João Afonso Machado
Era uma presença diária na Faculdade, vão lá tantos anos. Chamava-se Luís e, invariavelmente, vestia um fato impecável, calça, casaco e colete, gravata lustrosa, a pasta "à diplomata" na mão e lugar cativo numa mesa do bar. Não havia assunto em que não manifestasse doutíssima opinião e era a imagem bem acabada de um assistente. Previa invariavelmente o fim do mundo, tal a nojeira dos costumes, e os mais incautos tratavam-no por "Senhor Doutor".
E, no entanto, sequer era
aluno. Ou estudante em outro lugar qualquer. Nada. A sua vida era aquilo: o
fato, a presença constante no bar da Faculdade e uma pasta cheia de papéis amarrotados
sem, ao menos, o ar severo de documentos, dossiers.
Mais assegurava ser de uma
família da maior nobreza, primo chegado do Rei de Espanha, um dos possiveis
herdeiros do Trono espanhol.
De tudo ficou-lhe uma alcunha:
o Rei de Espanha. Assim a modos do Imperador Smith do
Lucky Luke.
Não foi além do bar da
Faculdade. Nada mais soube dele, três décadas é muito tempo, talvez não tenha
sido internado no lugar próprio para cuidar de tais megalomanias. E a
inexistência de redes sociais, então, tolheu-lhe a projecção de que tanto
gostaria.
O Luís, se ainda vive o mesmo
culto de si mesmo, há-de decerto andar hoje pelo Facebook. Isto a avaliar pela
muita loucura que lá grassa. Pelos muitos reizinhos que povoam aquelas páginas
e grupos, completamente à solta a tolice e a imaginação. E, o que é bastante
mais grave, a maldicência e a total ausência de educação.
Entenda-se: não é o Facebook
que está em causa; o mal reside em os imensos excêntricos que pululam
de volta dos computadores desconhecerem como se comportam os seus
congéneres britânicos no Speakers Corner.
O mais é apenas uma questão de
tolerância e caridade. Coitados!
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