Manuel Villaverde Cabral
Se o PT trocou o socialismo
pelo assistencialismo, Lula e Dilma trocaram a base eleitoral nos estados mais
avançados do Sul e Sudeste por esses «grotões» que são feudos equivalentes ao
«coronelismo»
Faz doze anos que Lula foi
eleito pela primeira vez Presidente do Brasil. Nessa altura, o que marcou a sua
vitória foi a subida ao poder de uma esquerda de novo tipo que havia emergido
na década de 1980 nos grandes estados industrializados do sul do país, com uma
base operária e sindical de forte inspiração católica, da qual era exemplo
máximo a carreira do próprio Lula, mais próxima porventura dos sindicatos da
época de Getúlio Vargas do que dos comunistas e maoistas. Era uma experiência
virtualmente inédita. O Partido dos Trabalhadores (PT) terá sido então o maior
partido de esquerda do mundo a chegar ao poder por via eleitoral.
Todavia, nos doze anos
seguidos em que tem estado no poder, o PT mal chegou a atingir 20% dos membros
do Congresso da República (Senado e Câmara de Deputados) num sistema partidário
caracterizado pela extrema pulverização regional e ideológica, bem como por um
jogo de clientelas hoje já desconhecidas na Europa. E sendo assim, para
conseguir formar governo e manter-se no poder, o novo presidente teve de fazer
basicamente quatro coisas. Primeiro, montar uma maioria congressual à custa da
useira e vezeira rede de favores, que o PT pretendeu a certa altura tornar
ainda mais rígida através do famoso «mensalão» destinado a tornar sistemática a
compra dos votos necessários para aprovar a legislação governamental. O preço
que o PT tem vindo a pagar por isso não é só ético mas também político. Do
ponto de vista eleitoral, tornou-se um partido como os outros ou pior.
Em segundo lugar, as
intransigências mútuas entre um PT doutrinário e o partido de cariz
social-democrata formado pelo anterior presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, o qual havia produzido as maiores inovações políticas do
Brasil da época ao implantar a nova moeda (o «real») e ao fundar o PSDB,
fizeram com que este ficasse de fora da aliança montada por Lula. Percebe-se
que assim tenha acontecido mas é isso, precisamente, que está agora de novo em
cima do tapete eleitoral com os dois novos protagonistas, Dilma pelo PT e Aécio
pelo PSDB.
Em terceiro lugar, para grande
surpresa das esquerdas, Lula fez sua a política de estabilização financeira do
seu antecessor e foi nessa base que o Brasil pôde, graças ao disparo da
globalização, crescer economicamente como há muito não sucedia. Desse passo,
trocou o seu socialismo programático pela generalização dos programas
assistencialistas que já vinham da presidência de FHC, como o «bolsa família»,
uma espécie de «rendimento mínimo» que atingirá hoje uns 50 milhões de
beneficiários. É comparativamente pouco dinheiro para o novo gigante económico
mas constitui uma fonte de votos sem fim, à qual se juntam os empregos públicos
para tirar a população mais pobre da miséria em que vivia, sobretudo no
Nordeste.
Ora, assim como o PT trocara o
socialismo pelo assistencialismo, Lula e Dilma trocaram a base eleitoral que os
levara ao poder nos estados mais avançados do Sul e Sudeste por esses «grotões»
contra os quais o partido lutara até então e que constituíam feudos
equivalentes ao «coronelismo». Basta ver o mapa da última eleição presidencial
para se dar conta de que, virtualmente, todo o sul desenvolvido se virou contra
Dilma, tendo esta passado a dominar, como herdeira dos coronéis de outrora,
todo o norte do país graças ao «bolsa família» e ao emprego público.
Por último, ao sabor da
globalização e da ascensão dos BRICs, Lula e o PT compensaram o seu conservadorismo
financeiro e assistencial com uma política internacional cada vez mais alinhada
pelos «emergentes», a qual serve hoje de bandeira para unir as esquerdas
ideológicas do mundo inteiro. Assim acabou o Brasil por assumir a liderança da
oposição histórica latino-americana aos «ianquis», salvando a sua face
esquerdista em benefício da frente dos países que conduzem actualmente a nova
guerra fria contra o «imperialismo». É o mundo às avessas e foi a ânsia de
conservar o poder que fez o PT soçobrar perante a corrupção que criticava
quando estava na oposição.
Adicionado à quebra do
crescimento, foi isto que uma clara maioria dos brasileiros rejeitou na
primeira volta das eleições. O maior exemplo é o estado de S. Paulo, onde o PT
outrora se forjou e agora Dilma tem os piores resultados. A nova geografia
eleitoral do Brasil faz, pois, do candidato do PSDB e da própria Marina, os
anunciadores de um processo de modernização política e económica contra o
estatismo assistencialista que constitui hoje a base de poder do PT. As suas
candidaturas remetem assim para a vaga de protestos que marcou os últimos anos
do regime do PT. Aécio poderá propiciar uma mudança e, simultaneamente, voltar
a uma política internacional mais consentânea com a matriz sócio-cultural brasileira.
A segunda volta da eleição presidencial será apertadíssima e constituirá, sem
dúvida, um ponto de viragem para esse Brasil cujas forças mais modernas
pretendem decididamente dar um passo político em frente.
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