Manuel Villaverde Cabral
Os silêncios do projeto são
tão ou mais eloquentes do que aquilo que promete. Para consumo dos eleitores, o
que fica é a promessa de repor os salários da função pública em dois anos em
vez de quatro.
O projeto de programa
económico apresentado no princípio da semana passada pelo PS encerra múltiplos
mistérios. Para começar, se alguém pensou que a surpresa provocada pelo
projecto culminaria no ritual do 25 de Abril, isso esteve longe de acontecer.
Pelo contrário, os telejornais nocturnos de sábado passado, depois de rápidas
imagens das marchas, acorreram à declaração de abertura oficiosa da campanha
eleitoral para as legislativas com o anúncio da coligação PSD+CDS, concluída
após a divulgação do «plano de estabilidade» do actual governo para os próximos
quatro anos.
As imagens televisivas ainda
tiveram tempo de mostrar o candidato presidencial Sampaio da Nóvoa, até há
pouco favorito do PS, o que deixou a opinião pública na dúvida sobre aquilo que
o partido fará nesta matéria. O PS esteve aliás praticamente ausente do 25 de
Abril e foi ultrapassado pelo anúncio da coligação eleitoral que lhe tira a
possibilidade de futura aliança com o CDS. Entretanto, ao acolher o projecto de
programa dos doze economistas por ele convidados, António Costa reconheceu
objectivamente, uma vez mais, que a situação do país é hoje bem melhor do que o
PS tem dito desde que pediu socorro aos credores internacionais em 2011. Com
efeito, só as melhorias comprovadas pela saída da «troika» é que permitiram aos
autores do projecto prometer acelerar a recuperação já prevista pelo governo.
Não foram só os adversários do PS nem os seus concorrentes à esquerda que
ficaram surpreendidos com o teor continuísta do projecto, longe de qualquer
ruptura que fizesse pensar no Syriza. O sarilho que este está a armar,
deliberadamente, já serviu de emenda aos autores do projeto.
Sobre a badalada renegociação
da dívida, nem uma palavra. Aliás, os silêncios do projecto são tanto ou mais
eloquentes do que aquilo que promete. Para consumo dos eleitores, o que fica é
a promessa de o PS repor os salários da função pública em dois anos em vez de
quatro, como anunciara o governo. Seria bom para os funcionários mas
aparentemente mau para os reformados, que constituem uma percentagem muito
maior do eleitorado. O resto são tecnicalidades, algumas importantes, mas que só
na prática se poderão verificar. Sobretudo se a Grécia falir pela terceira vez,
o que obrigará a refazer as contas todas…
Porventura, a proposta mais
importante do projecto encabeçado pelo economista Mário Centeno, formado em
Harvard, é a tentativa de des-segmentar o mercado de trabalho no sentido
liberal, contra a rigidez absoluta dos contratos fixos e a precariedade
completa dos contratos a prazo, que tem constituído uma das maiores fraquezas
da economia portuguesa, bem como uma das principais razões do desemprego
estrutural e da consequente emigração. Simultaneamente, a segmentação do
mercado de trabalho tem sido a principal base de apoio da CGTP como porta-voz
dos empregados das empresas públicas, deixando os precários sem defesa…
É de duvidar que a chamada
esquerda do PS aceite o projecto «conciliatório» de Mário Centeno. Este é um
dos maiores mistérios que rodeará o projecto. Procurando agradar a gregos e
troianos, o PS arrisca-se a desagradar a ambos, a uns porque é demasiado à
esquerda e a outros, sobretudo dentro do partido, porque é demasiado à direita.
E não será a promessa de taxar as heranças de mais de um milhão de euros que
compensará, pois no caso improvável de tal medida passar, os interessados terão
mais que tempo para contornar a ameaça…
Outra das ideias fixas da
esquerda socialista é a resistência cega às privatizações. O projecto, tanto
quanto me dei conta, é omisso a este respeito. E todavia a desestatização da
economia faz parte intrínseca da necessária des-segmentação do mercado de trabalho,
onde os empregados das chamadas empresas públicas são quem mais caro custa ao
país. Outra enorme dúvida lançada pelo projecto é aquilo que acontecerá com a
redução da TSU do patronato e dos assalariados, para não falar dessa ideia
peregrina que seria o futuro governo pagar um subsídio aos assalariados mal
pagos. Tais medidas, que varrem para debaixo do tapete a questão decisiva da
demografia, mais não fariam do que aumentar as despesas imediatas e futuras do
Estado, com perda certa para as pensões e provável para os salários!
Custa, pois, acreditar que o
PS, sob a pressão da sua esquerda e dos mini-‘podemos’, deixe passar muitas
destas ideias, tanto mais que alguns dos doze economistas fazem parte dos
círculos internos do partido e terão oportunidade de alterar o plano. Não para
melhor. Pelo contrário, irão levar ao extremo o lugar-comum keynesiano que
perpassa por todo o plano, segundo o qual o Estado vai investir muito mais e
criar muito mais emprego, pondo fim à chamada austeridade… Ora, nada disso vai acontecer,
como não aconteceu antes da bancarrota, quando o único freio ao desemprego era
o aumento da dívida provocado pelo investimento estatal e os empregos públicos!
Nem o Estado irá ter dinheiro para isso nem a austeridade vai terminar, se por
austeridade se entender, como a maioria dos mortais entende, viver com o
rendimento que conseguirmos angariar.
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador,
27-4-2015
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