Miguel Ángel Belloso
Se alguém se questiona por que
pode a Espanha perder a estabilidade política quando vierem as próximas
eleições nos finais deste ano, e há possibilidades de que uma coligação
heterogénea de esquerda possa governar o país, a resposta principal está na
televisão. As duas principais estações do país, vistas diariamente por milhões
de pessoas, são de esquerda. Programam debates políticos de manhã, à tarde e à
noite que têm uma audiência muito respeitável e estão povoados por personagens,
muitas delas irascíveis e desacreditadas, que desconhecem os princípios mais
elementares da economia de mercado. Inclusive os que proveem do mundo
conservador, que são a minoria, carecem de princípios claros sobre como se gera
a riqueza ou em que consiste o dinheiro. O resultado é que uma pessoa senta-se
a jantar com a família e o país, que está a crescer a um ritmo superior a 3% e
vai produzir este ano mais de meio milhão de postos de trabalho - 400 mil em
2014 -, transforma-se no ecrã num país à beira de uma crise humana, numa
situação de emergência social. O mantra do momento é a enorme desigualdade
produzida pela crise. Por isso são frequentes os programas em que se compara os
ordenados gigantescos dos grandes executivos com os dos recém-empregados, cuja
diferença é, logicamente, abissal. Também se aproveita para fomentar a cultura
que condena o emprego precário, apesar de este ter sido, desde sempre, a
alavanca para prosperar e ter uma carreira de sucesso.
Eu estudei que o papel da
imprensa é informar, formar e entreter. Mas no meu país os meios de comunicação
transformaram-se num sólido aliado da má educação. Os sentimentos que exaltam
diariamente são a inveja e o ressentimento. Também na indústria editorial, uma
grande parte das novidades são dedicadas a revelar os segredos de uma nação
ironicamente arruinada. Antón Losada, um jornalista dos mais sectários do país,
acaba de publicar um livro intitulado Los ricos vamos ganando [Os ricos estão a
ganhar]. A tese é que as coisas acontecem porque alguém sai beneficiado e
porque a classe endinheirada soube converter a crise numa oportunidade política
para subverter o modelo das sociedades do bem-estar. Diz isto apesar de o
último orçamento de Rajoy registar um crescimento nas despesas sociais mais que
notável. Mas não importa. Para esta teia de interesses obscuros formada pelo
mundo da imprensa e a indústria editorial, a economia é uma questão de soma
zero. Quem ganha mais do que aquilo que é arbitrariamente considerado devido ou
justo é porque está a cometer um latrocínio. Conseguiram patentear com êxito a
ideia de que as políticas económicas mundiais estão dominadas pelo que chamam o
pensamento único, que na sua opinião é o neoliberalismo. Também no DN se faz
muitas vezes referência a esta falácia colossal, porque não há nada que esteja
mais longe da realidade. Quando se observa o peso que a despesa pública
continua a ter nos orçamentos dos principais países da Europa, o alto nível de
impostos, a enorme dimensão dos Estados de Bem-estar ou o grau de intervenção a
que está submetida a maioria das economias, a conclusão é precisamente a
contrária. Há, com efeito, pensamento único, mas este é o socialista.
É indiferente que o
capitalismo, com a globalização do comércio e a inovação tecnológica, haja
conseguido aumentar exponencialmente a produtividade, assim como arrancar
milhões de pessoas da pobreza, especialmente nos lugares mais povoados como a
China, a Índia ou o Brasil. Apesar da evidência empírica, em Espanha e,
inclusive, nos Estados Unidos, há muitos compatriotas que pensam,
equivocadamente, que o mundo está hoje bastante pior do que há décadas. É
difícil perceber porque acontece este tipo de erro tão notório, mas não há
dúvida de que reflete a preferência dos cidadãos. Em qualquer país com uma
certa força moral, o normal seria que, agora que a economia dá sinais evidentes
de melhoria, as pessoas reclamassem o direito a ficar com mais uma parte do que
ganham. Mas em Espanha sucede o contrário. As pessoas exigem mais ajudas do
governo. No dia 1 de março, um editorial do El País, o jornal diário espanhol com
maior tiragem, também de esquerda, assegurava que "é incongruente planear
uma baixa de impostos quando a economia começa a recuperar". Pelo
contrário, escrevia, "haveria que, inclusivamente, subir os impostos para
aumentar a receita pública, recuperar as ajudas à educação e à saúde e fazer
frente às necessidades dos cidadãos". Mas quais são as necessidades dos
cidadãos? A tese subjacente nas propostas da esquerda é a que foi sustentada,
com grande respaldo na altura, por Evita Perón, quando disse que toda a
necessidade é um direito. Mas esta maneira de pensar só produz nações medíocres
ou sociedades construídas a partir do rancor, que é o pior ponto de partida
para se chegar a bom porto.
Quando se transmite àqueles
que têm problemas a ideia de que são vítimas, está-se a torpedear a sua
capacidade para se superarem e triunfarem. Quando se considera que alguém que
fez um bom negócio deve pagar uma parte à sociedade, está-se a matar o espírito
empresarial. Há que quebrar o consenso social-democrata, que é o pensamento
único genuíno, no qual está instalada até a direita espanhola de Rajoy. O
pensamento que domina em todos os países continentais europeus, incluindo
Portugal; inclusive o que Obama deseja instalar nos Estados Unidos, postulando
mais segurança à custa da liberdade. Quando os emigrantes europeus
desembarcaram em Nova Iorque não pensavam ter chegado ao lugar onde
desfrutariam de ajudas e regalias. Pensavam que haviam chegado ao sítio
adequado para construírem as suas vidas. É esse o sonho americano a que todos
deveríamos aspirar. A força moral que deveria presidir à nossa vida. O que faz
falta nas sociedades europeias esclerosadas. Mais liberdade e igualdade de
oportunidades para que as pessoas desenvolvam as capacidades inatas que matam
os subsídios. Mais esperança.
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