Maria João Marques
Estaremos civilizados q.b.
quando referirmos os atrativos físicos de uma mulher na política com a mesma
naturalidade com que o fizemos para o ministro das Finanças grego.
Mais do que as políticas financeiras
que Varoufakis propõe – aparentemente ninguém as conhece; o senhor não as quer
contar a ninguém, nem aos seus pares na reunião desta semana – tem-se analisado
a sua aparência. Se é sexy ou não. O seu estilo informal como afirmação
política (de rutura e de esquerda). O cachecol de caxemira de marca de luxo
britânica oferecido há muitos anos pela mulher.
Aprovo esta linha de
escrutínio. Já referi muitas vezes como as indumentárias femininas se
relacionam estreitamente com a condição feminina, como o controlo das roupas
femininas é sintoma do controlo social (quase sempre politicamente sustentado)
sobre as mulheres, como o dinheiro que as mulheres gastam – e publicamente
exibem – na sua aparência é proporcional à liberdade e prosperidade de que as mulheres
usufruem em cada país. O meu mais basilar teste ao nível de liberdade de uma
sociedade é a resposta à pergunta ‘as mulheres podem usar minissaia e t-shirts
de alcinhas?’. É por isto que na minha escala de liberdade a China – onde as
mulheres de facto usam minissaias e alcinhas – é um país com mais liberdade do
que, por exemplo, o Paquistão, onde até há eleições e é uma espécie de
democracia.
Fico contente que estas
cogitações entre a relação da indumentária – que é mais uma forma de cada
pessoa expressar a sua individualidade e evidentemente revelador da
personalidade – com o contexto e posicionamento políticos deixem de estar
circunscritos a textos nas revistas femininas ou de moda. Mas, paradoxalmente,
a descontração com que tudo isto foi escrutinado em Varoufakis, nos jornais
puros e duros, mostrou como a restrição dos discursos (de e sobre homens e
mulheres) são condicionados pelos inevitáveis amigos do progressismo
intolerante e do politicamente correto.
É certo que o governo grego
apoia tanto a igualdade de género que não permitiu nenhuma senhora chefiar um
ministério, mas imaginemos que num momento de arrebatada e perigosa loucura
Tsipras nomeava uma ministra das Finanças. (Portugal já teve duas, sempre de
governos da área da direita, essa gente misógina). E que a imaginária ministra
era bonita e com estilo original. Imaginam a gritaria que viria das feministas
radicais, e dos seus acólitos masculinos, se a imprensa internacional ousasse
comentar se a hipotética senhora era sexy ou não e lhe dissecasse a roupa
escolhida para os encontros com os seus pares europeus?
Do extremo da visão da mulher
como objeto sexual e avaliada sobretudo pela sua aparência e capacidade de
atrair e agradar ao sexo masculino, passou-se para o exagero simétrico em que
uma mulher é, oficialmente, um ser sem cara, sem sorriso, sem porte, sem
elegância, e a quem é negada (porque ignorada) a possibilidade de se exprimir
através da escolha da sua roupa. O discurso sobre a aparência feminina é,
impõem, tabu. Se for feito na comunicação social sobre uma mulher poderosa é
sexismo imperdoável e medieval e toda a gente emancipada cai em cima da pobre
alma que cometer tal sacrilégio. E (agora na base da pirâmide) um humilde
transeunte que tenha o desplante de fazer um elogio simpático e educado à
aparência de uma senhora com quem se cruze na rua é considerado um
proto-agressor sexual pela malta que vê no piropo de rua a grande causa
civilizacional do Portugal dos anos 10 do século XXI.
Claro que isto é só
hipocrisia. O mundo é sensível às mulheres – e, como se vê pelo caso
Varoufakis, aos homens – atraentes e nada mais normal do que assumir-se isso.
Estaremos civilizados q.b. quando referirmos os atrativos físicos de uma mulher
na política com a mesma naturalidade com que o fizemos para o ministro das
Finanças grego. Até lá somos como os homens comunistas chineses, do período da
guerra contra os japoneses e, depois, contra os nacionalistas de Chiang
Kai-check, que quando trocavam a sua mulher por outra mais nova e mais bonita
(e geralmente citadina e educada) recusavam que o fizessem por lhes agradar a
juventude e a beleza da nova eleita (comunistas são gente acima de desejos
corriqueiros) mas, alegavam, porque esta era politicamente mais esclarecida
(nada como as ideias políticas para tocar o coração de um homem).
Mas as constrições de discurso
não se ficam por aqui.
Há uns anos na blogosfera
escrevi sobre a mudança de visual de Catarina Martins quando se tornou uma das
cabeças da liderança bicéfala do BE. Antes Catarina Martins ia para o
Parlamento com ar ‘vesti a primeira camisola que encontrei enrolada aos pés da
cama e nem me dei ao trabalho de escovar o cabelo’. Depois começou a usar
casacos cintados azuis escuros e colares. Fê-lo, evidentemente, por perceber
(ao contrário do líder do Podemos, que mantém o ar desmazelado) que desta forma
ganharia na perceção de autoridade e credibilidade.
Apesar de isto ser evidente,
eu (sexo feminino) não o podia referir. Houve quem se enxofrasse e usasse o
argumento previsível: sou uma mulher fútil que repara no que os políticos
vestem, porque as pessoas sérias e consistentes estão acima destes pormenores
insignificantes, e eu, em boa verdade, deveria limitar-me a escrever sobre
assuntos tradicionais do universo feminino, leves e sem profundidade
E isto, sim, é uma limitação
de discurso muito sexista. Se uma mulher calha em elaborar pensamentos durante
cinco minutos sobre algo que ocupa os políticos de ambos os sexos várias horas
por semana (a escolha da indumentária; e, como se sabe, não há nada mais
trabalhoso do que um look casual), ora toma que é uma criatura fútil, vá
escrever para as revistas do coração, quem é que pensa que é para dar opiniões
políticas?
Em resumo. As mulheres
ultra-uber-mega-modernas, a.k.a. feministas radicais, não nos deixam elaborar
discurso sobre senhoras atraentes. E as mesmas mulheres mais os homens
super-hiper-esclarecidos acrescentam às mulheres a proibição de referir a
aparência dos políticos dos dois sexos. Mas, não esquecer, os dois grupos são
super-ultra-modernos. E, sobretudo, grandes amantes da liberdade de expressão e
da igualdade de género.
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