Paulo Tunhas
Com o PS, a minha vida social
melhoraria e o dinheirinho dava jeito. O problema é que o dinheirinho, tirando
um breve período destinado à prova ritual da existência do socialismo, logo
desapareceria
É muito sensato uma pessoa
andar com medo. Desde que António Costa, com o auxílio dos “simpatizantes”,
mandou Seguro pela borda fora, anda por aí um arzinho de felicidade a vir que
não augura nada de bom. Essa felicidade tem um nome: dinheirinho. Vamos todos
ter mais dinheirinho.
Confesso que a coisa a mim
também me dava jeito. Ao ponto de por vezes me perguntar porque carga de água
ando para aqui a compreender a austeridade e a reconhecer algumas virtudes
razoáveis em Passos Coelho. Não ganho nada com isso e ainda por cima a conversa
com alguns amigos torna-se delicada. Tive que apurar a sensibilidade para
detectar certos rumos que as discussões ameaçam tomar e, em nome das boas
regras do são convívio, aprender mil artes para as desviar daí. É cansativo e
muitas vezes a imaginação falha.
Verdade seja dita que não é a
primeira vez que isto me acontece. Não sou pessimista nem optimista, mas o
optimismo manifestamente deslocado irrita um pouco. Há matérias em que é
relativamente fácil lidar com ele. Não se ofendia excessivamente ninguém
manifestando, por exemplo, uma boa dose de cepticismo em relação ao glorioso
destino da “primavera árabe”. Quando muito, ouvia-se uma palavra ou duas sobre
supostos traços de carácter pouco recomendáveis, o que está na ordem normal das
coisas. Noutros assuntos a coisa piava mais fino, como foi o caso com o nosso
fatal Sócrates. Aí a acusação mais vulgar era a de “obsessão”, algo claramente
mais forte. Há, apesar de tudo, uma certa diferença entre não ser um ser humano
exemplar, dotado de uma confiança absoluta no progresso para o melhor da
humanidade toda entre os dois pólos, e ser uma criatura cuja patologia se
encontra detalhadamente analisada num compêndio de doenças mentais.
Por causa disso, uma dose
normal de prudência mundana aconselharia tentativas de reconciliação com os
espíritos mais dados à confiança nas virtudes salvíficas de António Costa. Com
mais dinheiro ou sem ele, a vida social melhoraria sem dúvida. No entanto, não
consigo. E não consigo porque, mesmo levando ao extremo o ecumenismo e o
princípio de caridade, aquela confiança não parece, com franqueza,
racionalmente sustentada. Não é uma questão de estados de alma, é mesmo uma
questão de racionalidade.
Um exemplo. Qual é a mezinha
mais geralmente apresentada pelo PS com o fim de acabar com a “austeridade”
aqui neste nosso cantinho? Há versões mais plebeias e versões mais eruditas. As
versões plebeias dizem-nos que devemos fazer tremer as pernas dos banqueiros
alemães ou, em alternativa, dar um grande e sonoro murro na mesa e dizer
“Basta!”. As mais eruditas recorrem ao sofisticado conceito de “vontade
política”. Com uma grande dose de “vontade política”, Portugal, com a ajuda de
outros Estados inspirados pelo fulgor de António Costa, poria civilizadamente na ordem o imperialismo
alemão da Sra. Merkel (a propósito: houve o que se chama um upgrade da
Alemanha; nos anos setenta do século passado, era um “subimperialismo”, do qual
Mário Soares, entre outros, era um “lacaio”).
A mim parece-me que há
problemas muito evidentes com estes dois tipos de atitude. A atitude plebeia e
muito viril releva, pura e simplesmente, da farronca. Não quero insinuar que
uma qualquer estrela do novo PS não seja capaz de dar murros na mesa
potentíssimos e atordoadores. Acontece que esperar que isso assuste toda a
gente, da Sra. Merkel aos mais sinistros grupos de neoliberais conspirando em
vis covis por esse mundo fora, é pouco razoável. Contrariamente aos passados
votos do deputado socialista Pedro Nuno Santos, nem umas só perninhas
tremeriam. E a nova estrela arriscava-se a magoar a mão. O que seria pena, até
porque se encontraria impedida de actualizar à sua maneira, com “hercúlea voz”
e “coração fremente”, o Finis Patriae de Guerra Junqueiro, substituindo a
Inglaterra pela Alemanha. Afinal, não custa imaginar o “bandulho infecto” do
“Deus Milhão” a “rolar em postas” no Reno em vez do Tamisa. (Espero não estar a
dar ideias a Manuel Alegre.)
Em contrapartida, o problema
da versão sofisticada de António Costa é o carácter vago e difuso da tal
“vontade política” que ele afiança representar. E, mais ainda, a possibilidade
de essa vontade, a ser concebível, influir no que quer que seja nos destinos da
União Europeia. Quando, a pouco e pouco, os principais líderes socialistas
europeus, depois das hesitações da praxe, se andam a converter à famigerada
“austeridade”, não se vê como poderá António Costa, por muitos méritos que
tenha, inverter a situação. Ele, de resto, tirando algumas proclamações
convenientemente vazias, não tem avançado com muitas precisões no assunto. Esse
prudente silêncio, que por muitos é apresentado como a prova mais patente da
sua sabedoria política, cheira, visto de fora, a cinismo. Um cinismo tolerado
pelos tempos e carinhosamente apadrinhado pelos aficionados das delícias da
política partidária, mas cinismo à mesma.
Por estas razões não me
consigo transformar num simpatizante socialista. A minha vida social melhoraria
e o dinheirinho a vir dava jeito. O problema é que o dinheirinho, tirando um
breve período inicial destinado à prova ritual da existência do socialismo, em
breve desapareceria, e o resultado dessa póstuma homenagem à teórica entidade
seria, a curto prazo, um agravamento ainda maior das nossas condições de vida.
Não parece uma opção saudável. Quanto à vida social, uma pessoa habitua-se. E
já tenho um certo treino. Como dizia um personagem de um livro célebre de
Guimarães Rosa, “a gente vive mesmo é para se desmisturar”.
O pior é mesmo o medo. Porque
a aliança da farronca e da vagueza conduzirá certamente a algo que devemos temer.
Cada uma por si já é má. As duas juntas são péssimas. E o PS parece estar
disposto a misturá-las.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-