João Marques de Almeida
Uma conclusão possível: os
pobres ganharam e os ricos perderam. É a hipótese preferida da esquerda. Há
outra conclusão, mais perturbadora: o Brasil produtivo perdeu e o que vive do apoio
social ganhou
Após as eleições, o Brasil é
um país dividido. 53 milhões votaram em Dilma. 50 milhões votaram em Aécio. O
Norte votou PT e Dilma e o Sul votou PSDB e Aécio. O Brasil rico votou em Aécio
e o Brasil pobre votou em Dilma. O Brasil onde o PSDB e Aécio ganharam vale
cerca de 80% do PIB brasileiro, cerca de 85% das exportações brasileiras e
cerca de 90% das receitas fiscais. Uma conclusão possível: os pobres ganharam e
os ricos perderam. É a conclusão preferida da esquerda e, sobretudo, a que mais
a satisfaz.
Há outra conclusão, mais
perturbadora (e por vezes convém perturbar os espíritos mais satisfeitos): o
Brasil produtivo perdeu e o Brasil que vive do apoio social ganhou. O programa
do PT, nos doze anos de poder, tem sido no essencial beneficiar das exportações
de minérios e comida para a Ásia (sobretudo para a China). As receitas
permitiram o crescimento da classe média e o programa de assistência social, a
“Bolsa Família”. Os problemas no entanto já estão à vista de todos. A
diminuição do crescimento económico da China baixou os preços dos minérios e da
comida, o que reduziu consideravelmente as receitas do Brasil. A nova classe
média – o que os sociólogos brasileiros chamam as classes E, D e C – estão
endividadas e começam a sofrer. A “Bolsa Família”, por outro lado, está a
aumentar a despesa pública de um modo preocupante.
É óbvio que a redução da
pobreza constitui o maior sucesso dos governos PT. Foi bom para o Brasil e
acima de tudo foi muito bom para os brasileiros pobres. E a pobreza no Brasil,
depois de 12 anos de PT no poder, continua a impressionar. Há na derrota de
Aécio – numa eleição que deveria ter produzido uma mudança de governo – uma
lição para as classes dominantes tradicionais. Décadas de desprezo pelas
desigualdades sociais e por políticas de justiça social produzem uma factura
política elevada. O PSDB, justa ou injustamente, continua a pagar essa factura.
Existem, contudo, dois grandes
problemas com o modelo PT. Ao primeiro podemos chamar crescimento económico
precário. A chegada de milhões de brasileiros à classe média não resultou de
reformas económicas capazes de produzir um crescimento permanente da economia.
O Brasil atrai pouco investimento externo, não desenvolveu grandes indústrias
nacionais, é incapaz de controlar a inflação sem uma política de preços
artificial, e o regime fiscal continua a ser incompreensível para o comum dos
mortais. Em doze anos, o PT não fez uma grande reforma que beneficie o país
durante as próximas décadas. Juntamente com a russa, a economia brasileira é a
que menos cresce entre os BRICS. Cresce menos que as economias americana e
britânica, muito negativo para uma economia emergente. O crescimento dos oito
anos das presidências Lula foi conjuntural, em grande medida resultado do
‘milagre chinês’ de crescimento de 10, 11% durante anos seguidos. A
normalização do crescimento da economia chinesa está a causar problemas sérios
à economia brasileira. E a situação vai piorar nos próximos quatro anos, como
reconhecem em privado os dirigentes mais lúcidos do PT.
Ao segundo problema podemos
chamar, e espero não ofender as almas mais sensíveis, compra de votos. A “Bolsa
Família” é uma maneira de comprar votos utilizando recursos do Estado. De
resto, Dilma e o PT nunca o esconderam durante a campanha quando disseram que
se Aécio ganhasse acabaria com o programa social. Na minha concepção de
democracia, a utilização de recursos do Estado para ganhar eleições constitui
um problema grave e que corrompe o sistema democrático. O PT não quer acabar
com “Bolsa Família”. Pretende, pelo contrário, alargá-la. Os beneficiários da
“Bolsa Família” devem continuar a ser permanentemente pobres. Menos pobres, mas
ainda pobres. Só assim farão parte do exército de eleitores do PT. Não devemos
chamar a isto justiça social, mas sim caridade. Caridade para ganhar eleições.
Simultaneamente, surgiu na
sombra do poder PT uma nova elite de privilegiados e mesmo de milionários.
Acham-se impunes e julgam que o povo se contenta com umas migalhas (a “Bolsa
Família”). Estão a cometer exactamente o mesmo erro que as antigas elites
cometeram. E tal como elas vão pagar um preço elevado. Será apenas uma questão
de tempo.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador, 31-10-2014
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-