domingo, 8 de fevereiro de 2015

A bosta em Lisboa

Lucy Pepper 
As bostas de cão nas ruas de Lisboa sugerem que campanhas destinadas a envergonhar as pessoas por causa do seu comportamento não funcionam em Portugal.

É tão chato termos de andar nas ruas de Lisboa sempre com um olho no chão, a ver se evitamos as bostas de cão.

Não sou de enjoos. Não desmaio só por topar com uma bosta gigante de cão no meio do passeio. Dito isto, não a quero pisar e passar a meia hora seguinte a tentar raspar os restos da sola do meu sapato. OK, num dia em que não tivesse mais nada para fazer, até podia ser uma meia hora divertida, mas parece-me que quase sempre aquela meia hora pode ser passada a raspar algo mais útil de algo diferente. 


Não quero pisar em bostas, nem reparar em que as pisei demasiado tarde, já depois de conspurcar o escritório, a casa ou o carro. Ninguém quer ser a pessoa que traz caca de cão para dentro de casa ou para junto dos colegas e amigos. É impressionante como uma caca de rua pode proporcionar tanta caca espalhada. Uma só bosta de um só cão tem a capacidade de contaminar áreas enormes.

O que eu gostaria de fazer quando ando nas ruas de Lisboa era poder olhar em frente e para cima (isso é, acima da linha dos graffiti), e admirar o modo como a sua grandeza está justaposta com a sua bela decadência, e contemplar este céu tão especial que dá uma cor específica à cidade neste dia.

Mas não posso, porque tenho de olhar para baixo, para o passeio, porque é preciso evitar as pedras soltas e dançar por entre as merdas de cão espalhadas na calçada. 

A bosta de cão vem em todos os formatos e chega a todos os lados. Há as caganitas dos cãezinhos, e há os grandes troncos depositados por cães misteriosos, cães que devem ser do tamanho de Godzilla. Há os cócós secos e duros do verão e há as poças castanhas depois da chuva, no inverno. A merda de cão fica barrada nas pedras brancas e brilhantes da calçada e enche o espaço entre elas, sobretudo depois de ser pisada e esmagada no chão por pés involuntários. Se faz sol, o sol seca-a, e a merda enterra-se permanentemente nas fissuras da calçada, como uma argamassa natural e castanha.

É irritante e, como os graffitis maus, destrói muito do charme de Lisboa. Mas mais que irritante, é mistificante.

Se Portugal fosse uma nação de gente repugnante, que não ligasse nada à limpeza, a merda de cão espalhada por todo o lado não seria um mistério. Mas os portugueses são das pessoas mais obcecadas do mundo em termos de limpeza e aparências (as suas e as dos outros). Sempre auto-conscientes e sempre críticos, tacitamente, do aspecto e odor de outras pessoas e outras coisas. Ao longo de todos estes anos no país, não me lembro de visitar uma casa que não estivesse limpa, nem de entrar num carro que andasse tão desarrumado como o meu. Desfrutem do facto de eu não poder dizer a mesma coisa da minha terra.

Por isso, esta coisa da merda canina é mesmo intrigante. Deixar o seu cão aliviar-se no meio da rua e passar à frente sem fazer nada é, em Portugal, uma atitude ainda perfeitamente normal. É raro ver alguém com a boa vontade suficiente para trazer de casa um saquinho de plástico a fim de pegar na bosta. Pô-la num saco e metê-la no bolso é bastante horrível, mas num dia frio até pode aquecer as mãos durante um par de minutos — ou, claro, tem o recurso do caixote de lixo. Todas as ruas e todos os jardins têm caixotes de lixo. Além disso, há ainda donos que simplesmente mandam os cães fora, sozinhos, para defecar, de modo que eles, os donos, no momento da defecação, possam manter a consciência muito limpa.

É estranho que campanhas destinadas a envergonhar as pessoas por causa do seu comportamento não funcionem em Portugal. Os problemas da merda de cão, do lixo na rua ou da condução alcoolizada foram reduzidos na Grã-Bretanha desde os anos 80 por meio de campanhas de publicidade destinadas a humilhar e vexar os responsáveis. Os fornecedores de cocó de cão, os que deitam lixo no chão ou os condutores bêbedos tornaram-se párias sociais. A boa gente foi toda injectada com uma grande dose de culpa, de estilo católico, sobre as suas eventuais transgressões. Há sempre um zelador do comportamento alheio, muito convencido e santarrão, pronto para gritar na rua com quem deitou lixo no chão ou não pegou no cócó do cão … A perspetiva do embaraço é suficiente para a maior parte das pessoas se portarem bem.

Mas em Portugal, em Lisboa, muitas vezes parece que ninguém liga muito ao que está espalhado nas ruas. 
Título, Imagem e Texto: Lucy Pepper, Observador, 8-2-2015 
traduzido do inglês pela autora)

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