A direita coitadinha sempre
cheia de culpas por causa do dr. Salazar aceita-os com a bonomia impaciente que
se reserva àqueles convidados que se obstinam em dizer inconveniências à mesa.
A esquerda faz de conta que
eles são seus primos muito afastados e enfim nestas coisas da tolerância a
família conta muito. Falo dos milicianos.
Habituámo-nos a eles.
Lançamentos de livros cujos autores não lhes agradam, cerimónias oficiais e
acontecimentos públicos contam com a sua presença. Chegam mais ou menos
discretos e quando o orador que identificam como alvo, começa a falar as
milícias gritam, agitam-se e boicotam. Esta semana calhou a vez a Barreto
Xavier, secretário de Estado da Cultura. Segundo a LUSA "O governante
preparava-se para usar da palavra na sessão comemorativa do primeiro
aniversário da passagem da Universidade - Alta e Sofia a Património Mundial da
UNESCO, quando foi apupado por cerca de duas dezenas de jovens estudantes universitários.
"Vocês vão deixar-me falar ou não", questionou ainda Barreto Xavier,
que após ouvir resposta negativa voltou a sentar-se na primeira fila da
cerimónia evocativa, que decorreu esta tarde no Pátio das Escolas da
Universidade de Coimbra." (1)
Ao que parece o presidente da
Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, (2), conseguira fazer a respectiva
intervenção, embora tenha sido várias vezes interrompido. Felizmente para eles,
quer o actual reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva, quer o
antigo reitor Seabra Santos conseguiram discursar sem quaisquer problemas.
A notícia reproduzida sem
grandes variações em vários jornais diz ainda que os autores dos protestos eram
"jovens estudantes universitários" que empunhavam uma faixa onde se
lia "Construir património destruindo direito à habitação!" e dois
cartazes com as inscrições "Património da Humanidade ou património do
capital" e "Nova lei do arrendamento. As Repúblicas já eram?"
Enfim podemos discutir se é justo que uma República pague 12,5 euros de renda
por um edifício bem localizado em Coimbra, como sucedia com a República 5 de
Outubro, ou se os contribuintes portugueses estão dispostos a pagar a renda das
repúblicas.
Mas como em tantos outros
acontecimentos similares o que se pretendia não era discutir nada mas tão só
criar embaraços a determinados oradores. Caso alguém interpele os promotores
destas arruaças imediatamente se vê confrontado com um especialista em
direitos, liberdades e garantias que, indignado, invoca o seu direito ao
protesto, argumento de facto extraordinário pois à excepção dos autores destes
tumultos ninguém impede ninguém de protestar, de se manifestar ou de apresentar
o respectivo argumentário.
O que está em causa em
situações como a vivida em Coimbra é precisamente a convicção instalada na
esquerda radical não só de que é proprietária da rua como que lhe assiste o
direito de seleccionar quem pode ou não intervir na ágora. Donde a complacência
silenciosa dos tolerados, ou seja aqueles que os milicianos não incomodam,
causar-me uma inquietação muito maior que a estridência dos arruaceiros. Em
Coimbra, muito mais perturbante que os gritos que interromperam Barreto Xavier
foi o facto de alguns dos oradores terem falado sem interrupções. Com o seu
ruído os milicianos mostraram que são anti-democráticos. Mas com o seu silêncio
mostraram o seu poder.
Título e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 24-06-2014
Grifos: JP
(1)
Universidade que concedeu o título honoris
causa ao Guia Universal dos Povos…
(2)
do Partido Socialista.
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