sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Brasil deve observar e aprender com a União Europeia

Francisco Vianna 
A experiência inusitada da criação da União Europeia surgiu da necessidade dos países do Velho Continente (e do mundo em geral) em suprimir o perigoso nacionalismo de seus estados membros, com a finalidade de evitar que esse nacionalismo exacerbado viesse a criar uma situação de conflito parecida como a que, há seis décadas, levou a humanidade à Segunda Guerra Mundial. Contribuiu também o anseio de muitos europeus de criar um contraponto à hegemonia estadunidense, ou seja, uma espécie de “Estados Unidos da Europa”, numa iniciativa que começou com o Tratado de Maastricht.

Apesar da facilidade de mobilização dos europeus através de suas fronteiras e da unidade monetária forte adquirida, a inexistência de um sentimento de “pátria europeia” e a crescente exacerbação do velho sentimento de nacionalismo em cada um dos seus estados membros, deixa bem claro as limitações que impossibilitam a União Europeia de funcionar como um nação unificada, mas apenas como um bloco comercial de conveniência. É esse sentimento persistente que faz com que a taxa de desemprego seja crescente, o que coincide com uma rampante frustração dos seus povos com a elite dirigente do bloco que tem a pretensão de virar nação.

Se alguém razoavelmente informado viajar pela Europa e observá-la com atenção, verá que os seus países membros estão tendo respostas heterogêneas à atual crise internacional, uma vez que as reações dos países chaves da zona do euro apresentam uma atitude diferente com relação ao desenvolvimento econômico dos países ditos “periféricos”, com relação inclusive à própria base monetária.

Existem inúmeros fatores geoeconômicos que explicam tais disparidades, sem falar nas reprimidas diferenças políticas. De um modo geral, os países sulistas do Velho Continente aparentemente não conseguem resolver o dilema de seus altos custos de funcionamento, de altas taxas de estatização, de uma população altamente acostumada a benesses estatais, por um lado e, por outro, de sua baixa capacidade de produção e de geração de riqueza (PIB), nem de longe comparada com a dos países do norte e do centro europeu.

A Espanha, por exemplo, é um caso emblemático desses fatores geoeconômicos. Um país que sempre se debateu com sérios obstáculos geográficos, que sempre dificultaram a mobilização de bens e pessoas ao longo do seu território peninsular, sempre se viu às voltas com a formação de bolsões populacionais que acabaram por gerar fortes identidades nacionais. Assim, é notório o conflito latente e às vezes ativo entre Madri e a Catalunha, a Galícia, e o País Basco, apenas para citar os principais.

O próprio Portugal teve sua origem em tais fatos geossociais.

Pobre em recursos naturais e em identidade nacional, à Espanha sobrou a opção de avançar em direção ao mar, ao Atlântico, em busca dessas riquezas no chamado Novo Mundo, desde os tempos das Grandes Navegações. Domesticamente, não raro, o país tem recorrido à violência para manter a sua unidade nacional. 

Já a Alemanha, sendo uma área plana, não enfrenta tais dificuldades e não deve ter sido muito difícil para Otto von Bismarck— Ministro e Presidente da Prússia — unificar os povos germânicos (que falavam o idioma alemão) mesmo sem ter tido provavelmente um plano adrede elaborado para fazê-lo a partir da expansão da Confederação da Alemanha do Norte em 1866, passando a incluir os demais estados independentes numa única entidade, ou de simplesmente expandir o poder do Reino da Prússia, o que, sob a ótica geopolítica dava no mesmo. O certo é que a Realpolitik de Bismarck, fez com que a Alemanha se tornasse uma nação com forte sentimento nacionalista, que se exacerbou na década de 1930 sob o controle do Partido dos Trabalhadores do Nacional Socialismo da Alemanha.

Os vales hidrográficos da Alemanha, o do Reno, o do Elba e o do Danúbio têm abençoado todas as pessoas que vivem nas suas imediações, possibilitando a elas a geração de riquezas incalculáveis para as cidades comerciais, como Frankfurt e Colônia. Mas, nem sempre toda essa riqueza significou paz para os seus habitantes, haja vista a grande quantidade de castelos e fortificações em ambos os lados de suas margens, a lembrar o estado de fragmentação em que o mundo alemão viveu durante séculos. Também a praticamente inexistência de fronteiras físicas tanto para leste como para oeste, faz com que o observador tenha uma explicação nítida do conflito histórico da Alemanha com sua vizinhança.

Na Espanha, as carreteras, como são chamadas as autoestradas do país, parecem quase vazias em relação às autobahns – as superestradas alemãs – sempre com grande densidade de tráfego de veículos, predominantemente caminhões e carretas levando em seu bojo uma produção industrial poderosa. Quanto mais tempo se permanece na Alemanha, mais nítida e compreensível se torna a crise econômica que assola os chamados países periféricos da União Europeia, como a Grécia por exemplo.

A Grécia é um país de estreitas planícies costeiras que rapidamente dão lugar a montanhas. Para complicar as coisas, o país tem cerca de 6.000 ilhas e ilhotas, onde apenas um punhado delas é habitado. Com uma geografia extremamente fragmentada e uma posição estratégica no Mediterrâneo oriental, a Grécia não é difícil de ser entendida por que tem lutado ao longo da história para realizar qualquer coisa. O desenvolvimento de uma economia grega integrada a uma entidade supranacional como a União Europeia assoma no horizonte do bloco como uma tarefa difícil.

A Grécia foi o país europeu que mais aproveitou a estabilidade do euro para financiar a “distribuição socialista de renda” entre seus habitantes e a estatizar ao máximo a sua economia, daí o mergulho intenso ao fosso da pobreza, tendo de tornado o cugar onde a crise internacional de 2008 se abateu primeiro e onde teve o seu impacto mais profundo. Pelas ruas de Atenas vê-se a todo instante os sinais do estrago socialista da última década. O centro da cidade está repleto de lojas fechadas com janelas quebradas, pichações e outros sinais de abandono de longo prazo. Em Atenas, há muito mais policiais do que em qualquer outra grande cidade europeia. No entanto, isso não ocorre por causa de uma possível criminalidade, mas em função da agitação social. O grego hoje ainda não passou da fase de reclamar os “direitos perdidos” de proteção estatal para recomeçarem a empreender e, de um modo ou de outro, gerarem riqueza para soerguer a economia do país. A maioria ainda nutre a falsa esperança de que Atenas volte a lhe suprir o dinheiro fácil em troca de trabalho insignificante. Embora na Grécia de hoje a segurança das pessoas esteja relativamente controlada, a situação social ainda é uma bomba-relógio.

O mesmo ocorre no outro extremo, a oeste do Velho Continente, com o pequeno país chamado Portugal. Apesar de ter havido uma queda da taxa de desemprego – uma mostra de que o português, diferentemente do grego parece já ter arregaçado as mangas e posto mãos à obra – o que se vê, no entanto é ainda uma economia onde o único setor que ainda funciona é o do turismo. Apesar de apresentar melhores perspectivas econômicas que a Grécia, Portugal ainda tem uma economia travada, estática, onde a carência de investimentos externos é ainda muito insuficiente e a produção de riqueza interna está longe de ser satisfatória. A herança maldita da estatização que ocorreu no país após a chamada “revolução dos cravos”, ainda pesa enormemente sobre os portugueses. A espetaculosidade monumental de cidades como Lisboa e Porto, convive tristemente com uma pobreza de há muito não vista neste país e causada pela depressão econômica. Quando estive em Portugal e visitei estas e outras cidades, em 2000, era visível a efervescência econômica produzida, contudo, sob os auspícios dos bancos nacionais estimulados com as falsas garantias do governo de Lisboa. Hoje, apesar de o país ter completado seu programa de resgate com a União Europeia e com o FMI em janeiro e fevereiro último, a vida dos portugueses ainda permanece difícil e o país não conseguiu recuperar a confiança do grande capital internacional para que se sinta estimulado a investir pesadamente por lá.

Para o hipotético viajante e observador citado acima, salta aos olhos que os problemas econômicos europeus vêm se transformando também em problemas políticos, piorados, como soem ocorrer, entre uma elite que tenta restaurar o empreendedorismo privado e atrair mais capital externo para ser investido nos seus estados membros, e uma massa de eleitores ainda saudosos das falsas benesses distribuídas pelo estado a custa de um formidável e crescente endividamento. Isso faz com que, em muitos de seus países membros as pessoas estema se tornando cada vez mais cansadas das políticas concebidas por Bruxelas e apoiadas por políticos domésticos. Assim, o discurso antiausteridade e a mentalidade distributiva do enganoso socialismo recomeçam a ganhar força de com seus temas antiestablishment, que em alguns casos ganham um aroma germânico.
                                                              
Circula, na cidade do Porto, entre os best-sellers, um livro chamado “Nós não somos alemães”, enquanto em Roma um livro chamado “Não vale a pena a Lira” é um apelo claro para abandonar o euro e a Itália voltar à sua antiga moeda, o que parece ser um desejo bastante popular. Não é coincidência que Portugal e Itália sempre foram os países que mais se entregaram aos devaneios socialistas, desde a queda de Francisco Salazar e a reconstrução italiana do pós-guerra com as benesses norteamericanas do Plano Marshall.

Apesar de os europeus do sul (da faixa do Mediterrâneo) temerem e ao mesmo tempo admirarem a Alemanha, por verem o país centro europeu como um lugar onde tudo funciona bem com seus governos eficientes e bem dimensionados, é certo também que a hegemonia tedesca é tida pela vizinhança sulista como sendo desligada e despreocupada com a situação desses países com os quais quer criar uma espécie de “Estados Unidos da Europa”.

O grande repto dos socialdemocratas europeus, que têm tradicionalmente abraçado o processo de integração europeia, é, todavia a incongruência, por mais demonstrada que tenha sido, de oferecer prosperidade econômica através de estados de bem-estar social (welfare states) grandes e forte em sua legislação trabalhista. Não veem que tal modelo está em crise e desacreditado em muitos países, onde os governos e até mesmo de viés socialista estão a aplicar cortes de gastos públicos sob pressão do Parlamento Europeu.

Enquanto as forças conservadoras estão se movendo no sentido antiestatista e as forças estatizantes estão ganhando força, os socialdemocratas passam por uma crise de identidade que está gerando atritos dentro dos partidos e confundindo seus eleitores tradicionais – uma coisa que o presidente francês, François Hollande, está aprendendo da maneira mais difícil.

Junto com o conceito de democracia, a Grécia Antiga também desenvolveu o conceito de “cleptocracia”. Toda vez que você falar com os gregos sobre política, uma palavra vem à boca quase imediatamente: "kleptos", que significa, literalmente, "roubo” e “ladrões". A maioria dos europeus do Sul têm opiniões semelhantes de seus governos. Qualquer semelhança com os países da América latina NÃO é mera coincidência...

E enquanto não há uma grande lacuna entre o que as pessoas dizem em conversas e do jeito que votar, estes sentimentos antiestablishment não se amenizarão tão cedo – e irá manter ameaçando a sobrevivência da União Europeia.

Será que não podemos ser espertos o suficiente para tirar as devidas lições do Velho Mundo e aplicá-las ao Brasil?
Pensem nisso...
Título e Texto: Francisco Vianna, 7-11-2014

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