quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Macroscópio – Um Nobel que ninguém esperava

José Manuel Fernandes

Os favoritos, de acordo com as casas de apostas inglesas, eram o japonês Haruki Murakami e o queniano Ngugi wa Thiong’o. A vitória acabou por ir para Patrick Modiano, um escritor francês de 69 anos que não era dado como estando à frente da corrida. O Nobel da Literatura é quase sempre assim, raramente é atribuído aos que na véspera surgem como preferidos.
 

Com cinco obras traduzidas para português, Modiano [foto] não reuniu o consenso entre os dois críticos que o Observador foi ouvir. Francisco José Viegas, escritor e ex-secretário de Estado da Cultura, acha que é um “excelente autor”, “sem dúvida o mais importante dos autores franceses”, e por isso está satisfeito embora reconheça que “a Academia Nobel entende pouco de literatura, embora às vezes acerte”. Já Carlos Vaz Marques, diretor da revista literária Granta, confessou-nos que não é fã:

“Na língua francesa mais depressa votaria num autor extraordinário e insuficientemente traduzido em Portugal, como é Pascal Quignard. Aliás, quando ouvi o anúncio do vencedor, a minha primeira reacção, numa confusão de nomes, foi de uma certa alegria, porque pensei em Pascal Quignard ao escutar Patrick Modiano”.
 
Nestas alturas são muitos os que, como Carlos Vaz Marques, se recordam de tantos e tão bons escritores que nunca tiveram o Nobel, como “Philip Roth, Rubem Fonseca ou Javier Marías”. No Wall Street Journal não apenas se lembraram dos que ficaram de fora, como o recordaram numa pergunta a Peter Englund, secretário permanente da Academia sueca: “So no American this year, yet again. Why is that?”. Eis como ele respondeu:

There are lots of authors who deserve the Nobel Prize and there will never be justice in this matter. The arithmetics of it are impossible, we have only one prize to distribute every year and there are lots of authors out there who deserve the prize. We will never be able to give the prize to everyone that deserves it, that’s a brutal fact.

Já a revista New Yorker, sem se pronunciar diretamente sobre esta escolha, destaca a possibilidade (entrevista nas listas das casas de apostas) de o prémio ser entregue a alguém que escreve não ficção, na circunstância a jornalista bielorussa Svetlana Alexievich. No passado houve vários historiadores e ensaistas que ganharam o prémio – Theodor Mommsen, Bertrand Russell, Winston Churchill –. mas há mais de 50 anos que isso não sucede. Eis um dos seus argumentos a favor da ideia de que o Nobel da Literatura não deve ir apenas para romancistas, poetas ou dramaturgos:

Every mode of expression has its formal demands. For writing that’s not fictive, that means fidelity to documentable reality; yet the best of it can only be done when the writer has an imagination as free as any novelist, playwright, or poet. 
 
Do lado francês, consultando os principais jornais online, não encontrámos tanta euforia como seria de esperar. Talvez por esta ser a 15ª vez que um francês ganha o Nobel da Literatura, sendo que o mais recente galardão foi entregue há apenas seis anos, em 2008, a Jean-Marie Le Clézio. O Liberation lembrava a lista com um título, esse sim, quase eufórico: La France, championne du monde des Nobel de littérature. Eí-la: Patrick Modiano (2014); Jean-Marie Le Clézio (2008); Gao Xingjian (2000), qui vit en Chine, et écrit en mandarin (notamment tous ses romans) et en français (certaines de ses pièces); Claude Simon (1985); Jean-Paul Sartre (1964), décline le prix; Saint-John Perse (1960); Albert Camus (1957); François Mauriac (1952); André Gide (1947); Roger Martin du Gard (1937); Henri Bergson (1927); Anatole France (1921); Romain Rolland (1915); Frédéric Mistral (1904) e Sully Prudhomme (1901). Digamos que nem todos serão consensuais como merecedores do Nobel – aliás, nem todos são tidos como franceses pela Academia Sueca, que considera os países de nascimento e por isso abate à lista Gao Xingjian (naturalizado francês em 1998), Camus (nasceu na Argélia), Claude Simon (Madagascar) e Saint-John Perse (Guadeloupe). O Liberation não gosta do critério, até porque, seguindo-o, a França ficaria apenas com onze prémios, menos um dos que os Estados Unidos, que têm doze…
 
No que respeita a sugestões para uma bibliografia essencial, o Figaro selecionou cinco títulos de leitura obrigatória - La Place de l'étoile (1968), Rue des Boutiques Obscures (1978), Dora Bruder (1997), Un pedigree (2005) e Lacombe Lucien (avec Louis Malle, 1974). O Guardian também escolheu cinco títulos, sendo quatro comuns – a única diferença é a saída da lista de Lacombe Lucien e a entrada de Voyage des Noces (1990). Desta seleção estão editados em português A Rua das Lojas Escu­ras (Reló­gio d’Água) e Dora Bru­der (Edi­ções ASA).
 
Falando agora um pouco mais da obra de Patrick Modiano, refiro em primeiro lugar a crónica do escritor José Riço Direitinho no Público, “Um Nobel em busca do tempo perdido”. Para ele, “toda a obra de Patrick Modiano é uma espécie de luta contra o esquecimento, um sublinhar dos caminhos redentores da memória e da ficção.” Mais:

A errância das personagens em busca de um tempo perdido (antigos cafés que, por exemplo, se transformaram em boutiques de luxo que vendem malas de pele de crocodilo) acompanha a esperança de se entenderem e ao mesmo tempo desvelam ao leitor também uma parte do seu mistério, e não poucas vezes, do seu trágico fim.
 
A leitura de uma entrevista dada pelo escritor ao El Pais em 2009, e agora repescada por aquele jornal, ajuda a compreendê-lo melhor. Reparem nesta descrição da forma como trabalha:

Patrick Modiano es muy alto, muy amable, algo torpe y muy tímido. Duda al hablar, le cuesta acabar las frases y su muletilla favorita es "no sé si me explico". Vive en una vieja casa a la espalda del Jardín de Luxemburgo, no muy lejos del barrio donde pasó parte de su infancia: todo un síntoma de su relación con el tiempo y la memoria. El cuarto desde el que escribe es una habitación semicircular, tapizada de libros con una ventana también muy alta que da a un jardincito interior. Hay un diván arrugado en el que se sienta a leer cuando no trabaja. Escribe dos o tres horas al día sentado a una mesa colocada frente a la ventana y al jardín. Nunca más. Asegura que si hiciera caso a su carácter, terminaría sus novelas de un tirón, sin detenerse, pero que se obliga a refrenarse y a parar cuando han pasado esas dos horas a fin de mantener una tensión que sólo él percibe pero que, según él, es esencial para que la obra culmine.
 
Termino sem sair de Espanha, para citar José Carlos Llop, um dos críticos do ABC, o diário reputado por ter a melhor critica literária do país vizinho. É um texto que é quase uma carta de amor e começa assim:

Recuerdo la tarde en que compré la primera edición en español de «Villa Triste», la novela de Modiano que acaba de publicar ahora Anagrama [el libro fue editado en 2009]. Fue en el invierno de 1976 y uno de los neones de la librería donde lo hice, parpadeaba con luz grisácea. Yo tenía veinte años y quizá eso contribuyera -el protagonista de «Villa Triste» tenía, más o menos, la misma edad- a que aquella novela llegara a ser una de las principales novelas de mi juventud. Como Patrick Modiano llegaría a ser uno mis autores contemporáneos favoritos.
 
Hoje, mais do que nunca, só me resta desejar que leiam, leiam muito.
Título, Imagem e Texto: José Manuel Fernandes, 9-10-2014 

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