments B.V. não tem qualquer
funcionário e, por isso, não paga nenhum salário nem efectua descontos para a
segurança social.
Essa empresa-fantasma,
anteriormente designada Exem Mining B.V., é detida, por sua vez, em 100 por
cento, pela Exem Holdings A.G., estabelecida no Cantão de Zug, na Suíça.
Recentemente, ao realizar uma nova aquisição internacional de vulto, Isabel dos
Santos assumiu-se como verdadeira beneficiária da Exem Holding nos documentos
que apresentou para apuramento do seu património. A Exem Holding também
controla 50 por cento da Esperaza Holding, cabendo à Sonangol a outra metade. A
Esperaza Holding detém 45 por cento da Amorim Energia B.V., principal
accionista da empresa petrolífera portuguesa Galp.
Por sua vez, a Sodiam funciona
como central de compra e venda de diamantes, tendo sido criada pelo governo
para desempenhar o papel de canal único de comercialização de diamantes. Já na
Ascorp, a entidade criada pelo governo para “compra directa de diamantes do
mercado informal”, Isabel dos Santos detinha 24,5 por cento do capital social.
Em 2004, com o avolumar das campanhas internacionais contra os diamantes de
sangue, bem como com a divulgação da má reputação da Ascorp, denunciada
enquanto esquema de pilhagem, a filha do presidente decidiu transferir a
totalidade das suas acções para o nome de sua mãe, Tatiana Kukanova, agora
Tatiana Ragan.
O presidente do conselho de
administração da De Grisogono, Mário Filipe Moreira Leite da Silva, disse à Forbes,
por correio electrónico, que a operação de compra da joalheira pela Victoria
Holding “não envolveu fundos públicos ou recursos, nomeadamente do Estado
angolano ou de empresas estatais, quer directa ou indirectamente”.
Numa entrevista concedida ao Le Matin, da Suiça, o já mencionado Fawaz Gruosi
reconheceu o investimento angolano. “É uma oportunidade formidável para a De
Grisogono porque nos garante um acesso privilegiado a pedras preciosas da mais
alta qualidade que nos permitem uma forma de integração que poucas marcas podem
alcançar”, disse.
À revista de economia suiça Bilan, de 2 de Abril de 2012, Fawaz Gruosi citou a
Endiama, a empresa-mãe da Sodiam, “controlada pelo Estado angolano, que explora
as minas de diamantes” como um dos investidores, através da Victoria Holding.
Referia-se, sem mencionar o
nome, à Sodiam, uma vez que se trata da única empresa que tem os diamantes como
objecto de negócio e fonte de rendimento. A Sodiam beneficia do direito
exclusivo de comercialização para o exterior do país de todos os diamantes
produzidos em Angola: logo, detém o monopólio de um negócio anual avaliado em
mais de US $1 bilião.
A resposta do português Mário
Silva, o principal gestor da fortuna de Isabel dos Santos, não faz sentido. A
Victória Holding tem uma participação do Estado angolano no valor de 50 por
cento. Como poderia então ter fechado negócio sem engajar Angola, quando o
Estado angolano é o sócio paritário?
A Reacção de Sindika Dokolo
Reagindo, a 3 de Dezembro
passado, ao anúncio do autor de que estava a investigar a participação de
Sindika Dokolo como testa-de-ferro na aquisição da De Grisogono, este afirmou
ao diário português Jornal de Negócios o seguinte:
“Em relação ao investimento
mencionado e tendo em conta que Angola tem um enorme potencial de matérias
preciosas, diamantes, ouro, etc., faz todo o sentido do ponto de vista
estratégico querer estender a sua presença desde a fase de exploração até ao
mercado internacional do luxo, procedendo-se desta forma a uma integração
vertical de toda a cadeia de valor.”
Mário Silva não deve,
portanto, ter lido as declarações do vendedor das acções, Fawaz Gruosi, e de
Sindika Dokolo, que confirmam a canalização de diamantes angolanos em todo o
negócio. Na realidade, o gestor de Isabel dos Santos assinou documentos, em
posse de Maka Angola, que confirmam o envolvimento da Sodiam no
negócio. Mário Silva optou apenas pela mentira.
Sindika Dokolo explicou também
o seguinte:
“Já não há sectores de actividade onde os africanos não possam competir em igualdade ao nível global. Aliás, permita-me recordar que a Cartier pertence a um sul-africano. Não vejo portanto o que choca quando investidores angolanos seguem a mesma estratégia de sucesso.”
“Já não há sectores de actividade onde os africanos não possam competir em igualdade ao nível global. Aliás, permita-me recordar que a Cartier pertence a um sul-africano. Não vejo portanto o que choca quando investidores angolanos seguem a mesma estratégia de sucesso.”
Os registos de constituição da
Victoria Holding e da Victoria Limited indicam apenas a nacionalidade
dinamarquesa de Sindika Dokolo. O genro do presidente José Eduardo dos Santos
não tem utilizado as suas nacionalidades congolesa e angolana para promover a
afirmação dos investidores africanos no Ocidente. Fá-lo apenas como europeu.
Por outro lado, a preocupação
maior do africano não deve ser a sua afirmação no mundo desenvolvido, mas,
sobretudo, o respeito ao próximo.
Não consta que Sindika Dokolo
ou algum membro da família Dos Santos alguma vez tenha manifestado preocupação
pública com a violação sistemática e atroz dos direitos humanos nas Lundas,
decorrentes da exploração dos diamantes e directamente relacionadas com esta
actividade. Pelo contrário, a família directa e indirecta de José Eduardo dos
Santos é a principal beneficiária dessa situação.
Para além da violência
perpetrada contra as comunidades locais, a extrema miséria e a exclusão social
mantêm a maioria das populações dessa região em condições de vida sub-humanas.
Aliás, o regedor
Capenda-Camulemba disse recentemente em Lisboa: “Fico muito envergonhado quando
ouço falar das Lundas… Temos esta riqueza toda, mas ficamos só com os buracos.”
Durante a campanha eleitoral,
em Setembro de 2012, o presidente José Eduardo dos Santos afirmou que as
receitas do maior projecto diamantífero em Angola, que produz 70 por cento dos
diamantes do país, não serve sequer para construir certos troços de estrada na
região.
”O
dinheiro que o governo arrecada de Catoca por ano não
chega sequer para pagar as estradas que estamos a fazer agora”, disse Dos Santos.
Falta de Transparência
A comprovada parceria entre
Isabel dos Santos, Sindika Dokolo e a Sodiam configura um acto grosseiro de
conflito de interesses, de corrupção e de nepotismo por parte do presidente da
República.
O presidente da República é
quem nomeia e exonera o conselho de administração da Sodiam, assim como o seu
presidente, e de acordo com a sua conveniência. Outrossim, a empresa apenas
pode realizar investimentos e parcerias de acordo com as políticas e
estratégias definidas pelo chefe do Executivo, ou seja, José Eduardo dos
Santos.
A Sodiam, enquanto empresa
estatal, deve publicar anualmente o seu relatório de contas, à semelhança da
Sonangol, mas a verdade é que nunca o fez. O mesmo se passa com a Endiama, a
concessionária nacional de diamantes, que detém 99 por cento da Sodiam.
Sindika Dokolo afirmou ainda
que este “modelo angolano daqui a 20 anos será celebrado de forma unânime”.
Após ter suplantado o modelo
de Mobutu enquanto tirania mais corrupta e venal de África, o modelo de José
Eduardo dos Santos eventualmente reunirá consenso como o mais avançado e
desenvolvido dessa mesma liga.
Título, Imagem e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola, 20-02-2014
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