Manuel Villaverde Cabral
O crescimento na União
Europeia é um objectivo ultrapassado pela realidade, contraditório com outros
importantes desideratos colectivos e contrariado por características sociais
determinantes.
Há qualquer coisa de obsessivo
na ideia de crescimento económico em Portugal como no resto do mundo. Lê-se e
ouve-se por todo o lado, sobretudo no terreno dos «slogans» políticos para uso
imediato, e até se percebe porquê em contexto de crise. Contudo, a verdade é
que se trata, em especial na União Europeia, de um objectivo ultrapassado pela
realidade, contraditório com outros importantes desideratos colectivos e
contrariado por características sociais tão determinantes como o envelhecimento
populacional.
Com efeito, as sociedades
maduras são demasiado complexas para obedecer automaticamente ao estímulo
económico decretado pelo Estado, daí que o recente «quantitative easing» do BCE
esteja condenado a esgotar os seus efeitos rapidamente. Em sociedades como as
integradas na UE, em particular no euro-grupo, há sempre forças a operar em
simultâneo a favor e contra o crescimento económico, sendo o resultado final
tudo menos automático.
Vejamos. Numa recente lista do
FMI – uma instituição especializada em oferecer receitas milagrosas para o
crescimento económico -, eram apontados os países com menor crescimento desde
1999 até ao esperado em 2019. Ora, oito dos nove países mais relevantes dessa
lista pertencem à UE (sete dos quais ao euro) e o outro é o Japão. Todos estes
países, onde a Itália, o Japão e Portugal são os três com menor crescimento ao
longo daquelas duas décadas (menos de 1% ao ano e os outros cinco países entre
1% e 1,5%), todos eles se caracterizam – uns mais, outros menos – por possuírem
rendimentos per capita acima e, na maioria dos casos, muito acima da média mundial.
Não se trata, portanto, de
pobreza; comparativamente, são países ricos ou, pelo menos, remediados como
Portugal. Em suma, estamos a falar de sociedades que, tendo atingido um
determinado patamar de prosperidade superior a 20.000 dólares por habitante, encontram
dificuldades estruturais para crescer economicamente (na China são $7.000 e na
Índia $1.500). As razões variam e certos países, como Portugal e a Grécia
tipicamente, começaram a deixar de crescer mais cedo do que outros, como (por
ordem da lista em questão) a Dinamarca, a Alemanha, a França, a Bélgica, a
Holanda e até a Croácia (que ainda não entrou para o euro), todos abaixo de
1,5%.
Independentemente das
diferenças de riqueza e de cultura, há contudo semelhanças decisivas entre os
países de mais lento crescimento, incluindo o Japão. São três os traços comuns
mais importantes: a demografia (elevada longevidade e baixa fecundidade); o consequente
peso das reformas e das despesas de saúde, seja qual for o sistema de segurança
social; e a melhor protecção ambiental do mundo (Portugal é, segundo o
Eurostat, o 6º país da UE com maior peso das energias renováveis). É isto que
se pretende trocar pelo crescimento do antigo «terceiro mundo»? Ou é por isto
que a Europa tem os custos acrescidos e as dificuldades de crescimento que
conhecemos?
Para além desses três factores
maciços, que não há partido político algum que os mude significativamente, em
especial o demográfico, há ainda o factor do mercado de trabalho. As
comparações são mais complicadas mas é evidente que os mercados de trabalho
europeus se ressentem, do ponto de vista do crescimento, dos corporativismos
sindicais que os USA e o Reino Unido já desmantelaram em parte, enquanto o
«terceiro mundo» nunca os chegou a ter. Além desses corporativismos, de que as
empresas estatais de transportes como a TAP são o exemplo mais flagrante, os
mercados de trabalho são condicionados, uma vez mais, pela demografia e pelo
conflito entre as velhas e as novas gerações, que afectam a composição da
população activa e daí as crescentes migrações internacionais.
Se e quando a Europa
minimizasse os efeitos destes 3 + 1 problemas estruturais – demografia, «estado
social» e ambientalismo, mais o mercado do trabalho – poder-se-ia falar sem
demagogia de crescimento e da criação de emprego. Mas nessa altura restaria o
último factor anti-desenvolvimentista, a saber, a adesão subjectiva de grande
parte da população europeia à austeridade, não no sentido meramente fiscal mas
sim cultural do termo, e é isto que ainda não foi entendido pelos economistas
da era keynesiana…
Há pois fortes indícios de que
não é a falta de crescimento que condiciona os valores sociais e políticos.
São, sim, a demografia, a defesa do «estado social» e do ambiente, assim como o
fosso inter-geracional, que condicionam as opções economicistas ultrapassadas
dos partidos que apenas sabem angariar votos prometendo mais gastos e mais
empregos públicos. Prometer o crescimento é uma frase feita mas, além de falsa,
já não corresponde àquilo que ambiciona porventura a maioria dos europeus, para
quem não seriam necessários mais do que 2% de crescimento anual para 2% de
inflação, segundo a fórmula mágica alemã. Em todo o caso, na minha opinião, o
problema da sociedade portuguesa é muito menos uma questão de crescimento do
que uma profunda questão de desigualdade interna; não é tanto um problema de
competição externa como de redistribuição interna. Era disto que devíamos estar
a falar para as próximas eleições.
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