José Mendonça da Cruz
A entrevista do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, à RTP1, ontem, tranquilizou-me e
deu-me esperança. Ela foi tranquilizadora de uma maneira detestável para os
socialistas, e esperançosa de uma forma que o velho Portugal dos interesses
abomina.
Passos Coelho foi
institucional quando devia ser e acerca dos temas em que deve sê-lo. Afirmou a
«confiança nas instituições», a tranquilidade de ver «a justiça faz(er) o seu
trabalho», e absteve-se de comentar a situação do PS pós detenção de Sócrates,
se fica com mais ou menos dos seus homens, porque «isso é com o PS». Houve quem
lhe criticasse a frieza, e compreende-se; é outro Mundo de normalidade
democrática quando comparado com as frases emocionais e patéticas de
anarquistas serôdios às portas de uma cadeia (fruto talvez da tal «ética republicana»).
Foi pedagógico quando pareceu
justo para a situação e para o seu governo que o fosse: como quando lembrou, a
propósito da Justiça, que o que dá intranquilidade aos portugueses é a tentação
de abafar casos quando envolvem altos
quadros do Estado; ou quando recentrou a questão do BES, recordando que a culpa
«não foi da supervisão, foi da má gestão»; ou quando explicou que os que
defendem a intervenção na PT «estratégica» estão a defender a nacionalização,
ou seja, o uso de dinheiro dos contribuintes para resolver questões privadas, e
que são essas intervenções do Estado que levantam dúvidas sobre que interesses
estão afinal a ser protegidos.
Não passou nem meia hora para
que viesse Vieira da Silva, ministro e amigo de Sócrates, criticar em nome do PS
o governo porque «se demite em questões fundamentais». Assim confirmava o que
Passos Coelho dissera na entrevista: que o procedimento do governo marcava «uma
importante diferença». Marca. É outro mundo de mercado livre, previsibilidade e
transparência.
Passos Coelho foi liberal onde
devia -- na defesa da decisão de deixar os privados da PT entregues aos seus
erros e longe do nosso dinheiro -- e prudente onde era bom que o fosse -- na
defesa de uma solução para o risco sistémico da falência do BES, com redução ao
mínimo do risco para os contribuintes. Esteve fiel ao mundo que recusou 2,5 mil
milhões do nosso dinheiro a um Ricardo Salgado falido, um mundo nos antípodas
dos que julgam que o dinheiro aparece sempre e que o governo «quis atirar o BES
para o charco».
Foi categórico onde a
credibilidade recomenda que o seja (a meta do défice abaixo dos 3% para 2015 é
«um ponto de honra» para o seu governo) e serenamente optimista como ainda não
o víramos sê-lo (quando considerou que era razoável uma «perspectiva de aumento
de rendimentos e bem-estar», embora avisando que não é do curto prazo). O
porta-voz socialista veria aqui uma prova de que o primeiro-ministro está
«gasto» e que «não dá alento». Mas compreende-se que o PS não compreenda: este
Mundo das contas certas está a anos luz da governação «feroz», «combativa»,
«optimista» e «dinâmica» que o PS tanto aprecia e que só abandona quando a
bancarrota exige outro governo que endireite as coisas e dispare sobre as
fantasias ruinosas.
Passos Coelho foi, por fim, claro
e positivo sobre o futuro das contas públicas: a carga fiscal é «excessiva», e
o governo quer baixar o IRS, mas «o que temos que fazer mesmo é reduzir a
despesa para baixar os impostos». E deixou a justa dúvida sobre se o Tribunal
Constitucional deixa. Não houve tempo para falar do IRC, mas ele baixou e
continuará a baixar, «isso está feito», disse o primeiro-ministro.
Mas para Vieira da Silva, a
entrevista foi «uma desilusão». E como não haveria de sê-lo para o porta-voz ad
hoc do partido que subscreveu a reforma do IRC e, tão cedo mudou de líder,
renegou o que assinara (já treinara isto com o Memorando)? É que são mundos
diferentes: o governo quer deixar mais dinheiro nas empresas para que estas
invistam e empreguem; o PS quer tirar mais dinheiro às empresas, para o
investir ele e ser ele a dar emprego.
E conseguiu o
primeiro-ministro, nesta entrevista, ser entusiástico e caloroso, prometer dias
radiosos, prever amanhãs que cantam? Não, não conseguiu. Não tentou. Foi
reservado, foi comedido, foi político. É uma coisa dele. É uma coisa que dista
galáxias e tem nojo a esse mundo em que se promete a salvação com proclamações
suicidárias de renegociação da dívida (em vez de pela melhoria de juros e
maturidades, como mesmo agora o governo fez novamente com a discreção
apropriada), em que se promete obter «da Europa» o que «a Europa» vinte vezes
reiterou que não dá (nem a nós, nem à Grécia, nem a Itália, nem a França) e em
que se aposta em «políticas de crechimento» que, como com Sócrates, obtêm taxas
de crescimento negativas, e em «políticas para as pessoas» que, como no governo
socialista, não páram a subida em flecha do desemprego que ultrapassou os 10%
antes da crise.
É, é de facto outro mundo.
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