quarta-feira, 23 de abril de 2014

Razão Humana

Estamos à mercê de acontecimentos que não estão em nossas mãos. Mas, dentro desta fatalidade que nos é imposta, o homem, pela sua decisão, quer tentar, por sua parte, viver racionalmente, quer, mediante a razão, experimentar autonomia e sentido.”
Karl Jaspers

Antônio Xavier Teles
Que é a razão?
A razão consiste numa exigência sui generis de explicação. É aquela exigência de fundo consciente ou inconsciente que procura reduzir as coisas dispersas a uma ordem, a uma forma qualquer de ordenação intelegível. A razão quebra a cadeia dos fatos singulares e individuais para estabelecer uma relação entre eles, uma unidade que dinamiza e cria um todo onde antes só havia partes. Por isso, o fato isolado, irredutível a outras ligações, se mostra absurdo.

Função da razão
A função da razão é explicativa. Sua finalidade última é a busca de uma explicação verdadeira. A razão não é uma exigência qualquer de explicação, que, uma vez obtida, torna-se satisfeita e estática. Sua meta é a verdade, isto é, a essência última da coisa. Daí esta sua insatisfação que nunca a deixa definitivamente contente com os resultados, porque a verdade (última) não é presa fácil. Aquilo que as coisas são realmente está muito distante daquilo que parece ser para nós.

O que melhor caracteriza a razão é precisamente esta instabilidade crítica que a impele à análise bem como à busca de conhecimento.

É por isso que o homem, ser racional, nunca deixa de pensar. Procura sempre conhecer, deseja ouvir e observar, experimenta para poder melhor descobrir a trama das coisas. A razão apresenta-se como uma tendência para a unidade, porque somente numa visão mais ampla as partes se tornam mais compreensíveis.

Os progressos da razão
A razão como força explicativa, que procura reduzir o acontecer caótico e os fenômenos dispersos a uma unidade cada vez mais perfeita, sofreu uma evolução.

Primeiramente, para obter uma ordem qualquer dentro de um mundo misterioso e aterrador, o homem primitivo criou uma explicação mítica do mesmo. Introduziu divindades e forças ocultas no mundo e passou a adorá-las. Foi o estado teológico ou mítico da razão.

Esta, porém, continuou a progredir, chegando à fase seguinte. Nesta fase, impelida pela crítica e pelo fato de estar sempre disposta a criar, de nunca repousar sobre seus louros, procurou princípios gerais como fonte explicativa dos fatos. Apelou para ideias gerais, como por exemplo: geração espontânea, atração, tendência ao repouso etc. Com princípios desta natureza, era possível explicar os fatos, sem recorrer às forças divinas ocultas. A esta fase Augusto Comte chamava de “metafísica”. Empregou prioncípios gerais, mesmo arbitrariamente, para explicar as coisas. É já um passo à frente da racionalidade.

O terceiro e último estado da racionalidade é “o positivo ou científico”. Nenhuma explicação é científica se não for devidamente provada e comprovada. Observa-se, testa-se, prova-se, contraprova-se, submete-se a cálculo e no fim se diz: “A verdade até agora parece ser esta.Se surgirem alguns fatos que a informem, deve-se continuar a pesquisar”.

A razão científica ou Filosofia tem atualmente uma abertura ilimitada para as coisas e para a verdade.

Quando surgiu a razão?
Na criança, a Razão se mostra, de forma clara, por volta dos quatro ou cinco anos, quando a criança não se cansa de perguntar o porquê de cada coisa. Depois desta fase espontânea, pode exercitar a razão por força de imperativos interiores, pode se sentir convocada a explicar apenas as coisas ao seu redor, a fim de fornecer um significado à sua vida, ou pode decidir-se a criar e buscar uma explicação que proporcione unidade a todas as coisas. Esta seria uma razão filosófica. Buscar esta explicação final e procurá-la, com intensidade, é o que se pode chamar de razão filosófica.

Adversários da Razão
A Razão parece não ter adversário algum, enquanto almeja tornar claro tudo o que existe, enquanto deseja trazer tudo à sua linguagem e incluí-lo em sua explicação. Contudo, isto não acontece, como nos adverte Karl Jaspers no seu livro Razão e anti-razão em nosso tempo.

Há também uma anti-razão, um espírito de inobjetividade, de arbitrariedade, de cegueira, de parti pris, de sofismas, que procura, por interesses mesquinhos, por vantagens hedonísticas, destruir, ocultar a pura explicação, a verdade das coisas, a unidade clarificante do todo. Nesta luta, muitas vezes a anti-razão vence a razão.

Alcântara Nogueira, no seu conceituado livro Ideias vivas e ideias mortas, nos faz lembrar esta verdade. Há muitas ideias mortas pela anti-razão. As verdades, contidas nas heresias, foram sufocadas pelo fanatismo de outros dogmas. Os grandes meios de publicidade do mundo atual a serviço de certos interesses escusos podem matar, nas consciências, ímpetos da verdadeira razão, liquidando ânsias de libertação, ocultando verdades claras, sofismando argumentos, criando mitos, tudo isto para ofuscar no seu nascedouro aquelas verdades que iriam ofender a seus interesses.

A paixão e os interesses podem impedir o exame reflexivo e desinteressado, necessários à percepção e à criação da verdade explicativa que a razão deseja. Luta-se contra a razão com técnicas modernas de exacerbação da vida emocional que, por sua vez, bloqueia todo o campo da consciência, dopando racionalmente o indivíduo.

Quando a verdade pura e simples contraria grandes interesses, é condenada às vezes a morrer. Os meios de divulgação, em uníssono, entram em campo para criar um estereótipo, isto é, uma ideia emocional que a bloqueie. O indivíduo bloqueado passa a repelir tudo o que não favorece o próprio modo de pensar.

A razão não tem medo das mudanças em nenhum setor, quer intelectual, quer social etc. A verdade que possuímos é sempre relativa, isto é, suscetível de mudar para o mais verdadeiro.

A anti-razão, ao contrário, teme as mudanças, porque só lhe agrada o status quo mantenedor dos seus interesses e de suas posições. Além disto, qualquer agitação pode trazer luz às trevas e então sua nudez, a nudez de suas “verdades”, viria à tona.
Título e Texto: Antônio Xavier Teles, in “Introdução ao Estudo de Filosofia”, páginas 196 a 199.
Digitação: JP

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