segunda-feira, 31 de março de 2014

A lei das compensações

Ralph Waldo Emerson

“Todo ato se paga a si mesmo, ou, em outras palavras, se integra de maneira dupla – primeiro na coisa, ou na natureza real; segundo, na circunstância, ou na natureza aparente. Os homens chamam a circunstância de retribuição. A retribuição causal é a coisa e é vista pela alma. A retribuição na circunstância é vista pela compreensão; é inseparável da coisa, mas amiúde permanece difusa durante largo espaço de tempo, de modo que não se torna distinta senão muitos anos depois. As marcas específicas podem acontecer bem depois da transgressão, mas acontecerão com certeza, pois acompanham a transgressão. Crime e castigo se originam no mesmo tronco. O castigo é um fruto que sem ser suspeitado matura dentro da flor do prazer que o oculta. Causa e efeito, meios e fins, semente e fruto, não podem ser separados; pois o efeito floresce na causa, o fim preexiste nos meios, o fruto na semente.”

“Os homens sofrem ao longo de toda sua vida por causa da superstição tola de que podem ser ludibriados. Mas é impossível a um homem ser ludibriado por alguém que não seja ele próprio, assim como é impossível uma coisa ser e não ser ao mesmo tempo. Existe em todas as nossas transações um terceiro elemento comanditário. A natureza e alma das coisas incumbem-se da garantia do cumprimento de todos os contratos, de maneira que um trabalho honesto não pode ser desperdiçado. Se você servir a um ingrato, trabalhe com redobrado afinco. Faça de Deus um seu devedor. Todas as atitudes serão recompensadas. Quanto mais tardar a paga, tanto melhor para você, pois a taxa habitual desse erário são os juros dos juros.”

“As mudanças que a curtos espaços interrompem a prosperidade dos homens são advertências de uma natureza cuja lei é o crescimento. Sempre é a lei da natureza crescer, e toda alma através dessa necessidade intrínseca abandona todo seu sistema de coisas, seus amigos, e lar, e leis, e fé, da mesma forma pela qual o molusco abandona sua casca, linda porém pedrosa, porque esta já não lhe permite crescer, e se entrega a formar lentamente uma moradia... 

As compensações da calamidade tornam-se, porém, compreensíveis a longo prazo. Uma febre, um aleijão, uma perda de bens materiais ou de amigos, parece de pronto um prejuízo sem ressarcimento e sem condições de ser ressarcido. Mas os anos seguintes revelam a grande força curativa subjacente a todos os fatos. A morte de um amigo querido, da esposa, do irmão, amante; que não parecia ser senão uma privação, assume em algum tempo futuro o aspecto de um guia ou gênio; pois ela de hábito promove revoluções em nosso modo de viver, encerra uma época de infância ou juventude que estava à espera de ser terminada. Liquida uma ocupação habitual ou um lar, ou um estilo de vida, e permite a formação de outros mais propícios à formação do caráter. Permite ou refreia a formação de novos conhecimentos, o recebimento de novas influências que se mostram da maior importância nos anos subsequentes; e o homem ou mulher que teria permanecido um jardim ensolarado, sem espaço suficiente para suas raízes e com sol demasiado sobre sua cabeça, através do desmoronamento dos muros e do descaso do jardineiro, converte-se no baniano a floresta, capaz de dar sombra e frutos e amplas vizinhanças humanas.” 

“O medo é um instrutor da grande sagacidade... Ele ensina sempre uma coisa: onde aparece, existe a podridão. Ele é uma ave de rapina e embora você não veja com clareza aquilo que ele ronda, a morte estará sempre por perto. Nossa propriedade é tímida, nossas leis são tímidas, nossas classes cultas são tímidas. Durante muito tempo o medo pressagiou, comprometeu e dizimou nosso governo e propriedade. Essa ave obscena não existe em vão. Ela é sinal de grandes erros a corrigir-se”.

“Todo excesso causa uma imperfeição. Toda imperfeição um excesso. Todo doce tem seu azedo; todo mal seu bem. Toda faculdade que seja um receptor de prazer recebe uma penalidade equivalente por seus abusos. Ela responde por sua moderação com a vida. Para cada grão de sabedoria há um grão de loucura. Para cada coisa que perde você ganha algo em troca; para cada coisa que ganha, você perde outra em troca. Se a riqueza aumenta, aumentam os que dela fazem uso. Se o colecionador junta demais, a natureza retira do homem aquilo que ela lhe coloca na arca; ela aumenta a propriedade mas mata o proprietário. A natureza detesta os monopólios e exceções. As ondas do mar não se apressam mais em nivelar seus movimentos mais violentos do que a variedade das condições tende a se uniformizar. Há sempre uma circunstância niveladora que coloca os depósitos, os fortes, os ricos, os afortunados, substancialmente num mesmo plano com todas as demais pessoas.”

“Cuidado quando o grande Deus solta um pensador neste planeta. Todas as coisas então correm riscos. É como quando uma conflagração irrompe numa grande cidade e ninguém sabe o que é seguro nem quando terminará o conflito. Não há ciência cujas leis não possam ser modificadas da noite para o dia; não há uma reputação literária, nem quaisquer dos assim chamados imortais, que não possam ser revidados e condenados. A própria esperança do homem, as maneiras e a moral da humanidade, ficam à mercê de uma nova generalização”.
Trechos do livro “A lei das compensações”, de Ralph W. Emerson, poeta e escritor norte-americano, 25-05-1803 – 27-04-1882.

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