José Manuel Fernandes
Os favoritos, de acordo com as casas de apostas inglesas, eram o japonês Haruki Murakami e o
queniano Ngugi wa Thiong’o. A vitória acabou por ir para Patrick Modiano, um escritor francês de 69 anos que não
era dado como estando à frente da corrida. O Nobel da Literatura é quase sempre
assim, raramente é atribuído aos que na véspera surgem como preferidos.
Com cinco obras traduzidas para português, Modiano [foto] não reuniu o consenso entre
os dois críticos que o Observador foi ouvir. Francisco José Viegas, escritor e
ex-secretário de Estado da Cultura, acha que é um “excelente autor”, “sem
dúvida o mais importante dos autores franceses”, e por isso está satisfeito
embora reconheça que “a Academia Nobel entende pouco de literatura, embora às
vezes acerte”. Já Carlos Vaz Marques, diretor da revista literária Granta,
confessou-nos que não é fã:
“Na língua francesa mais depressa votaria num autor extraordinário e
insuficientemente traduzido em Portugal, como é Pascal Quignard. Aliás, quando
ouvi o anúncio do vencedor, a minha primeira reacção, numa confusão de nomes,
foi de uma certa alegria, porque pensei em Pascal Quignard ao escutar Patrick
Modiano”.
Nestas alturas são muitos os que, como Carlos Vaz Marques, se recordam de
tantos e tão bons escritores que nunca tiveram o Nobel, como “Philip Roth,
Rubem Fonseca ou Javier Marías”. No Wall Street Journal não apenas se lembraram
dos que ficaram de fora, como o recordaram numa pergunta a Peter Englund, secretário permanente da Academia sueca: “So no American this
year, yet again. Why
is that?”. Eis como ele respondeu:
There are lots of authors who deserve the Nobel Prize and there will never
be justice in this matter. The arithmetics of it are impossible, we have only
one prize to distribute every year and there are lots of authors out there who
deserve the prize. We will never be able to give the prize to everyone that
deserves it, that’s a brutal fact.
Já a revista New Yorker, sem se pronunciar diretamente sobre esta escolha, destaca a
possibilidade (entrevista nas listas das casas de apostas) de o prémio ser
entregue a alguém que escreve não ficção, na circunstância a jornalista bielorussa
Svetlana Alexievich. No passado houve vários historiadores e ensaistas que
ganharam o prémio – Theodor Mommsen, Bertrand Russell, Winston
Churchill –. mas há mais de 50 anos que isso não sucede. Eis um dos seus
argumentos a favor da ideia de que o Nobel da Literatura não deve ir apenas
para romancistas, poetas ou dramaturgos:
Every mode of expression has its formal demands. For writing that’s not fictive, that means
fidelity to documentable reality; yet the best of it can only be done when the
writer has an imagination as free as any novelist, playwright, or poet.
Do lado francês, consultando os principais
jornais online, não encontrámos tanta euforia como seria de esperar. Talvez por
esta ser a 15ª vez que um francês ganha o Nobel da Literatura, sendo que o mais
recente galardão foi entregue há apenas seis anos, em 2008, a Jean-Marie Le
Clézio. O Liberation lembrava a lista com um título, esse sim, quase eufórico: La France, championne du monde des Nobel de littérature. Eí-la: Patrick Modiano (2014); Jean-Marie Le
Clézio (2008); Gao Xingjian (2000), qui vit en Chine, et écrit en mandarin
(notamment tous ses romans) et en français (certaines de ses pièces); Claude
Simon (1985); Jean-Paul Sartre (1964), décline le prix; Saint-John Perse
(1960); Albert Camus (1957); François Mauriac (1952); André Gide (1947); Roger
Martin du Gard (1937); Henri Bergson (1927); Anatole France (1921); Romain
Rolland (1915); Frédéric Mistral (1904) e Sully Prudhomme (1901). Digamos que nem todos serão consensuais como
merecedores do Nobel – aliás, nem todos são tidos como franceses pela Academia
Sueca, que considera os países de nascimento e por isso abate à lista Gao
Xingjian (naturalizado francês em 1998), Camus (nasceu na Argélia), Claude
Simon (Madagascar) e Saint-John Perse (Guadeloupe). O Liberation não gosta do
critério, até porque, seguindo-o, a França ficaria apenas com onze prémios,
menos um dos que os Estados Unidos, que têm doze…
No que respeita a sugestões para uma bibliografia essencial, o Figaro
selecionou cinco títulos de leitura obrigatória - La Place de l'étoile (1968), Rue
des Boutiques Obscures (1978), Dora Bruder (1997), Un
pedigree (2005) e Lacombe Lucien (avec Louis Malle,
1974). O Guardian
também escolheu cinco títulos, sendo quatro comuns – a única diferença é a
saída da lista de Lacombe Lucien e a entrada de Voyage des Noces
(1990). Desta seleção estão editados em português A Rua das Lojas Escuras
(Relógio d’Água) e Dora Bruder (Edições ASA).
Falando agora um pouco mais da obra de Patrick Modiano, refiro em primeiro
lugar a crónica do escritor José Riço Direitinho no Público, “Um Nobel em busca do tempo perdido”. Para ele, “toda a obra de Patrick Modiano
é uma espécie de luta contra o esquecimento, um sublinhar dos caminhos
redentores da memória e da ficção.” Mais:
A errância das personagens em busca de um tempo perdido (antigos cafés que, por
exemplo, se transformaram em boutiques de luxo que vendem malas de pele de
crocodilo) acompanha a esperança de se entenderem e ao mesmo tempo desvelam ao
leitor também uma parte do seu mistério, e não poucas vezes, do seu trágico
fim.
A leitura de uma entrevista dada pelo escritor ao El Pais em 2009, e agora repescada por
aquele jornal, ajuda a compreendê-lo melhor. Reparem nesta descrição da forma
como trabalha:
Patrick Modiano es muy alto, muy amable, algo torpe y muy tímido. Duda al
hablar, le cuesta acabar las frases y su muletilla favorita es "no sé si
me explico". Vive en una vieja casa a la espalda del Jardín de Luxemburgo,
no muy lejos del barrio donde pasó parte de su infancia: todo un síntoma de su
relación con el tiempo y la memoria. El cuarto desde el que escribe es una
habitación semicircular, tapizada de libros con una ventana también muy alta
que da a un jardincito interior. Hay un diván arrugado en el que se sienta a
leer cuando no trabaja. Escribe dos o tres horas al día sentado a una mesa
colocada frente a la ventana y al jardín. Nunca más. Asegura que si hiciera
caso a su carácter, terminaría sus novelas de un tirón, sin detenerse, pero que
se obliga a refrenarse y a parar cuando han pasado esas dos horas a fin de
mantener una tensión que sólo él percibe pero que, según él, es esencial para
que la obra culmine.
Termino sem sair de Espanha, para citar José Carlos Llop, um dos críticos do ABC, o diário reputado por ter a melhor
critica literária do país vizinho. É um texto que é quase uma carta de amor e
começa assim:
Recuerdo la tarde en que compré la primera edición en español de «Villa Triste», la novela de Modiano que acaba de publicar ahora Anagrama [el libro fue editado en
2009]. Fue en el invierno de 1976 y uno de los neones de la librería donde lo
hice, parpadeaba con luz grisácea. Yo tenía veinte años y quizá eso
contribuyera -el protagonista de «Villa Triste» tenía, más o menos, la misma
edad- a que aquella novela llegara a ser una de las principales novelas de mi
juventud. Como Patrick Modiano llegaría a ser uno mis autores
contemporáneos favoritos.
Hoje, mais do que nunca, só me resta desejar que leiam, leiam muito.
Título, Imagem e Texto: José Manuel
Fernandes, 9-10-2014
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