quinta-feira, 17 de abril de 2014

O fanatismo dos “anti-fanáticos”

José Manuel Fernandes
Francisco Assis não é conhecido por ser um político radical. Pelo contrário. Que lhe deu então para, na sua coluna semanal, insultar Pedro Lomba – “pequeno apparatchik ligeiramente alfabetizado” – e Bruno Maçães – um aparente “pateta” que escreve “num inglês próprio de quem nunca leu Shakespeare”?

O texto, ao contrário do que é habitual em Assis, não argumenta, vai apenas de bordão em bordão, atirando com Hayek para um lado, Pinochet para o outro, num amontoado de lugares comuns sobre o “governo dogmático” com “uma mentalidade escassamente democrática”. É, porventura, um texto eleitoral: Assis necessita de aumentar o tom de voz para que, no PS, não desconfiem dos seus galões. Mas não deixa por isso de se um texto revelador.

Quando chama a Lomba e Maçães “dois pequenos génios condenados à incompreensão”, Assis revela ao que vem, pois a palavra-chave da frase é “pequenos”. “Pequenos” porque novos, porque jovens, porque exteriores ao círculo autorizado dos políticos experientes e sensatos.

É curioso que Assis, um político que ocupou o seu primeiro cargo público aos 25 anos (presidente da Câmara de Amarante) se junte ao coro dos que procuram desqualificar os mais novos apenas por serem mais novos – ou “pequenos”, na sua linguagem alegórica. É curioso mas vai bem com os espírito do tempo. Depois de o 25 de Abril ter proporcionado uma ruptura geracional que permitir que gente com menos de trinta anos chegasse a secretário de Estado e a ministro (para não falar dos que chegaram a directores de jornais ou a presidentes de empresa), agora, que supostamente temos à nossa disposição “a geração mais bem preparada de sempre”, um exército de “senadores” passa a vida a desqualificar os que, mais novos, começam a mostrar o seu valor e, como é natural e saudável, o seu atrevimento. Resmas de ex-políticos que no passado tiveram a oportunidade de levar o país por outro caminho sentam-se hoje nos aerópagos que lhes são generosamente oferecidos para perorarem sobre a corrente “ausência de estadistas”, um discurso que, se tivessem um mínimo de pudor, deveriam evitar.

Mas há ainda outro preconceito no ataque a Lomba e a Maçães: o de que a inteligência e a sensibilidade são qualidades exclusivas de quem é de esquerda. Só muito excecpcionalmente e com muito ranger de dentes alguém de esquerda aceita que, sobretudo na área das ciências sociais, há valor em quem tem ideias de direita e, ainda por cima, não anda por aí a bater com a mão no peito a dizer que tem “sensibilidade social”. É por isso significativo que Assis não tenha tido qualquer cuidado em averiguar o seus percursos intelectuais e académicos antes de tratar de os achincalhar – um achincalhamento que podia ser apenas político mas a que deu um cunho pessoal.

Esta forma de discutir – se se pode chamar a isto discutir – tem no fundo outro objectivo: impedir a discussão que realmente interessa. E essa é sobre se o 25 de Abril é um património exclusivo da esquerda – e em especial da extrema-esquerda – ou se é património de todos os que defendem a liberdade. Assim acha (porventura reduzindo o seu conhecimento do que disse Pedro Lomba à tresleitura de Pacheco Pereira), que


Mas o que é que este dizia na entrevista? Algo diferente:


Esperava-se que fosse natural, para alguém como Assis, olhar o 25 de Abril essencialmente como um momento de restauração da liberdade, liberdade essa que permitissse ao povo português escolher livremente o seu futuro, não como uma revolução de rumo ideológico pré-definido, como alguns dos seus intérpretes, em 1974/75 como ainda hoje em dia, pretendem. Afinal foi essa a luta do PS em 1975.

Mas não. Por razões que acredito puramente conjunturais, Assis entende associar o 25 de Abril à defesa de uma economia competitiva e aberta parece ser um anátema. Nisso ele não destoa do resto da esquerda, dessa esquerda que acha que tem uma espécie de direito suserano sobre a nossa democracia, pois, como escreveu a Helena,

Porque aquilo que realmente incomodou Assis na entrecista de Lomba foi a sua frontalidade, a que lhe conhecíamos como cronista. Essa frontalidade levou-o a dizer coisas proibidas. Como estas:


O que Assis não quer mesmo é que esse “sinistrismo” seja questionado e discutido. Mas essa é precisamente a discussão que vale a pena ter.
Título e Texto: José Manuel Fernandes, Blasfémias, 17-04-2014

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