terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Macroscópio – Para despedida de 2014 só nos faltava mais uma crise grega


José Manuel Fernandes
De certa forma, todos estavam à espera. Ontem, segunda-feira, o Parlamento grego fez a sua terceira tentativa para eleger um novo Presidente da República e, ao falhar, precipitou uma crise política, a queda do governo e a convocação de eleições. Destas poderá resultar a vitória do partido da esquerda radical Syriza, e ninguém consegue antever o que poderá acontecer a seguir.

Ontem mesmo analisámos, de forma aprofundada, esta nova crise grega num especial do Observador, Grécia ficou sem governo. E agora? Aí se notava, por exemplo, que quem deve ter deitado as mãos à cabeça com a queda do governo na Grécia foi Mario Draghi. De facto, “as novas eleições, agendadas para 25 de janeiro, acontecem três dias depois de uma reunião do Conselho de Governadores do Banco Central Europeu (BCE) em que muitos esperam que a autoridade monetária anuncie novos estímulos na zona euro, incluindo um programa generalizado de compra de dívida pública. Com tanta oposição interna a este programa, como conseguirá Mario Draghi reunir os consensos necessários no Conselho de Governadores para comprar dívida pública quando há um país na zona euro sem governo e com um partido anti-troika à frente nas sondagens?

No Suffragio, um site de informação internacional que procura tornar menos estranhos estes temas ao público norte-americano, há também uma boa descrição do que pode acontecer em “What to expect from Greece’s January snap elections”. Nesse texto chama-se a atenção para uma outra consequência indesejada da crise grega, o possível crescimento eleitoral do partido de inspiração neonazi:

Polls currently show that the hard-right, paramilitary Golden Dawn (
Χρυσή Αυγή) will likely remain the third-largest party in the parliament, notwithstanding the government’s 2013 crackdown on many of Golden Dawn’s leaders for inciting lethal violence. With an unapologetically militant anti-Roma, anti-immigrant and anti-Europe platform, Golden Dawn won 9.4% of the vote in May’s European parliamentary elections. If it repeats that result in January, it could potentially double the number of seats it holds in the Greek parliament.

A descrição mais apolalíptica deste novo desenvolvimento terá sido, como sucede tantas vezes, a do Telegraph (apesar de, desta vez, o autor da crónica não ser Ambrose Evans-Pritchard, mas Jeremy Warner: This Greek tragedy could end in utter ruin. Eis o seu ponto de vista:

It is sometimes argued that the rest of the single currency would actually be strengthened by a Greek exit, which might provide such a shocking example to others that they would finally get fully behind the programme. It might also prompt the ECB to put its divisions behind it, and embark on a full scale programme of quantitative easing. Yet to my mind, this is just wishful thinking. Once the markets have dislodged one member, the principle will be established: they will soon be picking off others. And it won’t be hard to do so, given the political instability that the euro has managed to create throughout much of Europe.

A decisão grega suscitou os editoriais de hoje dos nossos dois diários económicos. No Jornal de Negócios, o subdirector Celso Filipe, defendeu em Pecados, vítimas e "feelings" que “Portugal não pode ser vítima dos desmandos da Grécia ou dos "feelings" do mercado. Como também não pode ser vítima das agendas políticas que escamoteiam as realidades económicas.” E apontou o dedo a algumas dessas possíveis agendas políticas: “É esta mesma União Europeia que vai abrir em 2015 as portas do euro à frágil Letónia, como o fez anteriormente com a Estónia e a Eslováquia. Não por critérios económicos, mas para ganhar poder político na batalha que trava com a Rússia, através do aumento da sua área de influência. O euro funciona, assim, como uma espécie de moeda de troca.”

No Diário Económico, o director António Costa procurou expor-nos A lição da Grécia. Um dos pontos que destaca no seu editorial é o do programa político do Syriza, o partido favorito nas sondagens, apesar de o último documento oficial conhecido datar já de 2013. Dele “resultará a transformação da Grécia numa nova Albânia ou na repetição do modelo venezuelano. É claro que lá, como cá, a aproximação do poder, e a restrição financeira, são fortes incentivos a suavizar um plano político radical. Sobretudo num país que viveu, nos últimos 20 anos, o sabor do crédito fácil. Mas não será suficiente para aproximar o Syriza do que são os mínimos exigidos pelos credores oficiais, por que os outros, os institucionais, nem vão esperar, vão sair já.

Como chegámos aqui? Para procurar respostas a esta pergunta podemos encontrar bons contributos na crónica de Gideon Rachman no Financial Times que tem o sugestivo título de Eurozone’s weakest link is the voters. Eis uma boa descrição de como as coisas têm funcionado desde que se declarou a crise do euro:

The development of the euro crisis has always involved the interaction of three elements: politics, markets and economics. When things are improving, the three elements can create a virtuous circle: voters elect mainstream politicians, the markets relax and interest-rates fall, and so the real economy improves, strengthening the position of the political centre. Alternatively, a vicious circle can set in. Economic distress leads to political radicalisation which frightens markets, which leads to higher interest rates, a heavier debt burden and more austerity – which in turns leads to further political radicalisation.

Por vezes, neste processo, intervêm escolhas políticas com motivações que nem sempre serão as mais adequadas. Será que isso voltou a acontecer agora na Grécia, no decisivo, e fracassado, processo de negociação do fim do programa da troika? É essa pelo menos a tese deste colunista grego que escreve no Ekathimerini, em Who lost Greece. Eis como ele descreve o que se terá passado nessas negociações:

Just over a month ago, a tough behind-the-scenes battle was fought. The Commission lost and the IMF won. The motives are not yet clear. One explanation would be that the IMF and Schaeuble decided that Syriza would inevitably rise to power, with or without a deal. By pulling the rug from under Greece, they accelerated political developments. If things go awry, it will be interesting to see who will lose out. The IMF loan to Greece is safe. Europe may deem that Greece no longer poses a risk but it is too early to tell. Berlin will have to explain to German voters why the Greek success story failed. Greeks will suffer. “Who lost Greece?” could become the subject of future seminars.

Um dia far-se-á toda a história destas e outras negociações, mas estes recentes desenvolvimentos suscitam outro tipo de reflexões, como a que eu próprio escrevi este domingo, O idealismo é uma coisa muito perigosa. Nesse texto notei, por exemplo, que “a utopia de que a economia unificada pelo euro aproximaria os povos levou-nos a impasses que ainda hoje vivemos, com regras orçamentais a serem impostas para logo serem incumpridas, e com uma federalização de políticas que vai a par com revoltas cada vez menos surdas das periferias. A “vanguarda” continua a querer seguir em frente, mesmo quando os eleitorados dão sinais de resistência ou mesmo de inquietante deriva.” Recomendei por isso que se recuperasse algum realismo e se tivesse cuidado com as lideranças bem-intencionadas mas que tendem a não ter em consideração os sentimentos e a vontade dos eleitorados.

Robert D. Kaplan, jornalista autor de algumas obras importantes de política internacional, seguiu por um caminho não muito diferente num seu artigo reproduzido pela Real Clear World, The Virtue of Amoral Foreign Policy. Exactamente: Amoral. Ou seja:

A moral world is one in which perfection and black-and-white choices reign. A moral world in foreign policy is actually easy, and it will never exist. Meanwhile, we have only the real world of military powers competing in a state of anarchy, offering only difficult compromises that are more amoral than moral.

Mas antes de me despedir de 2014 – o Macroscópio regressará na próxima sexta-feira, 2 de Janeiro – quero deixar-vos uma nota de optimismo. Temos tendência a ser muito depressivos e a ver as árvores sem distinguir a floresta. Quando olhamos para o todo, descobrimos por vezes coisas muito surpreendentes - e positivas. Foi o que Fraser Nelson fez, na Spectator, em Why 2015 might well be mankind’s happiest new year. Exacto, o ano mais feliz. É que, com recurso a vários gráficos e diferentes fontes, mostra-se nesse artigo que a humanidade está a vencer a batalha com a maior parte das doenças; que nunca houve proporcionalmente tão poucos mortos em conflitos militares; que nunca foi tão baixa a parte da população dos países pobres em estado de subnutrição; e que as taxas de mortalidade infantil estão a cair dramaticamente. Nada mau para um mundo que vemos tantas vezes como estando cada vez pior.

Desejo-vos pois boas leituras, um bom ano novo e, claro, muitos festejos na meia-noite de mudança de calendário. Até 2015. 
Título, Imagem e Texto: José Manuel Fernandes, 30-12-2014

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