Rui Ramos
O problema de Costa é que,
cada vez mais, parece o candidato da instabilidade e da incerteza. Quem quer
arriscar o emprego, a pensão e as poupanças para assistir à aventura de um
governo de Costa?
Aos que lhe reclamavam
propostas, António Costa respondeu, não com uma, nem com duas, mas com 55. São
simultaneamente de mais e de menos.
São de mais, porque a única
coisa que precisamos de saber de Costa é a seguinte: tenciona ou não fazer o
necessário para conservar Portugal na zona Euro? Se sim, terá de respeitar a
disciplina fiscal e promover a competitividade da economia portuguesa através
de reformas. Se não, teremos de nos preparar para uma nova moeda e para quebras
reais de rendimentos muito mais graves do que nos últimos quatro anos de
austeridade.
A economia portuguesa, como
outras economias europeias, precisa de se adaptar para crescer através dos
mercados globais. Dentro do euro, isso significa austeridade e reformas; fora
do euro, bancarrota e inflação. Não há uma terceira via, como Hollande e
Tsipras já descobriram.
E exactamente por essa razão,
estas 55 propostas de Costa também são de menos. Tratam da “valorização do
território”. Mas desse ponto de vista, a lista pouco mais é do que uma
antologia dos lugares comuns do regime: “programas” disto e “planos” para
aquilo, muitos incentivos e muitos fundos, tudo bastante genérico e sempre sem
estimativa de custos. Costa pode propor tudo, mas o que não for na direcção de
menos impostos e menos burocracia não será suficiente.
Em Portugal, os governos
tentaram, nos últimos trinta anos, aumentar as infraestruturas e as
qualificações. Mas enquanto quem trabalha e quem investe for obrigado a
contribuir desproporcionadamente, por via do fisco e de todo o tipo de custos,
para as rendas que alimentam os mais variados grupos de interesse
(corporativos, sindicais, empresariais e geracionais), nenhuma estrada ou
mestrado farão uma diferença decisiva. Reformar significa uma coisa: aliviar o
país dessa carga. Mas acerca disso, que é tudo, Costa insiste em não dizer
nada.
Provavelmente, António Costa
julga que vai pelo caminho certo. Nasceu na oligarquia, conhece toda a gente,
já foi quase tudo. É o delfim do velho sistema, que lhe concedeu as maiores
indulgências. Os sábios do regime admitem que ele diga o que for preciso para
ganhar as eleições, e esperam que ele faça depois o que for preciso para se
manter no governo. Todos contam com ele, e ele conta com todos. Costa julga-se
hábil. Calcula que os seus correligionários socialistas, por maiores que sejam
os escrúpulos de esquerda, se sujeitarão a tudo para voltarem a desfrutar do
Estado. Confia naquela parte da esquerda radical cujo ideal adquiriu a forma de
uma secretaria de Estado. E julga que tem por si os ressentidos televisivos do
PSD, mais aquela direita social sempre ansiosa por entregar ao PS a defesa dos
seus interesses (ainda tínhamos BES…). Para que todos continuem a esperar tudo
dele, não se compromete, não opta, não explica. Fala da “valorização do
território”.
O que é que pode correr mal?
Tudo. Portugal, como ele reconheceu há umas semanas, não é o mesmo de 2011. Mas
Costa é. O país perdeu ilusões, tomou consciência das dificuldades. Viu o que
aconteceu a Hollande, a grande esperança de Seguro, e agora a Tsipras, o herói
de última hora de Costa. O país mudou, mas Costa não. Até hoje, pouco mais tem
feito do que prosseguir a linha de Seguro de que o governo tem sido “passivo”
na UE, e que apenas por isso não há dinheiro para fazermos despesa à vontade.
No fundo, e tal como Seguro, crê que o rancor da austeridade, só por si, fará
acionar a rotação governativa a favor do PS.
Talvez esse rancor exista. Mas
os portugueses já não estão no momento das manifestações da TSU de 2012. Os
juros baixaram, a economia emerge levemente da recessão, e continuamos no euro.
Nada está garantido, mas vive-se com alguma estabilidade, por contraste com a
Grécia, agora com dinheiro só para uns meses. Talvez este sucesso do
ajustamento não chegue para reeleger o governo. Mas a perspectiva de “mudanças
de políticas” sem viabilidade demonstrada também não chegará para eleger Costa.
António Costa, por este
caminho, está destinado a um resultado medíocre. Até pode ser uma derrota, como
há uns meses parecia impossível. Mas mesmo que seja uma vitória, será
provavelmente uma vitória de Pirro, daquelas vitórias pequeninas que ele tanto
censurou a Seguro, e que o deixará perdido no mar convulso dos acordos
inconsistentes e das coligações efémeras. Ora, todos sabemos que esse género de
agitação, nos dias que correm, se paga em juros. Esse é o maior problema de
Costa: aquele que surgiu como o candidato do sistema instalado é cada vez mais
o candidato da instabilidade e da incerteza. Quem quer arriscar o emprego, a
pensão e as poupanças só para assistir à aventura do governo de Costa?
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
10-3-2015
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