João Marques de Almeida
A coligação entre o Syriza e
os Independentes Gregos é a versão mais nova da aliança entre o “ódio
nacionalista” e o “ódio de classe” contra o internacionalismo, o liberalismo e
a economia de mercado
Os “amigos” do Syriza em
Portugal e o Público decidiram
desvalorizar a aliança entre o Syriza e a extrema-direita. O que não deixa de
ser estranho visto que são normalmente muito sensíveis à possibilidade da
extrema-direita chegar ao poder nos países europeus. Justificam a
desvalorização com a seguinte “narrativa”: a Grécia tem um governo de “salvação
nacional” para libertar o país da “ditadura financeira” imposta pela Alemanha.
Vale a pena “desconstruir” esta “narrativa”.
Em primeiro lugar, é
politicamente conveniente contrapor a poderosa e rica Alemanha à fraca e pobre
Grécia. De uma penada, colocam a História do seu lado e conquistam o apoio
popular, num país onde a maioria não tem grande simpatia pelos ricos e
poderosos. Podemos, no entanto, substituir a Alemanha pela Finlândia. Um país
pequeno, com metade da população da Grécia, e que não pode ser acusado de
alguma vez ter invadido outro país ou ter provocado alguma guerra. Pelo
contrário, foi invadido mais do que uma vez e por mais do que um país. Ora, em
relação à dívida grega, a maioria dos finlandeses pensa exactamente como a
maioria dos alemães. Tal como a maioria dos holandeses, dos eslovacos e as
maiorias dos países Bálticos, todos eles na zona Euro. Talvez, o problema não
seja a “hegemonia alemã”. A União Europeia é um pouco mais do que a Alemanha. E
nem sequer se poderá dizer que é um problema de governos de direita. Quer na
Finlândia, como na Alemanha, os “PS’s” locais estão no poder. Vejam o que disse
o líder do SPD alemão e vice-chanceler do governo a propósito das propostas do
governo grego. Entre o SPD e o Syriza, onde se situa o PS?
O problema não é entre a
Grécia e a Alemanha, mas sim entre o governo grego e a maioria dos países da
zona Euro, grandes, médios e pequenos, governados pela direita e pela esquerda.
Vamos agora à questão da
aliança com a extrema-direita. Para os “amigos do Syriza”, a excepcionalidade
da situação grega justifica a coligação entre o Syriza e a extrema-direita.
Este assomo de “pragmatismo” vem de pessoas que passaram os últimos três anos a
atacar o governo português de ser o “governo mais à direita desde o 25 de
Abril.” Pragmáticos na Grécia, ideológicos em Portugal.
Mas a aliança dos extremos na
Grécia é muito mais do que pragmatismo político. Esse é o ponto central e mais
preocupante de todos. A radicalização da esquerda em Portugal, incluindo de
muitos no PS, tira-lhes a lucidez para entender um ponto central na Europa de
hoje. O conflito político crucial não é entre a esquerda e a direita, mas entre
as forças políticas radicais e nacionalistas e os partidos
liberais-democráticos. A coligação entre o Syriza e os Independentes Gregos é a
versão mais recente da aliança entre o “ódio nacionalista” e o “ódio de classe”
contra o internacionalismo, o liberalismo e a economia de mercado. Esta será a
fractura decisiva da política europeia dos próximos anos. E para quem coloca a
política acima da economia, como os liberais, será mesmo mais importante do que
o problema das dívidas (apesar de os dois estarem ligados).
A aliança dos ódios na Grécia
contra a Europa liberal, internacionalista e capitalista revelou-se no apoio
dado à Rússia. Há um governo no interior da União Europeia abertamente a favor
do regime de Putin, o qual constitui a maior ameaça política à Europa, e também
ele assente no ódio nacionalista. O mesmo governo que pede solidariedade à
União Europeia desrespeita qualquer tipo de solidariedade em relação à
Finlândia, às repúblicas Bálticas, à Polónia e à Roménia, todos eles ameaçados
pelo expansionismo russo. Por que razão os finlandeses deverão ser solidários
com a Grécia, quando o governo grego ignora completamente as ameaças à
segurança da Finlândia?
Talvez os “amigos do Syriza”
em Portugal andem distraídos, mas Putin coloca jornalistas que o criticam na
prisão (quando não os mata), impede a liberdade de imprensa, envia académicos e
intelectuais para o exilo em Paris e em Londres e prossegue minorias étnicas e
sexuais. O Syriza é aliado do regime de Putin. Mais uma vez, os marxistas
radicais e os ditadores nacionalistas se encontram no mesmo campo a combater as
democracias capitalistas europeias.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
1-2-2015
Grifos: JP
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