Francisco Vianna
A experiência inusitada da
criação da União Europeia surgiu da necessidade dos países do Velho Continente
(e do mundo em geral) em suprimir o perigoso nacionalismo de seus estados
membros, com a finalidade de evitar que esse nacionalismo exacerbado viesse a
criar uma situação de conflito parecida como a que, há seis décadas, levou a
humanidade à Segunda Guerra Mundial. Contribuiu também o anseio de muitos
europeus de criar um contraponto à hegemonia estadunidense, ou seja, uma
espécie de “Estados Unidos da Europa”, numa iniciativa que começou com o Tratado de Maastricht.
Apesar da facilidade de
mobilização dos europeus através de suas fronteiras e da unidade monetária
forte adquirida, a inexistência de um sentimento de “pátria europeia” e a
crescente exacerbação do velho sentimento de nacionalismo em cada um dos seus
estados membros, deixa bem claro as limitações que impossibilitam a União Europeia
de funcionar como um nação unificada, mas apenas como um bloco comercial de
conveniência. É esse sentimento persistente que faz com que a taxa de
desemprego seja crescente, o que coincide com uma rampante frustração dos seus
povos com a elite dirigente do bloco que tem a pretensão de virar nação.
Se alguém razoavelmente
informado viajar pela Europa e observá-la com atenção, verá que os seus países
membros estão tendo respostas heterogêneas à atual crise internacional, uma vez
que as reações dos países chaves da zona do euro apresentam uma atitude
diferente com relação ao desenvolvimento econômico dos países ditos
“periféricos”, com relação inclusive à própria base monetária.
Existem inúmeros fatores
geoeconômicos que explicam tais disparidades, sem falar nas reprimidas
diferenças políticas. De um modo geral, os países sulistas do Velho Continente
aparentemente não conseguem resolver o dilema de seus altos custos de
funcionamento, de altas taxas de estatização, de uma população altamente
acostumada a benesses estatais, por um lado e, por outro, de sua baixa
capacidade de produção e de geração de riqueza (PIB), nem de longe comparada
com a dos países do norte e do centro europeu.
A Espanha, por exemplo, é um
caso emblemático desses fatores geoeconômicos. Um país que sempre se debateu
com sérios obstáculos geográficos, que sempre dificultaram a mobilização de
bens e pessoas ao longo do seu território peninsular, sempre se viu às voltas
com a formação de bolsões populacionais que acabaram por gerar fortes identidades
nacionais. Assim, é notório o conflito latente e às vezes ativo entre Madri e a
Catalunha, a Galícia, e o País Basco, apenas para citar os principais.
O próprio Portugal teve sua
origem em tais fatos geossociais.
Pobre em recursos naturais e
em identidade nacional, à Espanha sobrou a opção de avançar em direção ao mar,
ao Atlântico, em busca dessas riquezas no chamado Novo Mundo, desde os tempos
das Grandes Navegações. Domesticamente, não raro, o país tem recorrido à
violência para manter a sua unidade nacional.
Já a Alemanha, sendo uma área
plana, não enfrenta tais dificuldades e não deve ter sido muito difícil para
Otto von Bismarck— Ministro e Presidente da Prússia — unificar os
povos germânicos (que falavam o idioma alemão) mesmo sem ter tido provavelmente
um plano adrede elaborado para fazê-lo a partir da expansão da Confederação da
Alemanha do Norte em 1866, passando a incluir os demais estados independentes
numa única entidade, ou de simplesmente expandir o poder do Reino da
Prússia, o que, sob a ótica geopolítica dava no mesmo. O certo é que a Realpolitik de
Bismarck, fez com que a Alemanha se tornasse uma nação com forte sentimento
nacionalista, que se exacerbou na década de 1930 sob o controle do Partido dos
Trabalhadores do Nacional Socialismo da Alemanha.
Os vales hidrográficos da
Alemanha, o do Reno, o do Elba e o do Danúbio têm abençoado todas as pessoas
que vivem nas suas imediações, possibilitando a elas a geração de riquezas
incalculáveis para as cidades comerciais, como Frankfurt e Colônia. Mas, nem
sempre toda essa riqueza significou paz para os seus habitantes, haja vista a
grande quantidade de castelos e fortificações em ambos os lados de suas
margens, a lembrar o estado de fragmentação em que o mundo alemão viveu durante
séculos. Também a praticamente inexistência de fronteiras físicas tanto para
leste como para oeste, faz com que o observador tenha uma explicação nítida do
conflito histórico da Alemanha com sua vizinhança.
Na Espanha, as carreteras, como são chamadas as
autoestradas do país, parecem quase vazias em relação às autobahns – as superestradas alemãs – sempre com grande densidade
de tráfego de veículos, predominantemente caminhões e carretas levando em seu
bojo uma produção industrial poderosa. Quanto mais tempo se permanece na
Alemanha, mais nítida e compreensível se torna a crise econômica que assola os
chamados países periféricos da União Europeia, como a Grécia por exemplo.
A Grécia é um país de
estreitas planícies costeiras que rapidamente dão lugar a montanhas. Para
complicar as coisas, o país tem cerca de 6.000 ilhas e ilhotas, onde apenas um
punhado delas é habitado. Com uma geografia extremamente fragmentada e uma
posição estratégica no Mediterrâneo oriental, a Grécia não é difícil de ser
entendida por que tem lutado ao longo da história para realizar qualquer coisa.
O desenvolvimento de uma economia grega integrada a uma entidade supranacional
como a União Europeia assoma no horizonte do bloco como uma tarefa difícil.
A Grécia foi o país europeu
que mais aproveitou a estabilidade do euro para financiar a “distribuição
socialista de renda” entre seus habitantes e a estatizar ao máximo a sua
economia, daí o mergulho intenso ao fosso da pobreza, tendo de tornado o cugar
onde a crise internacional de 2008 se abateu primeiro e onde teve o seu impacto
mais profundo. Pelas ruas de Atenas vê-se a todo instante os sinais do estrago
socialista da última década. O centro da cidade está repleto de lojas fechadas
com janelas quebradas, pichações e outros sinais de abandono de longo prazo. Em
Atenas, há muito mais policiais do que em qualquer outra grande cidade
europeia. No entanto, isso não ocorre por causa de uma possível criminalidade,
mas em função da agitação social. O grego hoje ainda não passou da fase de
reclamar os “direitos perdidos” de proteção estatal para recomeçarem a
empreender e, de um modo ou de outro, gerarem riqueza para soerguer a economia
do país. A maioria ainda nutre a falsa esperança de que Atenas volte a lhe
suprir o dinheiro fácil em troca de trabalho insignificante. Embora na Grécia
de hoje a segurança das pessoas esteja relativamente controlada, a situação
social ainda é uma bomba-relógio.
O mesmo ocorre no outro extremo, a oeste
do Velho Continente, com o pequeno país chamado Portugal. Apesar de ter havido
uma queda da taxa de desemprego – uma mostra de que o português, diferentemente
do grego parece já ter arregaçado as mangas e posto mãos à obra – o que se vê,
no entanto é ainda uma economia onde o único setor que ainda funciona é o do
turismo. Apesar de apresentar melhores perspectivas econômicas que a Grécia,
Portugal ainda tem uma economia travada, estática, onde a carência de
investimentos externos é ainda muito insuficiente e a produção de riqueza
interna está longe de ser satisfatória. A herança maldita da estatização que
ocorreu no país após a chamada “revolução dos cravos”, ainda pesa enormemente
sobre os portugueses. A espetaculosidade monumental de cidades como Lisboa e
Porto, convive tristemente com uma pobreza de há muito não vista neste país e
causada pela depressão econômica. Quando estive em Portugal e visitei estas e
outras cidades, em 2000, era visível a efervescência econômica produzida,
contudo, sob os auspícios dos bancos nacionais estimulados com as falsas
garantias do governo de Lisboa. Hoje, apesar de o país ter completado seu
programa de resgate com a União Europeia e com o FMI em janeiro e fevereiro
último, a vida dos portugueses ainda permanece difícil e o país não conseguiu
recuperar a confiança do grande capital internacional para que se sinta
estimulado a investir pesadamente por lá.
Para o hipotético viajante e
observador citado acima, salta aos olhos que os problemas econômicos europeus
vêm se transformando também em problemas políticos, piorados, como soem
ocorrer, entre uma elite que tenta restaurar o empreendedorismo privado e
atrair mais capital externo para ser investido nos seus estados membros, e uma
massa de eleitores ainda saudosos das falsas benesses distribuídas pelo estado
a custa de um formidável e crescente endividamento. Isso faz com que, em muitos
de seus países membros as pessoas estema se tornando cada vez mais cansadas das
políticas concebidas por Bruxelas e apoiadas por políticos domésticos. Assim, o
discurso antiausteridade e a mentalidade distributiva do enganoso socialismo
recomeçam a ganhar força de com seus temas antiestablishment,
que em alguns casos ganham um aroma germânico.
Circula, na cidade do Porto, entre os
best-sellers, um livro chamado “Nós não somos alemães”, enquanto em Roma um
livro chamado “Não vale a pena a Lira” é um apelo claro para abandonar o euro e
a Itália voltar à sua antiga moeda, o que parece ser um desejo bastante
popular. Não é coincidência que Portugal e Itália sempre foram os países que
mais se entregaram aos devaneios socialistas, desde a queda de Francisco
Salazar e a reconstrução italiana do pós-guerra com as benesses norteamericanas
do Plano Marshall.
Apesar de os europeus do sul
(da faixa do Mediterrâneo) temerem e ao mesmo tempo admirarem a Alemanha, por
verem o país centro europeu como um lugar onde tudo funciona bem com seus
governos eficientes e bem dimensionados, é certo também que a hegemonia tedesca
é tida pela vizinhança sulista como sendo desligada e despreocupada com a
situação desses países com os quais quer criar uma espécie de “Estados Unidos
da Europa”.
O grande repto dos
socialdemocratas europeus, que têm tradicionalmente abraçado o processo de
integração europeia, é, todavia a incongruência, por mais demonstrada que tenha
sido, de oferecer prosperidade econômica através de estados de bem-estar social
(welfare states) grandes e forte em
sua legislação trabalhista. Não veem que tal modelo está em crise e
desacreditado em muitos países, onde os governos e até mesmo de viés socialista
estão a aplicar cortes de gastos públicos sob pressão do Parlamento Europeu.
Enquanto as forças
conservadoras estão se movendo no sentido antiestatista e as forças
estatizantes estão ganhando força, os socialdemocratas passam por uma crise de
identidade que está gerando atritos dentro dos partidos e confundindo seus
eleitores tradicionais – uma coisa que o presidente francês, François Hollande,
está aprendendo da maneira mais difícil.
Junto com o conceito de
democracia, a Grécia Antiga também desenvolveu o conceito de “cleptocracia”.
Toda vez que você falar com os gregos sobre política, uma palavra vem à boca
quase imediatamente: "kleptos",
que significa, literalmente, "roubo” e “ladrões". A maioria dos
europeus do Sul têm opiniões semelhantes de seus governos. Qualquer semelhança
com os países da América latina NÃO é mera coincidência...
E enquanto não há uma grande
lacuna entre o que as pessoas dizem em conversas e do jeito que votar, estes sentimentos
antiestablishment não se amenizarão
tão cedo – e irá manter ameaçando a sobrevivência da União Europeia.
Será que não podemos ser espertos
o suficiente para tirar as devidas lições do Velho Mundo e aplicá-las ao
Brasil?
Pensem nisso...
Título e Texto: Francisco Vianna, 7-11-2014
Relacionado:
Traveling Through Multiple Europes
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-