quarta-feira, 19 de março de 2014

Ilações geopolíticas da situação na Eurásia

Francisco Vianna
Existe em geopolítica aquilo que os entendidos chamam de “áreas de influência” que os países fortes tentam justificar como áreas onde podem ser criadas condições consideradas ameaçadoras à sua segurança nacional.

A falta de qualquer impedimento significativo à invasão russa da Geórgia em 2008 e a consequente anexação de duas províncias desse país ao território russo, a Abkasia e a Ossétia do Sul, e agora a invasão militar e anexação política da península da Criméia tomada da Ucrânia pela Rússia de Putim, representa um desafio enorme ao Ocidente, tanto quanto a expansão do novo império russo, como também pela fraqueza demonstrada pelos EUA em fazer o mesmo dentro da sua própria “área de influência”, principalmente no continente americano.

Teatro de operações da invasão russa da Geórgia em 2008 e anexação de duas províncias georgianas ao território russo, um dos maiores do mundo.

Diriam os críticos brasileiros que “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”... 
Mas eu digo que os EUA, depois de consolidado o território que têm hoje em dia, graças a Deus e por sorte do resto do mundo, nunca tiveram a intenção ou vontade política de conquistar e anexar qualquer outro país ao seu já extenso território, mesmo dentro de sua assim chamada “esfera de influência”. Muito pelo contrário, países que foram ajudados ativamente pelos americanos a se libertar das garras do socialismo nazista, fascista, soviético, e etc., foram tremendamente fortalecidos por planos de recuperação econômica, como o Plano Marshall, que tornaram esses países destroçados pela guerra a retornarem à mesa dos países ricos e aliados, mas não anexados, ou seja, que mantêm hoje incólumes a sua soberania nacional.

Não se pode dizer isso da Rússia, que tenta, decaradadamente, reconstruir o antigo império soviético existente antes da queda do muro de Berlim. Moscou não se satisfez em simplesmente mudar, na Ucrânia e na Geórgia, regimes semidemocráticos, nacionalistas o suficiente para não se deixarem conduzir pelas decisões do Kremlin. Foi mais adiante e invadiu com suas tropas e começou a anexar territórios de seus infaustos vizinhos ao seu próprio.

Caso se limitasse a apenas fomentar a mudança de regime nesses vizinhos, a ação russa, mesmo que condenável e imperialista, não seria tão indefensável quanto a invasão armada e anexação pura e simples de territórios, ignorando a soberania nacional de seus vizinhos sob o argumento de que a maioria da população, de origem russa, assim o desejava.

Isso tem o poder de abrir um precedente internacional altamente preocupante, qual seja agora a possibilidade, com base na mesma doutrina de “áreas de influência” das superpotências, intervir nos países que compõem essa “área” e que não precisam ser seus vizinhos diretos, mas que tenham governos hostis a elas. 

Mesmo que seja moralmente inaceitável e geopoliticamente talvez uma necessidade, o desrespeito direto pela soberania nacional por parte das superpotências, à guisa do que está a fazer a Rússia com seus vizinhos, abre precedente que não só justificará novas invasões e anexações por parte de Moscou em direção aos países eslavos, aos países bálticos, à Hungria, a Polônia, além de outros, nessa tentativa até agora permitida pelo Ocidente de remontagem do antigo Império Soviético, mesmo que não volte a ser soviético.
Por outro lado, isso também poderá ensejar os EUA, por exemplo, a invadir militarmente Cuba, Venezuela, Equador, Brasil, Argentina e outros países de sua “área de influência” que têm governos amplamente hostis a Washington, mesmo que a intenção seja apenas de remoção dos respectivos regimes e o subsequente estímulo ao fortalecimento da democracia e do capitalismo privado nesses países.

Para a nossa sorte, não tem sido do feitio norte-americano anexar e colonizar países que podem facilmente conquistar militarmente, mesmo que sua população possa eventualmente desejar isso, como o Canadá, o México, a maioria dos países da América Central e alguns da América do Sul. E ninguém poderia dizer nada, da mesma forma como, praticamente, não estão a dizer nada para condenar a ação russa na Eurásia. Daí, por outro exemplo, para a China retomar Taiwan é um pulinho à toa, assim como anexar toda a Península Coreana.

A fraqueza norte-americana de fazer valer os seus interesses regionais já vem se manifestando desde o fim da era Reagan e durante o fiasco que foi o governo Bush. A última “intervenção” significativa foi no Chile, com a derrubada do comunista Allende e o Chile se beneficiou tanto disso que hoje é o país mais adiantado da América do Sul, mesmo tendo algumas administrações da social-democrata Michele Bachelet, uma médica pediatra.

A pergunta que vem à mente de qualquer observador atento ao cenário mundial, neste planeta “globalizado”, é: “Será que os norteamericanos terão a força, a determinação, a decisão de Putin para, mesmo sem anexar, pelo menos destituir os regimes socialistas que estão sendo implantados dentro de sua ‘área de influência’ e arrasando as economias de seus países, como a Venezuela, a Argentina e o Brasil, por mais que um contingente expressivo das suas populações assim o deseje”?
Título e Texto: Francisco Vianna, 19-03-2014

Um comentário:

  1. Impressionante a covardia da Direita perante a Esquerda. Sempre foi assim, tenho que convir!
    Imagine se fosse o Bush a acabar com a zona na Venezuela. Eu disse, acabar com a ZONA, não disse OCUPAR e ANEXAR.
    Os desocupados, os militantes profissionais e os pendurados nas tetas do estado social europeu, estariam nas frentes das representações diplomáticas norte-americanas gritando um ror de bobagens e insultos!!
    Ou não?

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