Sérgio Figueiredo
1. Eles dizem que defendem a
companhia de bandeira. Mas, se receberem o cheque, cantam o hino nacional,
dobram a bandeira, metam-na debaixo do braço e voltam a trabalhar. Assobiando a
portuguesa, todos contentinhos, porque é dinheiro a única coisa que os move.
Não há causas a defender nesta greve convocada para maio, apenas transação.
Para que fique claro: os pilotos da aviação civil em Portugal não estão em
protesto, estão à venda.
A TAP não é Las Vegas. O que
se passa na TAP, não fica na TAP. Sobra para todos. Euros e princípios. Nem
todos os valores de uma nação vão todos parar à dívida pública. Sim, é verdade,
se a empresa fecha, cenário cada vez mais provável, mil milhões de euros serão
assumidos por impostos. Presentes e futuros. Mas não tem futuro uma sociedade
que faz contas assim. Aos milhões que estão em jogo. Há pior, há passivos muito
mais nocivos nesta ação de terrorismo declarada pelos pilotos portugueses
contra o seu Estado.
Como é evidente, a mobilização
dos pilotos da TAP e da Portugália não é contra a privatização. É importante
perceber que, ao assinarem o famoso acordo que lhes oferecia até 20% do capital
privatizado, estavam a dizer "aceito". Ao renovarem esse
"direito", agora, mais de 15 anos depois, estão a dizer "desejo".
A greve dos pilotos não é, definitivamente, a favor da empresa pública. É de
uma TAP privada, desde que lhe ofereçam um quinto da companhia de mão beijada.
Este "tudo ou nada"
não é uma luta do trabalho contra o capital - mas de trabalhadores que querem
ser capitalistas à borla. Não tem motivações laborais, nem é a pensar na
população. Não é convocada para forçar a empresa a servir melhor os seus
clientes - a reduzir, por exemplo, os sistemáticos atrasos dos voos. Se fosse
uma batalha legal, a luta por um direito que lhes assiste, já teria havido
tempo para recursos a tribunal - e, das leis, a única coisa que se conhece é um
parecer da Procuradoria-Geral da República que lhes nega a razão.
Esta greve é grave, sim.
Porque inviabiliza uma solução. E desmoraliza até quem contra ela se tem
batido: "para aqueles que, como eu, há anos falam e escrevem contra a
privatização (...) a anunciada greve é uma facada nas costas", confessava
Miguel Sousa Tavares neste sábado no Expresso, que capitulava no desabafo
"vamos passar a voar nas low costs, onde os bilhetes custam um terço do
preço, porque, entre outras coisas, os pilotos trabalham o dobro do tempo por
metade do salário".
Os pilotos da TAP e da
Portugália revelam outras formas de loucura suicida: não precisam de se fechar
na cabine e embater contra a montanha; basta reunirem-se em assembleia e apoiar
um sindicato numa paralisação que condena toda a companhia.
2. No confronto dos interesses
particulares com o bem coletivo, o país já há muito se habituou à sua condição
de capturado. Por aqueles que são fortes, são grandes, são poderosos ou são
ricos. Por aqueles que são tudo isto em acumulação. De privilégios, de favores,
de cedências sucessivas a corporações intocáveis.
Alguns daqueles que foram
empresários favorecidos em processos de privatização, subsidiados para erguer
os novos campeões nacionais. Que abriram clubes, lançaram manifestos, fizeram
juras à pátria antes de a afundar. Bateram com a mão no peito, sem tirar a
outra do bolso. Onde entraram as mais-valias das vendas entretanto feitas a
estrangeiros. De comissões cobradas em negócios feitos em nome do Estado. O
hino foi tocado, a bandeira dobrada, o país vendido.
Na mesma semana do relatório
parlamentar à pouca-vergonha do BES, o sindicato dos pilotos fez-nos o favor de
mostrar que os patrões não têm o exclusivo do gamanço. E que há várias formas
de braço-de-ferro entre quem tem poder e quem está no poder.
Restam os braços a quem falta
vergonha na cara. Neste caso nem rosto existe, o que é mais grave. No Sindicato
dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) há um presidente anónimo, que não se
conhece, que não se explica, que não aparece, que fala por comunicados e
negoceia através de um obscuro assessor.
O problema começa nos mais de
500 pilotos, que aceitam. Continua nas outras 11 estruturas sindicais da
empresa, que se calam e assim se tornam cúmplices. Prossegue nos dirigentes
nacionais da CGTP e UGT, que também desapareceram em combate. E termina no
sistema partidário, incapaz que é sequer de entender que esta situação da TAP
não é uma coisa entre "eles e o governo". É entre eles e todos nós.
Há momentos em que não se pode
fugir às palavras. Mesmo os que lutam contra a privatização, do meu ponto de
vista de forma errada, porque inconsequente, devem dizer o que pensam. A Sousa
Tavares, sem perder a coerência, esgotou-se-lhe a paciência. Aqui não há
terceira via socialista: António Costa ou se demarca ou apoia. Se não falar com
clareza, tudo perde. A começar pela razão. E, com ela, as convicções. Caminho
andado para perder eleições.
Título e Texto: Sérgio Figueiredo, Diário de Notícias, 20-4-2015
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