sábado, 4 de outubro de 2014

Macroscópio – 3 de outubro


José Manuel Fernandes
O Brasil vai a votos este fim-de-semana. Para eleger não apenas o próximo Presidente, mas também os deputados federais e estaduais, os senadores e os governadores. São milhares de candidatos, mas a atenção está centrada em apenas três: Dilma Roussef, Marina Silva e Aécio Neves. Na madrugada de hoje tiveram o seu último debate televisivo, numa altura em que as sondagens apontam para a passagem certa de Dilma à segunda volta e uma luta cerrada entre Marina e Aécio.

Aqui no Observador fizemos retratos aprofundados destes três candidatos: Dilma,a guerrilheira que herdou o Brasil de Lula; Aécio Neves, o empurrãozinho do ADN para ser Presidente; e Marina Silva, uma história de sucesso improvável.

Apresentamos a actual titular do Palácio do Planalto, Dilma Rousseff, como “a guerrilheira que herdou o Brasil de Lula”. Depois do operário metalúrgico cuja enorme popularidade lhe permitiria fazer eleger até um poste, chegou “a burguesa intelectual que ouve ópera”, alguém que conquistara a confiança do ex-Presidente ao chefiar a sua Casa Civil. Muitos no Brasil pensam que, depois de 12 anos de domínio do PT, é tempo de mudar. O PT e Dilma fizeram uma campanha onde sublinharam os riscos da mudança, apostando no argumento do medo.

Descrevemos Aécio, neto de Trancredo Neves, como “neto de peixe pode chegar a Presidente do Brasil”. Alguém que já foi deputado, senador e governador, político que tem o seu bastião em Minas Gerais e que anda a preparar esta candidatura, dizem, há 30 anos.

O percurso de Marina não podia ser mais contrastante. Nada a talhava para uma carreira política: “Queria ser freira, aprendeu a ler aos 16 anos e superou uma hepatite, a leishmaniose e a malária”, recordamos no Observador. É, de certa forma, a outsider que “insiste numa nova política, que pretende derrubar os partidos que normalmente governam o país”: o PT de Dilma e o PSDB de Aécio.

Ainda no Observador, e para ajudar à compreensão das alternativas propostas por estes três candidatos, preparámos uma comparação dos seus programas e das suas promessas.  Com a ajuda de alguns gráficos elaborados pelo Milton Cappelletti pode ficar a saber o que opinam sobre os 25 temas mais recorrentes da campanha.

Se a corrupção tem sido a grande arma de arremesso da campanha – uma corrupção a que os brasileiros dão apenas uma importância relativa, o que permitiu à favorita das sondagens, Dilma, afirmar no último debate que “todo o mundo pode cometer corrupção, ninguém está acima dela” sem que isso tivesse causado especial escândalo – a situação de economia foi o inevitável pano de fundo. Até porque esta não está tão bem como nos últimos anos.

Uma boa análise dos problemas económicos do Brasil pode ser lida neste texto de Sérgio Aníbal no Público: “Sem armas para fazer a economia crescer, ao Brasil resta esperar pela retoma mundial”. O autor explica porquê:
É num ambiente de bastante desconfiança em relação à evolução da economia brasileira, que já tem vindo a afastar algum investimento estrangeiro, que quem vencer as eleições presidenciais vai ter de pegar no país. A opção por políticas monetárias e orçamentais agressivas parece estar fora dos planos dos três principais candidatos, precisamente porque ninguém quer ver outra vez a inflação a subir. O que resta ao Brasil, no imediato, é assim esperar pela ajuda da retoma económica mundial.

As notícias mais recentes não são, na frente económica, nada entusiasmantes. Esta semana sairam os números do défice público, e este atingiu ovalor mais elevado dos últimos cinco anos, como explica com abundância de detalhes o Wall Street Journal.

Sempre atenta, a revista brasileira Veja – que tem uma linha editorial muito crítica do consulado Dilma – divulgou nas últimas horas um trabalho sobre os “dez fatos econômicos que você precisa saber antes de votar”. Vale a pena ler para perceber porque é que, depois do milagre do crescimento “à chinesa”, o Brasil vive tempos de incerteza económica, mesmo de algumas dificuldades. Eis alguns do temas abordados pela Veja: “Os brasileiros estão mais endividados. Quem discorda?”; “Os ricos estão cada vez mais ricos. O que aconteceu?”; “Comprar carros não é mais tão simples. Por quê?”; “A inflação voltou para ficar. Isso faz diferença?”; “Contas públicas estão um desastre. E daí?” ou “Arrumar trabalho não é mais tão fácil. Por quê?”

A imprensa económica internacional tem dado natural atenção ao Brasil e dos muitos artigos publicados seleccionei dois. O primeiro é uma extensa análise do Financial Times, “Presidential poll: Race for Brazil’s driving seat”. Pequeno extrato:
For global investors, the vote is crucial. With 
the economy in technical recession in the first half and its fiscal accounts deteriorating, the world’s seventh largest economy – once an emerging market star – could be headed for junk bond status unless the next president makes tough spending choices. “If the next president does not signal material change in the way things are moving on the fiscal side we could see, during the first or second quarter of 2015, [a] downgrade by a credit-rating agency,” says Marcelo Salomon, economist at Barclays.

A revista The Economist também dedicou uma reportagem ao Brasil na edição da semana passada: “
The battle for Brazil - With days togo before the first round, the race is too close to call”. O artigo dá especial atenção à guerra de propaganda desencadeada pelo PT contra Marina Silva, uma guerra que reverteu a sua subida nas sondagens: “The ads have been brazen. They allege that Ms Silva plans to cut social programmes (she doesn’t) and, by promising to grant the Central Bank autonomy (which Ms Rousseff has undermined), hand power to shady bankers. The PT’s blitzkrieg has had an effect. Ms Silva’s “rejection rate”, the percentage of voters who say they would never vote for her, now exceeds that of Mr Neves.” Digamos que é o lado mais americano de uma campanha em tudo o mais muito brasileira.

Termino esta minha primeira incursão brasileira com uma sugestão espanhola: leiam a interessante análise de Juan Arrias no El Pais, “Los brasileños, entre la esperanza y el miedo. Aperitivo:

Los brasileños saben que, al contrario de otros países de este mismo continente latinoamericano, Brasil goza aún de una democracia formal donde existe la libertad de expresión, pero saben también que la clase política actual no responde a las exigencias de cambio y de limpieza ética que exigieron en las manifestaciones de 2013. No les gusta cómo los políticos gestionan la vida de la gente y querrían cambiarla. ¿Por qué no lo hacen con el voto? Es algo que se deberían preguntar, sobre todo, aquellos candidatos que aseguran haber recogido la bandera del cambio. Como mínimo habría que decir que ninguno parece haber sido capaz de convencer de ello a la mayoría. Y los que han preferido esta vez el arma del miedo contra la esperanza han acabado siendo más eficaces con la amenaza de que todo podría ser aún peor.

E agora uma surpresa para o seu fim-de-semana: se já leu isto tudo, ou parte, ou nada, ou gosta apenas do Brasil, experimente responder ao nosso questionário sobre o país do Carnaval e de Lula da Silva. São onze perguntas e no fim fica a saber qual a sua classificação.

Boas leituras e boas respostas. 

Título, Image e Texto: José Manuel Fernandes, Observador, 3-10-2014

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