Vê com inquietação a
emigração, preocupa-se com um futuro em que seja mais difícil criar postos de
trabalho, mas defende que de alguma forma os portugueses deram a volta à crise.
Com muita sabedoria.
D. Manuel Clemente é
historiador e, talvez por isso, olha para o presente com a profundidade de quem
procura perceber as grandes tendências e o sentido da marcha do tempo. Talvez
por isso, por mais de uma vez, tenha referido, nos últimos anos, que Portugal
já dera suficientes provas de ser capaz de resistir às maiores crises. E agora,
como avalia a forma como o país enfrentou a atual crise?
O Patriarca diz que sente que
os portugueses conseguiram dar a volta à crise e que o fizeram com uma
dedicação muitas vezes inesperada. “Ficamos espantados como de tão
pouco se consegue tirar tanto para tanta gente”, disse-nos, invocando a sua
experiência com muitas organizações de solidariedade social ligadas à Igreja.
Também não se surpreende com a
ausência de excessos, que tantos previram face às dificuldades enfrentadas. “Há
muita sabedoria acumulada”, explica-nos antes de recordar a sua própria
experiência nos tempos logo a seguir ao 25 de Abril: “Tinha lá em casa a minha
avó materna, que já tinha 20 anos quando chegou a República e 27 quando foi o
Sidónio, e ela dizia-nos sempre ‘tenham calma, tenham calma, que isto
compõe-se’. E assim foi”.
Na sua ótica, “há um caldo de cultura que ajuda a ponderar, a perspetivar”, pelo que a forma como encara o país em 2015 é muito diferente – o país está muito diferente: “Coisas que se davam por adquiridas percebe-se que têm de ser conseguidas, conquistadas, com mais esforço. Isso é bom, é melhor do que aquela ideia de que tudo estava garantido”.
Entre os temas que mais o
preocupam está essa “geração inteira que está a chegar à altura em que devia
entrar na vida ativa, com uma formação técnica e cultural como nunca houve
antes, e que não tem possibilidades de o fazer aqui”.
Mas não é só a emigração que o
inquieta. Causa-lhe também enorme perplexidade a questão laboral, a falta de
investimento, a evolução tecnológica, todos os fatores que tornam mais difícil
criar muitos postos de trabalho. “Um montão de problemas, que se liga também ao
facto de longevidade crescer”, desabafa, acrescentando que o preocupa a
fragilização do mundo do trabalho, “essencial para dignidade humana”. É,
diz-nos, um problema que não se coloca só a nós, mas também a outros, um problema
que “é civilizacional”.
Haverá então risco de um
retrocesso civilizacional?
“Não seria a primeira vez. No
nosso quadro, nestes dois mil anos, houve avanços e recuos muito grandes. E não
podemos esquecer o século XX. As coisas nunca estão garantidas”.
Mesmo assim, ao interrogar-se
sobre se a humanidade caminha sempre no sentido positivo, lembra-se sempre de
uma frase do professor Padre Manuel Antunes: “Ele dizia que haverá sempre um
mais, e esse mais, para quem tiver consciência e reflexão, será sempre importante
se quisermos aprender com os erros para caminhar em frente com mais lucidez. Eu
espero que seja assim”.
(…)
Entrevista a Maria João Avillez e José Manuel Fernandes, Observador,
23-12-2014
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