domingo, 27 de julho de 2014

Carta a uma amiga de escola, sobre o conflito no Oriente Médio

Myrna Herzog

Querida Ana Cristina,
Na sua página do facebook, você me escreveu uma carta com suas opiniões sobre o atual conflito. Tentei responder à sua missiva, na sua página, sem sucesso. O faço através da minha, ponto por ponto, com a esperança sincera de contribuir para o esclarecimento desta situação complexa.

Para você, que mora na zona sul do Rio e não no Oriente Médio, a receita de acabar com a guerra é fácil: o governo de Israel com “uma inteligenzia
infalível”, “vai lá, prende os caras, julga, mostra pro mundo e acaba com o drama”.

Parece Ana, que você anda vendo filmes de Rambo demais. Não existe nada infalível – será que você ainda não sabe? Se fosse tão fácil, porque é que o governo de Israel ia deixar a chuva de mísseis continuar a cair aqui? A nossa defesa não é “infalível” e hoje mesmo eu já tive que sair correndo para me abrigar quando soou o alerta vermelho aqui.
Segundo você, “o governo de Israel não tem interesse no fim do conflito. 

Quer mais terras”. Pois deixa eu refrescar a sua memória:
há quase uma década que Israel saiu unilateralmente de Gaza para as fronteiras de 67 e em troca de NADA. Não deixou nem um soldado, nem um colono, nem um único israelense em Gaza; expulsou seus cidadãos, retirou os seus militares, e cedeu cada centímetro de Gaza aos palestinos. Quero lembrar também que a paz com o Egito, que perdura há décadas, foi obtida mediante a devolução total da península do Sinai, uma área bem maior do que a do Estado de Israel.

Você alega que Israel “bombardeia a esmo, matando civis e crianças indiscriminadamente.” Espero que você tenha lido o depoimento do meu filho Michel, que serviu o exército como combatente, e relatou o cuidado imenso que Israel toma para não ferir civis e inocentes ao visar alvos militares.

Mas Ana, por maior que seja o cuidado de Israel – que não é nem pode ser “infalível” - ele é neutralizado pela política do Hamas de usar os seus civis como escudos (considerada como crime de guerra pela convenção de Genebra).



O Hamas é uma ramificação da irmandade muçulmana, que em 2007 assassinou os seus rivais do Fatah e tomou o poder à força. Desde então, a ditadura do Hamas, ao invés de construir um Estado, dedicou-se a transformar Gaza em uma base militar, repleta de armas, com o intuito declarado (na sua constituição, veja na wikipedia) de estabelecer um estado muçulmano em toda a região de Israel e Palestina. Ao invés de construir escolas, hospitais, indústrias, estradas, o Hamas construiu quilômetros e quilômetros de túneis subterrâneos para fazer ataques a Israel, gastou milhões na importação e produção de foguetes, lançadores, morteiros, armas. E deliberadamente os colocou em escolas, hospitais, mesquitas e casas particulares (contrariando a convenção de Genebra), de onde disparam seus mísseis contra nós.

E quando Israel exerce o seu direito, o seu dever de reagir, tem o cuidado e o trabalhão de avisar por meios de panfletos, telefonemas, SMSs e megafones aos civis assentados sobre tais objetivos militares (depósitos de mísseis e armas), que saiam, antes do bombardeio destes alvos militares. Será que dá pra você entender?

Surrealista e criminosa é a atuação do Hamas, querendo vítimas a qualquer custo, que insta os civis a desconsiderarem os avisos que poderiam salvar as suas vidas. Assim, escreveu no dia 12 na sua página de Facebook o porta-voz do Ministério do Interior do Hamas, Iyad Al-Buzum: "O Ministério do Interior e da Segurança Nacional exorta o nosso honorável povo em todas as partes da Faixa [de Gaza] a ignorar as advertências [para desocupar áreas perto dos locais de lançamento de foguetes] que estão sendo divulgadas pela ocupação israelense através de manifestos e mensagens de telefone, já que estes fazem parte de uma guerra psicológica destinada a semear a confusão no front, à luz do colapso da segurança do inimigo [Israel] e sua confusão e perplexidade ".

Além de se mesclarem à população inocente, o exército do Hamas usa roupas civis, outro crime de guerra. As leis internacionais da guerra exigem que combatentes se distingam da população civil. Quando os líderes do Hamas escondem soldados ou armas em edifícios civis, não só cometem um crime de guerra (borrar a distinção entre civis e militares), mas convertem a construção civil em alvo militar. Quando o Hamas se esconde atrás de civis, ele não cria para Israel uma obrigação de não disparar; em vez disso, o Hamas se torna responsável pela morte dos civis quando Israel exerce o seu direito de auto-defesa. Uma postagem do Ministério do Interior do Hamas para os ativistas de mídia social, dá claras instruções de chamar sempre os mortos de "civis inocentes" e não postar fotos de foguetes sendo lançados a partir de centros de população civil.

O fato de que o Hamas não possui as mesmas capacidades militares israelenses não torna a resposta de Israel ilegal. Não há absolutamente nenhum princípio de direito militar que exija a defesa através do uso das mesmas armas do agressor. Na verdade, todos aqueles que realmente se preocupam com vítimas civis deveriam ser gratos ao fato de Israel utilizar modernas armas de precisão, que minimizam as baixas civis num conflito urbano. A situação seria bem outra, se Israel reciprocasse com o mesmo tipo de armas do Hamas.

Você fala também do “ódio fomentado na juventude israelense”. Eu moro aqui há 22 anos, meus filhos foram à escola aqui, e não há nada mais longe da realidade. Muito pelo contrário: a educação aqui luta bravamente contra os estereótipos e preconceitos – que existem em todas as sociedades humanas. 

Mas o mesmo não se pode dizer de Gaza, onde há uma educação para o ódio, para a guerra (as famosas colônias de férias para-militares para crianças). Veja por exemplo, dois clips recentes de programas educativos infantis da TV Palestina, de maio de 2014: 

Você fala de massacre, de genocídio. Ana, pelo amor de Deus: genocídio é o extermínio deliberado de um determinado grupo étnico ou nação.

Genocídio foi o de 6 milhões de judeus durante a segunda guerra (entre os quais a maior parte da minha família) que não estavam armados e nem tinham pretensões territoriais de qualquer espécie. Lembro a você que o atual conflito foi iniciado pelo Hamas, que também recusa o cessar-fogo. Se Israel pretendesse um genocídio, jogava algumas bombas e pronto. Mas muito pelo contrário, Israel tem feito o possível para salvar as vidas dos pobres palestinos, reféns do Hamas, com avisos, folhetos, telefonemas, e acaba de instalar um hospital de campanha na passagem Erez, para atender aos feridos de Gaza.

Você fala do isolamento de Gaza. Lembro que Gaza fazia parte do Egito, e quando Israel devolveu Gaza junto com o Sinai, o Egito recusou. As atuais exigências do Hamas no atual conflito incluem um levantamento das restrições à circulação de pessoas e bens aonde? No cruzamento Rafiah entre Gaza e Egito! Por que é que você não protesta contra isto? Contra a recusa do Egito de abrir as fronteiras para a população de Gaza, ex-egípcia?

Mas as palavras massacre e genocídio você reserva pra a gente. E isto, é porque você tem “o maior cuidado em não postar nada que possa ser ofensivo a ninguém”. Pois a parcialidade ofende, Ana e fere. Incita. E demoniza. Em nada ajuda a compreensão do conflito.
Quero deixar claro que sou a favor de um estado palestino. Pagaria até um imposto para ajudar a prosperidade de um estado palestino declaradamente pacífico. Sou contra ditaduras e portanto contra a terrível ditadura do Hamas – contra a qual você também deveria ser.

Torcendo para que Israel possa efetuar o mais rápido e com o mínimo de  perdas humanas de lado a lado, a neutralização do poderio militar do Hamas, criando condições para que líderes moderados como Abu Mazen possam assumir a liderança e terminar com o sofrimento da população palestina atualmente sob o jugo do Hamas.

À declaração do dia 14 de julho do Ismail Haniyeh, líder do Hamas - “O inimigo [Israel] cairá através do amor que nossos homens têm pela morte, como eles têm pela vida” - respondo com uma citação do Deuteronômio 30-19: “Coloquei diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida”.
Título, Imagem e Texto: Myrna Herzog, regente, solista na viola da gamba, residente em Israel há 22 anos, Facebook, 20 de julho de 2014

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