Luciano Henrique
A leitura de David Horowitz
deve ocorrer por camadas. Leitura e treino, depois mais leitura e mais treino,
com ainda mais leitura e ainda mais treino. Isso porque o autor, embora
brilhante, tem por hábito dar explicações gerais para seus métodos. O que nos
leva a fazer algumas reconstruções e adaptações, além de muitos testes.
Como exemplo, Horowitz
escreveu A Arte da Guerra Política para assessores de
campanha. Mas estávamos em 2000, quando a Internet ainda não havia se tornado
tão importante. A ação política, por causa dessa revolução digital hoje é
muito mais descentralizada. Logo, se o conhecimento ali não for adaptado para
todos os formadores de opinião em geral, nos daremos mal. Por isso, adapto todo
esse material para ser usado por formadores de opinião. Assim, se você tiver um
blog pode aplicar os princípios. Se apenas gosta de escrever na Internet,
também. Caso queira organizar manifestações, vale o mesmo. Até porque falamos
de seis princípios básicos, que podem ser usados em vários níveis.
Mas, enfim, esse tipo de
adaptação pode às vezes complicar as coisas, e sei que tenho a obrigação de
aparar algumas arestas. Por exemplo, recentemente alguém me escreveu
dizendo: “Luciano, acho melhor deixar de discutir a questão dos coletivos
não-eleitos ou mesmo da censura de imprensa, pois isso não fala ao coração do
povo, logo, o sexto princípio, focado em “falar ao coração”, não estaria sendo
seguido”.
Epa, epa… muita calma nessa
hora, pois realmente essa é uma objeção importante, mas que constitui um
equívoco de interpretação do princípio. Quando é dito que a vitória fica do
lado do povo (e que sempre que possível devemos falar ao coração), isso não é
um limitador de nossas ações, mas uma diretiva para incorporarmos em nossos
discursos.
Quer um exemplo? Lembre-se da
proposta “neutralidade de rede”, um dos pilares do Marco Civil. Algo assim
jamais foi abordado nas campanhas eleitorais do PT, e mesmo assim eles
conseguiram implementar a lei, utilíssima para o partido. Isso significa que
eles fugiram do sexto princípio da guerra política? Não, eles o seguiram de
acordo com o contexto e sua aplicação.
Neste caso, eles sabiam estar
discutindo uma proposta que no máximo ficaria restrita aos ambientes acadêmicos
e os ambientes virtuais (além das seções do plenário), mas, mesmo assim, foi
nomeada com um “frame” (neutralidade de rede) que, com uma mera explicação de
15 a 20 segundos, deixaria até as pessoas mais humildes confortáveis: “ah, eu
não serei discriminado quando acessar a Internet, certo?”. Então, na medida do
possível, o PT aplicou os princípios, mas não fugiu de sua demanda.
As demandas devem ser
escolhidas por sua ordem de importância, de acordo com sua estratégia. Sempre
que possível use a Janela de Overton para definir suas propostas
políticas, isto é, as demandas.
Em seguida, esteja pronto para
defender suas propostas em qualquer nível onde a discussão ocorrer. Os níveis
podem variar entre discussão acadêmica (ou até a discussão filosófica),
discussão no nível dos formadores de opinião e até discursos direcionados ao
povo, estes últimos radicalmente priorizados nas fases mais importantes das
campanhas para prefeituras, governos e a presidência.
Imagine este tipo de discussão
como algo que pode, em alguns casos, começar no nível científico, como a
discussão de um novo achado para um tratamento medicinal. Em seguida, a
discussão pode ser feita entre vários médicos em um congresso. E, por fim, o
médico pode discutir com seu paciente, que provavelmente não faz a menor ideia
do nome científico do organismo que o contaminou.
Como se percebe, existem
vários níveis de discursos e eles devem ser balanceados, com priorizações de
esforço em cada nível de acordo com o timing.
No caso da discussão da
censura de mídia, precisamos saber descrever, até em termos técnicos, tudo que
estamos falando. E, ao explicar para o povo (na hora de fazer memes pela
Internet e, num possível futuro, campanhas de televisão), quais sofrimentos
resultarão da aprovação da censura de mídia. No momento de rotular as demandas,
os petistas escolheram o frame positivo para eles, “democratização da mídia”.
Para lutar contra eles, é preciso de um frame positivo também, algo como
“liberdade de imprensa”, em uma luta contra golpistas do bolivarianismo, que
estão deliberadamente querendo trazer miséria, devastação econômica e violência
contra nosso povo.
Observe que você não precisa
fugir de qualquer assunto com fins estratégicos, podendo até, em alguns casos,
usar uma terminologia mais complexa e, de acordo com o momento, demonstrar ao
povo, falando ao coração dele, os benefícios de ficar ao seu lado, e os
malefícios de aceitar a ideia de seu oponente.
Em um certo momento de Take
no Prisoners, outro ótimo livro de David Horowitz, ele critica os republicanos
por dizerem que os esquerdistas “usam a retórica de divisão de classes”,
enquanto estes últimos diziam que “estão do lado dos pobres, e os republicanos
do lado dos ricos”. Disso, Horowitz conclui que os esquerdistas sempre saem
vencendo.
Ele está certo nisso, mas
poderia também acrescentar que o problema neste caso não é tanto o discurso,
mas o momento de seu uso. É claro que sair dizendo em um comício que “os
esquerdistas usam a retórica de guerra de classes” não falará ao
coração do povo tanto quanto a frase usada por eles: “nós estamos do
lado dos pobres, eles do lado dos riscos”. Mas nada impediria de você
desmascarar a retórica de guerra de classes em um ambiente acadêmico, no
plenário e até na Internet, dependendo do fórum.
Creio que já deu para notar
que a regra é clara: siga os princípios, mas adapte-se de acordo com o seu
público.
Título, Imagem e Texto: Luciano Henrique, Ceticismo
Político, 7-1-2015
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