domingo, 5 de outubro de 2014

Animais

Alberto Gonçalves

Eu sei que é de mau tom advogar em público os "direitos" (as aspas já são em si discutíveis) dos animais, excepto se se tratar de touros, para aborrecer os marialvas, ou de espécimes exóticos género pandas ou orangotangos de Sumatra, que em caso algum se levarão para casa. Também sei que compõe a imagem do misantropo imitar Woody Allen e exibir, com convicção ou sem ela, aversão a criaturas de quatro patas. E sei ainda que a lei que castiga com multa ou prisão o abandono, os maus-tratos ou a morte provocada de cães e gatos nunca, ou quase nunca, será aplicada, quer pela indiferença das autoridades quer pela incapacidade de os bichos se queixarem.

Mesmo assim, gosto cada vez mais de cãezinhos, gosto cada vez menos de Woody Allen (por outros motivos) e tenho a certeza de que o maior defeito da lei é ser tardia. Isto significa que, até há dias, um tarado podia submeter um cachorro a torturas inomináveis sem receio de qualquer punição. Isto é, o exacto Estado que condena a ausência de boné num nadador-salvador não se importava que o sujeito mantivesse o rafeiro preso no quintal por um arame de dois metros. Agora, no mínimo formalmente, importa-se - e cumpre uma das raras funções estatais úteis: separar a civilização da selvajaria. A 19.ª emenda e a Lei dos Direitos Civis não erradicaram a misoginia nem o racismo nos EUA. Mas ajudaram. E o argumento de que os animais não são pessoas não garante que a recíproca seja verdadeira.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 5-10-2014

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