terça-feira, 28 de outubro de 2014

Macroscópio – António Costa como Hollande ou como Renzi?


José Manuel Fernandes
Hoje é 28 de outubro. E depois? É que há um mês foi 28 de setembro, data das primárias no Partido Socialista. O que significa que António Costa tem um mês como líder. E como há impressão igual à primeira impressão, o Observador tentou fazer um balanço deste primeiro mês em que Costa, mesmo sem ser ainda o líder formal do PS, já mandou no partido. Está aqui: Um mês de Costa. Sem revolução e com pontas soltas. A Câmara de Lisboa, de que continua presidente, deu-lhe muitas dores de cabeça, das inundações a uma polémica sobre a Emel que colocou Helena Roseta ao lado da oposição social-democrata, e a pilotagem do partido já o obrigou a equilibrismos, como os associados à moção sobre a dívida pública, onde o PS optou pela indefinição. Mais recentemente, como o Observador também noticiou, viu-se envolvido numa polémica com o Governo por causa dos fundos comunitários que acabou com o executivo a dizer que ficava à espera de que Costa reconhecesse que se enganara, repto que ainda não teve resposta. Como sintetizava o Observador, “o autarca de Lisboa não fez a revolução que muitos esperavam. Teve um mês conturbado, entre as tricas com o Governo, as inundações e o Orçamento para combater.”

Ao longo do último mês algumas opções recordar de António Costa foram objecto da análise de cronistas do Observador, valendo a pena textos de Rui Ramos - A escolha de Ferro Rodrigues -, Maria João Avillez - Crise de realidade - , João Marques de Almeida - As ilusões europeias de António Costa, – André Azevedo Alves - Os sete trabalhos de António Costa, – e Alexandre Homem Cristo - O jogo das alianças à esquerda.

Alexandre Homem Cristo colocou de resto, na sua crónica desta segunda-feira, Europa: a esquerda não é solução, um problema que não deixará de dominar o debate político nalternativas, basta fazer braços-de-ferro”.
os próximos tempos: “As regras orçamentais europeias foram postas em causa por cinco países, todos liderados pelo centro-esquerda. A esquerda assume ao que vem – não é preciso ter
Os cinco países de que fala Homem Cristo são a França, a Itália, a Áustria, a Eslovénia e Malta, mas é nos dois primeiros que as atenções estão focadas. E como a imagem do estado da governação nesses dois países não é coincidente, não faltará quem se interroga sobre se Costa será um dia o nosso Hollande ou o nosso Renzi. Nos dias que correm é uma questão muito pertinente.


A França continua a sua difícil negociação com Bruxelas por causa do Orçamento de 2015. Ontem soube-se que a França, depois de ter começado por dizer que não faria mais cortes, afinal aceitara reduzir o défice público em mais 3,6 mil milhões de euros. O plano – os detalhes podem ser vistos aqui, no Le Figaro – não parece ter levantado muita controvérsia em França, pois o ministro das Finanças, no essencial, alterou algumas previsões de receita e de despesa para apresentar números mais simpáticos. Vamos a ver se Bruxelas aceita.

Tudo isto se passa num pano de fundo marcado por dois temas que já por várias vezes referimos no Macroscópio: a luta pela alma do Partido Socialista e as tensões com a Alemanha. Regresso a estes temas para fazer três sugestões, começando pela análise de Jorge Almeida Fernandes no Público, Guerra de palavras no PS francês: naufrágio à vista. Nela o autor chama a atenção para o que considera ser a “discussão substantiva”:
A social-democracia europeia ainda não soube dar resposta às mudanças trazidas pela crise, pela globalização, pela integração europeia, pela imigração e pela crescente precariedade do trabalho, escrevem os espanhóis Andrés Ortega e Ángel Pascual-Ramsey. "Os cidadãos pedem aos seus representantes políticos uma resposta à insegurança do mundo actual, mas a social-democracia não está a saber enfrentar essa exigência. As pessoas não têm a percepção desses partidos como agentes da mudança."

No que respeita às relações com a Alemanha, é de novo importante ler a longa análise da Spiegel, com o sugestivo título: 'Poets and Alchemists': Berlin and Paris Undermine Euro Stability. E há também um texto importante de João Marques de Almeida aqui no Observador, As divergências entre a Alemanha e a França podem acabar com o Euro. Eis como sintetiza o problema:
A criação do Euro foi a resposta a um problema geopolítico: a reunificação da Alemanha. A geopolítica leva-nos ao segundo problema: a diferença de poder entre a Alemanha e a França está a crescer. O contrato original da integração europeia apoiava-se na superioridade da França sobre a Alemanha. A França liderava e a Alemanha seguia (e pagava). A situação inverteu-se com a reunificação e com a crise da zona Euro. Mas, entretanto, ninguém disse aos franceses que estão na União Europeia para seguirem os alemães. Sempre lhes disseram o contrário,

Mas se verdadeiramente a França já não surge hoje como exemplo a seguir na Europa, será que esse exemplo vem de Itália e de Mateo Renzi? Aqui no Observador também fomos tentar saber o que se passa para lá dos Alpes, onde as reformas de Renzi estão a gerar protestos – os protestos habituais, de resto. Em causa estão a reforma laboral e a reforma constitucional e um confronto com Bruxelas.

A situação de Itália não é risonha, e isso mesmo era sublinhado na capa da Spectator desta semana, com um título forte: Italy’s in terminal decline, and no one has the guts to stop it. O retrato que nos faz do país é colorido, com muitas histórias dos vários bloqueios que têm amarrado a economia em nome da proteção de certos direitos laborais. A sua visão é muito pessimista:
Italy, more even than France, is the sick man of Europe — and it is also the dying man of Europe. Italian women used to have more children than anyone else in Europe. It is common to meet old men called Decimo (‘Tenth’). Yet for decades the birth rate in Italy has been among the lowest in the world, and if it were not for immigration the population would be in decline. When Italian women refuse to make babies, it is a clear sign of a terminally sick society.

De uma forma geral a imprensa europeia, mesmo a imprensa anglo-saxónica, é mais simpática para com o país de Renzi – sobretudo mais simpática com Renzi. Gideon Rachman, o conhecido colunista do Financial Times, manifesta esperança que possa vencer os actuais desafios: “If his labour-market reforms go through – despite the demos – he will have won an important symbolic and practical victory at home. If that, in turn, helps to persuade the heartless bureaucrats of Brussels to take a slightly more flexible approach to Italy, he could also gain credit and breathing space at home.” Já o editorial do Wall Street Journal, Italy’s Economic Suicide Movement toma a defesa da sua reforma laboral, criticando duramente os sindicatos que este fim de semana ocuparam as ruas. Concluía com um pedido de firmeza ao primeiro-ministro italiano: “The people protesting this weekend weren’t marching for reasonable workplace protections. They were demanding guaranteed unemployment for millions of their fellow citizens. For the sake of all those out-of-work Italians, and especially the young, Mr. Renzi should stand firm for reform”. Por fim a conhecida coluna Charlemagne, da Economist, mostra alguma tristeza por ter optado por um gesto dramático ao divulgar publicamente uma carta confidencial da Comissão Europeia: “Not even Silvio Berlusconi, who repeatedly flirted with euro-scepticism, gave the European executive quite such a slap in the face as the one Mr Renzi delivered to Mr Katainen, and indirectly to the outgoing Mr Barroso”.

Antes de terminar, deixem-me apenas chamar a vossa atenção para dois textos sobre dois temas absolutamente diferentes, mas a merecer a vossa atenção: a útima e comovente carta que a iraniana que foi enforcada este sábado, acusada de ter morto o homem que a tentara violar, escreveu à sua mãe; e a primeira de uma série de reportagens do Observador em Melilha, onde todos os dias centenas de africanos desesperados procuram saltar uma vedação para entrarem na União Europeia.

Tenham as melhores leituras. 
Título, Imagem e Texto: José Manuel Fernandes, Observador, 28-10-2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-