Manuel Villaverde Cabral
A desestatização da economia e
das corporações que vivem do orçamento de Estado faz parte de tal "reforma
do Estado" que toda a gente sabe que tem de ser feita mas ninguém tem
coragem de a fazer.
Este título é deliberado.
Significa que as empresas estatais são, simultaneamente, a base do
corporativismo extremo de boa parte dos assalariados portugueses, na senda do
antigo regime corporativo, e o maior cancro da economia portuguesa. Além destas
corporações entrincheiradas em privilégios multiplicados durante o 25 de Abril
(não é à toa que o ministério dos transportes foi o último a ser abandonado
pelo PCP em 1976), pouco mais resta para controlar a despesa pública do que a
corporação dos funcionários públicos (com a sua CGA; a Segurança Social é outra
questão), conforme a actual coligação tem tentado.
Vem isto a propósito da greve
contra a privatização TAP anunciada pelos respectivos sindicatos. Outro
episódio deste corporativismo é o da RTP. Já lá vamos. O custo das empresas
estatais eleva-se a dezenas de milhares de milhões de euros de dívidas
imparáveis. É preciso recordar ao novo líder do PS, quando invoca o memorando
assinado pelo governo Sócrates com a “troika”, que se tratava de um mínimo de obrigações
que está muito longe de ter sido atingido. A questão da desestatização da
economia e das corporações que vivem do orçamento de Estado é uma das mais
importantes delas. Faz parte de tal “reforma do Estado” que toda a gente sabe
que tem de ser feita mas ninguém tem coragem de a fazer!
A memória é curta mas eu ainda
me lembro da forma expedita como a Intersindical comunista – com a cumplicidade
aliás do embrião da futura UGT – acabou com a greve que os empregados da TAP
pretendiam fazer durante os dias a seguir ao 25 de Abril a fim de melhorar as
suas condições de trabalho. Na altura, porém, o PCP estava muito menos
preocupado com a melhoria dos trabalhadores do que com o futuro do “processo
revolucionário em curso” e, acima de tudo, com o destino das colónias
portuguesas, após a sua independência, entre a influência soviética e a
norte-americana. Retrospectivamente, é fácil de adivinhar o que queria – e
conseguiu – o PCP.
Agora é diferente e não é. Por
um lado, é certo que a primeira motivação dos actuais sindicatos é preservar os
privilégios corporativos do pessoal, evitando a todo o custo a privatização das
empresas estatais, praticamente todas falidas. Basta ver que há muitos anos só
há greves de alguma importância nas ditas empresas estatais. Esta é a tarefa da
CGTP. Por outro lado, o PCP, que nunca está longe daquele género de
movimentações sindicais, tem interesses mais vastos: arruinar as empresas,
aumentar a dívida pública, sair do euro e, como remate, apresentar a sua
alternativa à nossa cambaleante democracia eleitoral… É uma hipótese que muitos
descartam mas da qual o PCP não desiste e muitos “soberanistas” de esquerda e
até de direita também não. Razão tinha então Mário Soares quando nos levou para
a Comunidade Europeia a fim de resgatar a democracia.
O caso da TAP é paradigmático.
Estou à vontade, pois há muitos anos, quando se pensou pela primeira vez na
privatização da transportadora aérea, tempos depois da revisão constitucional
de 1982, escrevi contra essa ideia em nome preservação do “hub” de Lisboa.
Coisa rara, recebi uma carta de apreciação dos trabalhadores… E tinham razão em
agradecer, pois já na altura era evidente que a TAP constituía um poço de
despesas e de privilégios de todos os géneros. Seja como for, essa questão do
“hub” hoje tão assegurada quanto possível.
Mais decisivo do que isso é o
facto de os transportes aéreos sofrerem uma crise contínua de custos que já
levou à privatização da maioria das grandes companhias de bandeira europeias e
à proliferação de companhias apropriadamente chamadas de low cost. Sem elas, a
maior parte dos viajantes ficaria em terra, nomeadamente os turistas que têm
constituído um dos nossos principais mercados externos depois da virtual
bancarrota do regime estatista legado por Sócrates e os seus apoiantes! A greve
prometida para a quadra natalícia, na sequência de outras em nome da gestão da
companhia, é pois uma greve corporativa 100% política que só pode levar a uma
de duas saídas: a falência ou a desestatização. E algo equivalente se pode dizer
das empresas de transportes terrestres.
Por sua vez, a recente
rebelião da RTP contra o patrão-estado demonstra que o governo tinha toda a
razão em reduzir drasticamente o serviço público de televisão, conforme
anunciou, mas infelizmente foi incapaz de o cumprir, assim como tantas outras
medidas deixadas pelo caminho. Como antigo membro da comissão então nomeada
para definir esse serviço público, só posso confirmar as cedências de todo o
género do antigo ministro Relvas, o qual apenas pretendia assegurar a
continuação do controlo originário da RTP que vem desde Salazar. É lamentável,
mas só a privatização da RTP acabará com os prejuízos pagos por contribuintes,
cuja maioria já nem vê a televisão estatal, e porá termo à influência que os
governos nunca lá deixarão de ter. Razão tinha o governo grego quando fechou a
televisão estatal, poupando dinheiro e pondo fim a mais uma fonte de
contestação mediática.
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