terça-feira, 3 de março de 2015

Afinal, como estamos?

Rui Ramos
Não convinha nada que as próximas eleições dependessem das gafes de Costa em reuniões com investidores chineses ou dos conhecimentos que Passos tinha em 1999 sobre o regime da segurança social.

A semana passada, António Costa deu a entender a um grupo de investidores chineses, no Casino do Estoril, que o Portugal de Passos Coelho era “diferente” do Portugal de José Sócrates, no sentido em que estaria em melhores condições para justificar investimentos. Entre os socialistas, houve de tudo: estados de alma, apartes, silêncios. Entre os outros, houve o resto: denúncia, chacota, ironia.

Para quase toda a gente, a questão consistiu em determinar o que convém às aspirações socialistas. A solução não é tão fácil como os críticos de Costa insinuaram. Costa precisa dos votos dos portugueses para ganhar as eleições, mas também do dinheiro dos chineses para governar o país. Por isso, interessa-lhe fazer constar que Portugal está pior, para que os eleitores escolham outro governo, mas também que Portugal está melhor, para que os capitalistas chineses invistam no país. O que lhe aconteceu não foi apenas uma gafe, mas a manifestação das suas contradições de líder da oposição a pensar já na chefia do governo.

Mas o problema de Costa não é só esse, e não é só dele. Aceitando que lhe interessa dizer o que por um lado diz aos portugueses e o que por outro lado diz aos chineses, quando é que diz a verdade? Também não é fácil resolver a questão. É um facto que o país está pior, porque os impostos são mais pesados e o desemprego aumentou, mas também é um facto que o país está melhor, não apenas porque o BCE garante que não faltará dinheiro, mas porque diminuíram os grandes desequilíbrios que em 2011 puseram toda a gente a prever a bancarrota de Portugal e a sua expulsão do Euro. Dizer que o país está pior é tão verdade como dizer que o país está melhor.

Toda a gente tem mais ou menos consciência disto. Daí os debates serem tão inconclusivos e as sondagens tão incertas. Esse é o risco, porque no estado em que o país está — melhor ou pior do que em 2011, conforme as opiniões –, importa que as próximas eleições sejam decisivas, no sentido de darem um mandato claro a uma maioria bem definida. E para isso, a grande questão não pode ser apenas saber como correram os últimos quatro anos, se pretendermos julgar esta maioria, ou os últimos vinte anos, se desejarmos também julgar este Partido Socialista. Isso é muito importante, mas mais importante ainda é os portugueses decidirem finalmente como querem e podem ser governados.

O ministro Miguel Poiares Maduro tem razão, ou melhor, deveria ter razão: “nas próximas eleições, o país vai escolher entre duas formas de governar”. Oxalá seja assim, oxalá haja mesmo essa escolha. Para Maduro, os portugueses vão optar entre “aqueles que entendem que governar é confundir um Estado forte com um Governo omnipresente” e aqueles que “entendem que ter um Estado forte, por vezes, exige um Governo que saiba bem as fronteiras entre aquilo que é a esfera da política, da economia e da justiça”. António Costa, como é óbvio, descreveria de outra maneira os termos da opção. Mas sejam quais forem esses termos, falta saber se a nossa elite política consegue formular os seus projectos de um modo suficientemente plausível para justificar um debate e uma escolha. O que não nos convinha nada era que a próxima estação eleitoral dependesse de pequenos incidentes, do que Costa diz em reuniões com investidores estrangeiros, ou dos conhecimentos que Passos Coelho tinha em 1999 sobre o regime da segurança social. 
Título e Texto: Rui Ramos, Observador, 3-3-2015

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