Paulo Ferreira
Parede a parede, o regime
económico que vigorou nos últimos 20 anos vai ruindo. Caiu a farsa da
prosperidade assente em endividamento a baixo custo, que alimentou o consumo e
a construção civil.
Caiu a ilusão do investimento
público sem critério, das auto-estradas que ninguém pagava, das empresas
públicas e municipais para onde se desorçamentava e chutava a dívida. Caiu o
sonho dos grupos empresariais "campeões nacionais", que cresciam
alimentados por rendas de monopólios ou mercados protegidos, livres de
con-corrência mas tutelados por interesses políticos.
Caiu o BES e agora cai a PT, a
simbólica cereja em cima do bolo. A derrocada do projecto da Portugal Telecom é
irmã siamesa da falência do Grupo Espírito Santo. Pelos 900 milhões que os
gestores da PT "enterraram" no accionista? Sem dúvida que esse foi o
dado mais visível, o pretexto incontornável para atirar ao chão o tabuleiro do
jogo. Mas esse ruinoso acto de gestão mais não foi do que o corolário dos
perversos interesses cruzados que andaram de mãos dadas durante anos.
Esses interesses não se
limitavam ao banco e à empresa de telecomunicações, aos seus principais
accionistas e gestores. O poder político foi o terceiro vértice do triângulo.
Pelo que fez, pelo que não fez, pelo que deixou fazer e pelo que pediu para
fazerem. Quando a lógica portuguesa do "uma mão lava a outra" corre
mal, e corre mal muitas vezes, tudo acaba ao contrário, com uma mão a sujar a
outra.
Era bom ter um banco à mão
para incentivar e financiar PPP, projectos que são bons para inaugurar e
mostrar obra hoje mas com os encargos a ficarem para os nossos filhos e netos.
Foi bom ter uma empresa a
comprar a rede fixa de telecomunicações quando foi preciso baixar
artificialmente o défice do Estado de 2002. O Governo - então PSD/CDS, com
Manuela Ferreira Leite na pasta das Finanças - precisava da receita extra e a
PT prestou esse serviço. Servil, com boa cara. Pouco importou na altura aos governantes
que esta-vam a hipotecar durante muitos anos o aparecimento de verdadeira
concorrência do sector da telecomunicações, a privar os consumidores desse
benefício e a alimentar esse "campeão nacional" com rendas fixas que
são ilegitimas numa economia de mercado dig-na do nome.
Foi bom ter uma empresa que
ajudou a financiar a Fundação do Magalhães e que foi instrumental na política
governamental da e-escola, já no Governo de José Sócrates.
Foi bom ter uma empresa que
fez de Rui Pedro Soares administrador executivo - uma visível ponta do iceberg
dos ‘jobs for the boys' -, proactivo ao ponto de ter começado a negociar a
compra da TVI para a PT.
Foi bom ter à mão uma empresa
que em 2010 voltou a ajudar a meta do défice público, desta vez com a
transferência do seu fundo de pensões para o Estado. De novo servil e com boa
cara.
Independentemente de estar
cotada em bolsa e de ter a maioria do capital em mãos privadas, a PT nunca
deixou de ter uma tutela pública, governamental, que ia muito para além do poder
legítimo da "golden share".
A PT serviu a política e
serviu-se da política. Para defender interesses próprios, para pro-teger
mercado, para servir accionistas e gestores. No fundo, para perverter as boas
regras do jogo empresarial e económico.
É por isso que não entendo que
agora se apele a uma intervenção do Governo - mais uma? - para "salvar a
PT". Não chega já? Intervir para quê? Para continuar a fintar as regras?
Para continuar a proteger o "status quo"? Quantos negócios honestos
ficaram pelo caminho sufocados por esta aliança de interesses?
Deixemos a PT entregue à sorte
que ela mesmo criou. Vamos olhar para esta crise como mais um capítulo
"schumpeteriano" de destruição criavativa. Ou essa coisa do carácter
renovador das crises é só para micro e pequenas empresas, para gente que não
frequenta os salões do Ritz nem os gabinetes ministeriais? Pode ser que daqui
se abra uma janela que deixe entrar o ar.
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