Jacinto Flecha
Minha crônica Atrofia mental com digitadura recebeu a aprovação calorosa de alguns leitores.
Um deles já havia notado como é supérfluo o GPS em circunstâncias normais,
porém não imaginava que uma consequência do seu uso, e de muitos outros
aparelhos, pudesse ser a atrofia mental que apontei. Lembrando que a revolução
informática é gerada na língua inglesa, hegemônica na comunicação digital global, sugere dictatorchip como sinônimo de digitadura. Neste jogo de palavras, a ditadura (dictatorship) se implanta pela
informática, cujo principal agente é o chip.
Agradeço ao leitor os lúcidos
comentários, e passo a analisar exemplos por ele apontados como fatores da
atrofia mental, instrumento para a ditadura digital global.
Um caso muito elucidativo é o
Twitter, com suas mensagens limitadas a 140 caracteres, pouco mais que um
grunhido. Entende-se que um animal possa externar seus instintos de
sobrevivência com grunhidos significando estou com fome, por
exemplo. Quantas ideias humanas cabem em 140 letras? Talvez ninguém tenha feito
ainda esse cálculo, mas acredito que não cheguem muito além das mensagens que
os instintos animais conseguem expressar. No entanto, presidentes da república
têm sido eleitos pela manipulação de grunhidos coletivos assim.
Se uma multidão repete em
uníssono yes, we can, do ponto de vista intelectual isso não passa
de um grunhido, por maior que seja a multidão. Se um capataz manda, e os
escravos repetem yes, we can, a situação é exatamente a mesma.
Pense em um ditador eleito com base em grunhidos coletivos, e verá como são
válidos e coerentes meus comentários sobre multidões mentalmente atrofiadas,
que se tornam joguetes de manipuladores. Não pensam, apenas manifestam seus
instintos por meio de grunhidos.
Vêm de longa data os
artifícios para reduzir, bitolar, dominar os meios de expressão do pensamento
humano. No tempo em que a avaliação estudantil se fazia através de textos
descritivos, os alunos demonstravam neles sua inteligência, seu aprendizado.
Disseminaram-se os testes de múltipla escolha, mas será que eles fazem
avaliação equivalente? Longe disso, pois o aluno atilado pode acertar grande
número de respostas sem saber o que foi ensinado. Um salto qualitativo nos
testes de múltipla escolha são os ícones do computador e dos brinquedinhos dele
derivados. Ninguém escreve uma ordem, basta acionar um botão. E cada comando
digital que não exige pensamento gera atrofia mental, reduz a capacidade de
raciocínio.
Quando as crianças aprendem na
escola que 3×5=15, adquirem também uma noção espacial, tridimensional, de
tamanhos, quantidades, proporções. Limitando o aprendizado às calculadoras,
essas noções passam longe, tornando as crianças ineptas para cálculos mentais.
Nos relógios e hodômetros digitais, perde-se a noção visual de quantidades,
distâncias, comparações. Por exemplo, se o relógio marca 3:35, não se tem a
noção visual de quanto falta para 5:58, coisa facílima nos relógios com
ponteiros. Faça você mesmo esta comparação do analógico com o digital.
Quando vejo um jovem ou um
grupo deles cutucando ícones em um tablet, smartphone ou qualquer brinquedinho
desses, lembro-me de macacos pulando de galho em galho. Nenhum pensamento,
nenhum objetivo sério na vida, apenas a sensação do momento. Estão prontos a
obedecer as ordens de quem comanda os chips e os ícones. Veja como é acertada a
sugestão do meu leitor: dictatorchip = chip ditatorial.
Evidentemente não se trata apenas do chip, aquela pecinha do
computador. O que importa é a ditadura dos capatazes ou seus patrões, que
enviam aos chips as ordens adequadas para comandar multidões, já contaminadas
pela atrofia mental.
Os chips e seus comandantes
exercem papel fundamental na mídia, dominam obstinadamente a ampla rede moderna
de informações, comunicações e notícias. Normas de vida e conduta, costumes
tradicionais, verdades reconhecidas como tais, tudo se desmancha no ar e é
substituído, quando algum desses ditadores informáticos decide que já não valem
mais. Assim se destroem famílias, culturas, costumes, leis sagradas. Nada
permanece de pé quando mentes atrofiadas, comandadas pelosdictatorchips,
não conseguem elaborar raciocínios saudáveis, assumir atitudes firmes, manter
coerência dentro de convicções mentais bem estruturadas.
Você pode pensar que estou
exagerando, ao mostrar o quadro aterrorizante de uma digitadura ou dictatorchip.
Seriam preconceitos contra a internet, a informática, a robótica, as redes
sociais, que facilitam a vida e as comunicações. Pode até parecer exagerado,
mas são muito claras as três etapas do processo rumo à dictatorchip: 1)
primeiro reduzem a necessidade de raciocinar; 2) não raciocinando, os cérebros
se atrofiam; 3) sem o pleno funcionamento do cérebro, ditadores conduzem as
multidões como carneiros, para onde quiserem. Mantendo-se o atual ritmo
frenético de imbecilização coletiva, uma ditadura se torna natural, sem parecer
ditadura.
Estas considerações teóricas
poderiam dar a impressão de meras possibilidades, por isso advirto que os chips
humanos, ou biochips, já estão em fase avançada de testes. A ideia por trás
disso é implantar um chip em cada ser humano imbecilizado (muito
sugestivamente, já se prende algo assim no gado). Por esse meio as pessoas estarão
em contato com centrais digitais, podendo receber ordens e ser controladas
minuciosamente. Qual a diferença disso para ditadura? Muito claro, não é?
Parece a você uma boa ideia
ser dominado à distância por uma central, que lhe ordene o que fazer ou não fazer?
Por favor, inclua-me fora dessa.
Título, Imagem e Texto: Jacinto Flecha, ABIM,
18-4-2015
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