Manuel Villaverde Cabral
O Eurogrupo não está preparado
para enfrentar um governo como o grego. O que se passa é que o Syriza tem
porventura menos a perder do que se julga ou, pelo menos, assim crê.
Temos de reconhecer que o
Syriza não é um partido como aqueles que têm governado os países da União
Europeia desde sempre. Talvez os haja fora da Eurozona, incluindo em
Inglaterra, onde há quem ponha em dúvida a pertença à UE, mas não aqui.
Berlusconi chegou a ser uma ameaça devido ao seu nacional-populismo, que nunca
compreendeu o sentido da criação da União Monetária, mas a Eurozona conseguiu
forçar o Parlamento italiano, com a ajuda dos tribunais, a substituí-lo no auge
da crise financeira italiana, por alguém da escola europeia, Mario Monti,
infelizmente afastado entretanto. Por muito que faça pasmar a maioria das
pessoas, o Syriza é um partido revolucionário e nacionalista, anti-euro,
anti-europeu e claramente pró-russo na perspectiva de uma alegada «terceira-guerra
mundial».
O Syriza parece ter-se
convencido genuinamente que a crise grega se deve às obrigações impostas pelos
credores das sucessivas bancarrotas depois de 2010 e não à incapacidade dos
anteriores governos gregos em ajustar o país à convergência monetária, levando
assim a Grécia à dívida impagável e perdendo o acesso aos mercados. Ou então as
duas coisas: os responsáveis seriam a UE e os dois partidos dominantes do
sistema político grego, mas nunca a evasão fiscal, nem os sindicatos do sector
público agarrados aos seus privilégios corporativos, nem tão pouco a virulência
dos manifestantes anti-austeridade…
Entre nós, fechados nas tricas
partidárias sem horizonte, tem-se prestado ultimamente pouca atenção à dança
macabra que prossegue nas instâncias europeias em torno do novo resgate da
Grécia. Por risível que pareça, o PS local ainda pretendeu criticar o governo
português por não ter apoiado as pretensões gregas a receber mais dinheiro sem
se comprometer com nada. O certo, porém, é que a dança dura há mais de três meses:
a Grécia está à beira de uma terceira bancarrota em menos de meia dúzia de
anos, mas o Syriza não cede nem o Eurogrupo perde a paciência.
A maioria dos comentadores
internacionais já percebeu que se está a jogar aquele jogo de olhos nos olhos
até que um dos adversários pisque primeiro as pálpebras. E por curioso que
pareça há muito quem pense que o Syriza não será o primeiro a fraquejar. Com
efeito, só por extrema diplomacia vizinha da ironia ou então por completa
ignorância da realidade é que ainda há comissários europeus, socialistas
naturalmente, que parecem falar a sério ao lamentar que o Syriza “não se
tenha esforçado mais» em apresentar as suas contrapartidas, mas que certamente
o fará nos dias ou semanas que vêm, enquanto se aproxima a data em que irá
faltar dinheiro nos cofres gregos (sim: os cofres estão cheios ou vazios)!
O certo é que o Syriza ainda
não pestanejou e já estamos, pelo menos, no terceiro ou quarto prazo inadiável
que lhe é apresentado! Na verdade, o Eurogrupo não está preparado para
enfrentar um governo como o grego. O que se passa é que o Syriza tem porventura
menos a perder do que se julga ou, pelo menos, assim crê. Se o Eurogrupo
acabasse por ceder perante o receio de uma saída desordenada do euro por parte
da Grécia, pagando-lhe a última tranche do segundo resgaste e, já agora,
prometendo mais uma dezenas de biliões de dinheiro fresco sem contrapartidas
sérias e verificáveis, seria uma vitória retumbante do Syriza e dos seus
parceiros!
Em Espanha, o Podemos
embandeiraria em arco e, em Portugal, Passos Coelho poderia dizer adeus ao
governo e os portugueses engolir todos os sacrifícios que fizemos, enquanto o
PS voltaria às suas raízes despesistas e a facção galambista – chamemos-lhe
assim, do apelido do deputado – festejaria o seu dia de glória. É que a
eurozona e o resto da UE parecem não se dar conta de várias coisas. Primeiro: o
Syriza não vai pestanejar. Segundo: se e quando o eurogrupo lhe cortar as
vazas, ficará feliz por se livrar do colete-de-forças e venderá a derrota como
vitória aos eleitores gregos. Terceiro: nunca iria cumprir as metas prometidas,
mesmo que quisesse, e o país continuaria a sofrer com ou sem a descolagem do
euro. Quarto: o sofrimento da população alimentaria o revanchismo anti-europeu,
em especial contra os alemães. Por fim, o Syriza suprimiria qualquer oposição
às suas políticas de empobrecimento maciço e poderia vir a impor, com ou sem
voto, um regime que, neste momento, apenas podemos conceber como uma espécie de
venezuelismo sem petróleo sequer. Os olhos não lhes tremerão, disso podemos
estar certos!
Entretanto, a Europa
incorreria em riscos impossíveis de quantificar antecipadamente e por isso é
que o mundo financeiro tem medo do Grexit. É este o cálculo de Tsipras e foi
isso que o inevitável Krugman foi dizer em Atenas, mas ele não mora lá. O certo é que o primeiro país a sofrer com esses riscos seria
Portugal. Imaginemos só que um qualquer “social-galambismo” teria chegado
a S. Bento: quem tivesse dinheiro no banco ia a correr tirá-lo de lá! Em suma,
quanto melhor forem as coisas para o Syriza, tanto pior para a UE, a começar
por Portugal. É isso que é urgente perceber. Desde logo, evitando conceder
qualquer espaço ao facilitismo económico que o PS não cessa de pregar.
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador,
20-4-2015
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