terça-feira, 24 de junho de 2014

Os milicianos e os tolerados

Helena Matos
A direita coitadinha sempre cheia de culpas por causa do dr. Salazar aceita-os com a bonomia impaciente que se reserva àqueles convidados que se obstinam em dizer inconveniências à mesa.
A esquerda faz de conta que eles são seus primos muito afastados e enfim nestas coisas da tolerância a família conta muito. Falo dos milicianos.

Habituámo-nos a eles. Lançamentos de livros cujos autores não lhes agradam, cerimónias oficiais e acontecimentos públicos contam com a sua presença. Chegam mais ou menos discretos e quando o orador que identificam como alvo, começa a falar as milícias gritam, agitam-se e boicotam. Esta semana calhou a vez a Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura. Segundo a LUSA "O governante preparava-se para usar da palavra na sessão comemorativa do primeiro aniversário da passagem da Universidade - Alta e Sofia a Património Mundial da UNESCO, quando foi apupado por cerca de duas dezenas de jovens estudantes universitários. "Vocês vão deixar-me falar ou não", questionou ainda Barreto Xavier, que após ouvir resposta negativa voltou a sentar-se na primeira fila da cerimónia evocativa, que decorreu esta tarde no Pátio das Escolas da Universidade de Coimbra." (1)

Ao que parece o presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, (2), conseguira fazer a respectiva intervenção, embora tenha sido várias vezes interrompido. Felizmente para eles, quer o actual reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva, quer o antigo reitor Seabra Santos conseguiram discursar sem quaisquer problemas.

A notícia reproduzida sem grandes variações em vários jornais diz ainda que os autores dos protestos eram "jovens estudantes universitários" que empunhavam uma faixa onde se lia "Construir património destruindo direito à habitação!" e dois cartazes com as inscrições "Património da Humanidade ou património do capital" e "Nova lei do arrendamento. As Repúblicas já eram?" Enfim podemos discutir se é justo que uma República pague 12,5 euros de renda por um edifício bem localizado em Coimbra, como sucedia com a República 5 de Outubro, ou se os contribuintes portugueses estão dispostos a pagar a renda das repúblicas.

Mas como em tantos outros acontecimentos similares o que se pretendia não era discutir nada mas tão só criar embaraços a determinados oradores. Caso alguém interpele os promotores destas arruaças imediatamente se vê confrontado com um especialista em direitos, liberdades e garantias que, indignado, invoca o seu direito ao protesto, argumento de facto extraordinário pois à excepção dos autores destes tumultos ninguém impede ninguém de protestar, de se manifestar ou de apresentar o respectivo argumentário.

O que está em causa em situações como a vivida em Coimbra é precisamente a convicção instalada na esquerda radical não só de que é proprietária da rua como que lhe assiste o direito de seleccionar quem pode ou não intervir na ágora. Donde a complacência silenciosa dos tolerados, ou seja aqueles que os milicianos não incomodam, causar-me uma inquietação muito maior que a estridência dos arruaceiros. Em Coimbra, muito mais perturbante que os gritos que interromperam Barreto Xavier foi o facto de alguns dos oradores terem falado sem interrupções. Com o seu ruído os milicianos mostraram que são anti-democráticos. Mas com o seu silêncio mostraram o seu poder.
Título e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 24-06-2014
Grifos: JP   
(1)    Universidade que concedeu o título honoris causa ao Guia Universal dos Povos…
(2)    do Partido Socialista.

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