José Manuel
Estava lendo uma das dezenas
de reportagens diárias sobre esses ladrões contumazes do dinheiro público, que
estão presos neste momento na Polícia Federal, no Paraná, para lá passar uma
boa temporada, inclusive as festas de fim de ano, e li também que
estavam revoltadíssimos por estar dormindo em colchões no chão frio,
mas, ao mesmo tempo, com a soberba em alta, bebendo água
mineral Evian e chocolates, ambos importados, comprados
certamente com o seu, o meu, o nosso dinheiro.
Também li que alguns haviam
feito reservas para passar esta época em hotéis da Europa e dos EUA, gastando à
vontade divisas made in Brazil, mas
estavam começando a ficar depressivos e já pensavam em entrar para o rol dos
delatores a fim de abreviar as sua penas, porque quem tem, tem medo, e mexer no
bolso deles é uma das melhores formas corretivas que existem, além da cana, é
claro.
Aí, eu tive a atenção chamada
para detalhes que parecem não ter valor, para eles, é óbvio, mas que são de uma
importância única, pois nos mostram claramente onde, como e quando um ser
humano se coloca perante a sua situação temporal e moral, ao longo da vida.
Os colchões, por exemplo,
colocados em um chão frio, não são iguais para todos, e a cada exemplo de
bom ou mau uso deles podem se transformar em atos de heroísmo altruísta ou
resultados de atos de bandidagem explícita.
Para exemplificar melhor,
os colchões lá na Polícia Federal em Curitiba, não têm o mesmo valor moral
daqueles do Santos Dumont e de Brasília, se me entendem bem.
Em Curitiba, eles se prestam
somente para sonos nada reparadores, na maioria noites insones e tragédias
pessoais auto impostas.
Certamente o desespero frente
a uma situação até então insólita e descabida para a quadrilha, pois as suas
atitudes nunca são erradas, eles jamais se consideram contraventores, os
deve estar levando a uma situação talvez irreversível com resultados
muito próximos de um grave surto psíquico ou mesmo de um acidente de percurso
prematuro, pelos resultados que poderão advir dos desdobramentos futuros.
Já os colchões do aeroporto ou
os do Congresso, apesar de terem estado no mesmo chão frio, nunca provocariam
semelhante situação escabrosa a ponto de chegar a tragédias pessoais.
Os nossos colchões
do Aerus eram extremamente confortáveis, apesar de todo o cansaço
pela excitação positiva durante o dia e nos proporcionavam um sono
reparador durante a noite, sem culpas, muito pelo contrário, com a certeza de
um dever a ser cumprido.
A alimentação, tanto dos que
puderam como a dos que não puderam, nunca teve nem água, tampouco chocolates
importados, mas ninguém teve surtos disso ou daquilo, sendo, apesar de tudo,
uma estada leve e inesquecível pelos fatos e acontecimentos inerentes aos atos.
Os livros, são outro aspecto
importante a ser comentado, pois a escolha de suas leituras determina o estado
de leveza espiritual em que as pessoas se encontram.
A minha leitura à época por
exemplo, foi a suave Rosamunde Pilcher, fenomenal escritora britânica
que nos leva a viajar pelas paisagens da Escócia, em romances leves e
agradáveis.
Uma típica
leitura aconselhável para um ato desta magnitude, sem obrigações, sem
horários, apenas uma forma de passar o tempo com a tranquilidade espiritual
necessária ao momento.
Já em Curitiba, são
oferecidos livros para remissão de pena segundo uma lei estadual em que a cada
livro lido em trinta dias, dá direito a quatro dias de remissão.
Os livros mais lidos, por
incrível que pareça, mas que têm tudo a ver são Crime e Castigo, de Dostoievski, seguido de Incidente em Antares, de Érico Veríssimo, Sagarana, Grande Sertão
Veredas, ambos de Guimarães Rosa e Dom
Casmurro, de Machado de Assis.
Como se pode perceber,
leituras pesadas, mas intrinsecamente ligadas aos problemas pessoais
a que cada um dos que lá estão, está exposto.
Então, fazendo uma reflexão
sobre as leituras cotidianas, a vida aqui nos brinda novamente com as leis de
causa e efeito a que cada ser humano está ou sujeita-se ao longo de suas vidas.
Esta lei procura explicar os
acontecimentos da vida atribuindo um "motivo justo", e uma finalidade
proveitosa ou não para todos os acontecimentos com que se depara o homem,
inclusive o sofrimento.
Resumindo, cada um sempre terá
em suas vidas, o colchão e o livro que merece.
Título e Texto: José Manuel, ex-tripulante Varig,
22-12-2014
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