quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Alinhando o discurso: como “falar ao coração” não é tão simples quanto parece

Luciano Henrique
A leitura de David Horowitz deve ocorrer por camadas. Leitura e treino, depois mais leitura e mais treino, com ainda mais leitura e ainda mais treino. Isso porque o autor, embora brilhante, tem por hábito dar explicações gerais para seus métodos. O que nos leva a fazer algumas reconstruções e adaptações, além de muitos testes.

Como exemplo, Horowitz escreveu A Arte da Guerra Política para assessores de campanha. Mas estávamos em 2000, quando a Internet ainda não havia se tornado tão importante. A ação política, por causa dessa revolução digital hoje é muito mais descentralizada. Logo, se o conhecimento ali não for adaptado para todos os formadores de opinião em geral, nos daremos mal. Por isso, adapto todo esse material para ser usado por formadores de opinião. Assim, se você tiver um blog pode aplicar os princípios. Se apenas gosta de escrever na Internet, também. Caso queira organizar manifestações, vale o mesmo. Até porque falamos de seis princípios básicos, que podem ser usados em vários níveis.



Mas, enfim, esse tipo de adaptação pode às vezes complicar as coisas, e sei que tenho a obrigação de aparar algumas arestas. Por exemplo, recentemente alguém me escreveu dizendo: “Luciano, acho melhor deixar de discutir a questão dos coletivos não-eleitos ou mesmo da censura de imprensa, pois isso não fala ao coração do povo, logo, o sexto princípio, focado em “falar ao coração”, não estaria sendo seguido”.

Epa, epa… muita calma nessa hora, pois realmente essa é uma objeção importante, mas que constitui um equívoco de interpretação do princípio. Quando é dito que a vitória fica do lado do povo (e que sempre que possível devemos falar ao coração), isso não é um limitador de nossas ações, mas uma diretiva para incorporarmos em nossos discursos.

Quer um exemplo? Lembre-se da proposta “neutralidade de rede”, um dos pilares do Marco Civil. Algo assim jamais foi abordado nas campanhas eleitorais do PT, e mesmo assim eles conseguiram implementar a lei, utilíssima para o partido. Isso significa que eles fugiram do sexto princípio da guerra política? Não, eles o seguiram de acordo com o contexto e sua aplicação.

Neste caso, eles sabiam estar discutindo uma proposta que no máximo ficaria restrita aos ambientes acadêmicos e os ambientes virtuais (além das seções do plenário), mas, mesmo assim, foi nomeada com um “frame” (neutralidade de rede) que, com uma mera explicação de 15 a 20 segundos, deixaria até as pessoas mais humildes confortáveis: “ah, eu não serei discriminado quando acessar a Internet, certo?”. Então, na medida do possível, o PT aplicou os princípios, mas não fugiu de sua demanda.

As demandas devem ser escolhidas por sua ordem de importância, de acordo com sua estratégia. Sempre que possível use a Janela de Overton para definir suas propostas políticas, isto é, as demandas.

Em seguida, esteja pronto para defender suas propostas em qualquer nível onde a discussão ocorrer. Os níveis podem variar entre discussão acadêmica (ou até a discussão filosófica), discussão no nível dos formadores de opinião e até discursos direcionados ao povo, estes últimos radicalmente priorizados nas fases mais importantes das campanhas para prefeituras, governos e a presidência.

Imagine este tipo de discussão como algo que pode, em alguns casos, começar no nível científico, como a discussão de um novo achado para um tratamento medicinal. Em seguida, a discussão pode ser feita entre vários médicos em um congresso. E, por fim, o médico pode discutir com seu paciente, que provavelmente não faz a menor ideia do nome científico do organismo que o contaminou.

Como se percebe, existem vários níveis de discursos e eles devem ser balanceados, com priorizações de esforço em cada nível de acordo com o timing.

No caso da discussão da censura de mídia, precisamos saber descrever, até em termos técnicos, tudo que estamos falando. E, ao explicar para o povo (na hora de fazer memes pela Internet e, num possível futuro, campanhas de televisão), quais sofrimentos resultarão da aprovação da censura de mídia. No momento de rotular as demandas, os petistas escolheram o frame positivo para eles, “democratização da mídia”. Para lutar contra eles, é preciso de um frame positivo também, algo como “liberdade de imprensa”, em uma luta contra golpistas do bolivarianismo, que estão deliberadamente querendo trazer miséria, devastação econômica e violência contra nosso povo.

Observe que você não precisa fugir de qualquer assunto com fins estratégicos, podendo até, em alguns casos, usar uma terminologia mais complexa e, de acordo com o momento, demonstrar ao povo, falando ao coração dele, os benefícios de ficar ao seu lado, e os malefícios de aceitar a ideia de seu oponente.

Em um certo momento de Take no Prisoners, outro ótimo livro de David Horowitz, ele critica os republicanos por dizerem que os esquerdistas “usam a retórica de divisão de classes”, enquanto estes últimos diziam que “estão do lado dos pobres, e os republicanos do lado dos ricos”. Disso, Horowitz conclui que os esquerdistas sempre saem vencendo.

Ele está certo nisso, mas poderia também acrescentar que o problema neste caso não é tanto o discurso, mas o momento de seu uso. É claro que sair dizendo em um comício que “os esquerdistas usam a retórica de guerra de classes” não falará ao coração do povo tanto quanto a frase usada por eles: “nós estamos do lado dos pobres, eles do lado dos riscos”. Mas nada impediria de você desmascarar a retórica de guerra de classes em um ambiente acadêmico, no plenário e até na Internet, dependendo do fórum.

Creio que já deu para notar que a regra é clara: siga os princípios, mas adapte-se de acordo com o seu público.
Título, Imagem e Texto: Luciano Henrique, Ceticismo Político, 7-1-2015

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