Maria João Marques
Que Sócrates se julga acima da
lei é algo que ninguém que tenha observado os seus governos duvida. Mas que os
socialistas o acompanhem na demência cívica – e o expressem com despudor –
surpreende-me.
Havia tantos temas apelativos
para esta crónica mas lá vou ter de regressar ao caso Sócrates. Porque começa a
tornar-se difícil manter o faz-de-conta da reação oficial do PS à prisão do seu
antigo líder, a tal da separação entre partido e caso judicial.
É Mário Soares que não pára de
fazer figuras tristes na sua tentativa de condicionar a investigação criminal
ao seu amigo e já veio exigir (que o senhor julga que as instituições
democráticas lhe respondem) que o Presidente da República se pronuncie sobre
uma investigação em curso. São Edite Estrela e Mário Lino – digam lá que não
são, pelo menos, semideuses do Olimpo do português médio – que também exigem
que as provas sejam apresentadas ao público. (Quem sabe se depois de amanhã vão
propor que os julgamentos de elementos ligados ao PS sejam feitos reunindo
aleatoriamente cinquenta pessoas numa praça de uma cidade de província e a
culpa ou a inocência decididas com votação por braço no ar).
E – a minha preferida e mais
estratosfericamente fabulosa – Vera Jardim defendeu para Sócrates, no programa
da Rádio Renascença Falar Claro (5/1/2014), que a defesa do ‘direito ao bom
nome, à reputação’ poderiam ser feitos ‘mesmo violando alguns deveres legais,
porque os deveres legais cessam também perante outros direitos das pessoas’. Como?
É mesmo isso, reiterou o senhor (que aparentemente não estava com nenhuma crise
aguda que lhe diminuísse a capacidade cognitiva): Sócrates ‘está sobretudo no
direito de se defender mesmo que, repito, tivesse que violar normas,
regulamentos, seja o que for, porque aqui o interesse que está em causa é mais
forte’.
Pois.
Parece ser, portanto, oficial:
há muito (e, neste caso, mesmo que fosse apenas Vera Jardim, já seria muito)
quem no PS considere que Sócrates não está obrigado a respeitar a lei cujo respeito
se exige aos comuns mortais que não são socialistas (essa ralé).
Não vou dar para o peditório
de debater se a prisão preventiva é excessiva ou não em Portugal, se a
proibição da entrevista (que Sócrates furou) é aceitável ou não. Isso poderá
discutir-se depois. Com Sócrates estão a ser usadas leis penais que ele próprio
criou (ou decidiu manter), pelo que é de inteira justiça que o
ex-primeiro-ministro seja tratado com o processo que julgou bom para aplicar a
outros. Se os seus direitos fundamentais estão a ser questionados, é apenas
porque ele decidiu questionar os direitos fundamentais de outros que pudessem
vir a estar enredados com Ministério Público e tribunais. A mim chega-me.
E que se tenha passado do
clamor contra o sistema judicial porque oferece demasiadas garantias aos
arguidos e acusados para os gritos de indignação ‘fascismo’ ou ‘não se
respeitam direitos fundamentais’ (por Sócrates – outra vez – que foi quem reviu
estas leis penais) merece talvez a oferta aos indignados de números de telefone
para psicólogos ou, no mínimo, para clínicas de relax e detox.
Que Sócrates se julga acima da
lei – e, pobre alma, se considere capacitado para provocar um levantamento
popular contra a sua prisão – é algo que ninguém que tenha observado os seus governos
duvida. Mas que os demais socialistas o acompanhem na demência cívica – e o
expressem com tanto despudor – confesso: surpreende-me.
Para Vera Jardim – que
convenientemente ignora que Sócrates está a usufruir das suas leis – o direito
ao bom nome e à reputação de Sócrates são mais importantes que o respeito pelas
instituições e que a Lei. Claro que só o bom nome e reputação de Sócrates
justificam desrespeitos legais – era o que faltava que os outros valdevinos
investigados e julgados pelos tribunais pretendessem não respeitar as leis.
Julgam que são quem? Ex-governantes socialistas?
O mais grave nisto tudo não é
que várias pessoas do PS mostrem com tanta candura como se julgam inimputáveis
e jamais suscetíveis de serem judicialmente importunadas. Nem que, ao contrário
do exemplo caseiro, nas democracias viçosas se espere dos ex-políticos
escrúpulo acrescido no cumprimento da lei e dos deveres de cidadania. O mais
grave é haver gente no PS que já ocupou cargos eletivos e governativos e
resistiu a uma ditadura mas não faz ideia do que é um estado de direito ou uma
democracia.
Deixo uma sugestão para o PS
para a próxima revisão constitucional: criar uma casta especial de
privilegiados (os militantes de topo PS). Eu gosto muito de cores (e de sedas),
pelo que espero que não emulem os Tudor na sua proibição a todos menos à
aristocracia de usarem as sedas das cores mais bonitas. E se calhar também não
era bem pensado introduzirem as isenções fiscais aristocráticas do Antigo
Regime. Bastava, se não for abuso meu sugerir limites, imunidade criminal.
Assim ficavam expressas constitucionalmente as leis não escritas por que alguns
socialistas teimam em reger-se.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-